Estudo confirma: ameríndios descendem do mesmo grupo étnico

Universidade da Califórnia em Davis

 Mapa do mundo que mostra a localização das 53 populações de eurasianos e ameríndios cujo DNA foi recolhido para este estudo.
 Uma distinta assintaura de DNA foi encontrada em todas, menos uma, as populações indicadas nos pontos 32 a 53 neste mapa. (A tribo Fox, ponto 48, foi a exceção. Mas somente duas amostras do DNA do povo Fox foram testadas, poucas demais para um resultado válido). A assinatura estava ausente de todos os grupos asiáticos amostrados, pontos 1-32. (Kari Britt Schroeder/UC Davis)

Por duas décadas, os pesqui­sadores vêm usando um volu­me crescente de dados gené­ticos para alimentar o debate sobre se os ancestrais dos ameríndios emigraram para o Novo Mundo em uma onda só, ou em ondas sucessivas, ou se são originários de uma po­pulação asiática ancestral ou de várias delas.

Agora, após comparar cuida­dosamente amostras de DNA de povos em dúzias de grupos de ameríndios e eurasianos dos dias atuais, uma equipe internacional de cientistas a­cre­dita que pode trazer uma res­posta definitiva. Quase que sem exceções, os novos indí­cios apoiam a teoria de uma única população ancestral.

A autora principal do artigo que relata o estudo, Kari Britt Schroeder, da Universidade da Ca­lifórnia em Davis, declarou: “Nosso trabalho fornece fortes indícios de que, em geral, os a­me­­­ríndios são mais aparentados entre si do que com qualquer outra população asiática e­xistente, com a exceção daquelas que residem bem na margem do Estreito de Bering”.

“Embora estudos anteriores já apoiassem essa conclusão, a diferença é que nosso traba­lho apresenta os primeiros dados confiáveis que não podem ser reconciliados com a hipótese de muitas populações ancestrais”, explica Schroeder, que realizou a pesquisa quando estu­dava para o grau de Ph.D. em antropologia na Universidade.

O estudo será publicado na edição de maio da revista Molecular Biology and Evolution.

O trabalho da equipe prossegue outros estudos anteriores, realizados por vários de seus membros, que encontraram uma variante única (um alelo) de um marcador genético no DNA dos atuais ameríndios. Chamado de “alelo 9-repeat”, a variante (que não tem função bioló­gica) estava presente em todas as 41 populações pesquisadas, desde o Alaska até o extre­mo Sul do Chile, bem como nos Inuit da Groenlândia e os povos Chukchi e Koryak do lado asiático (Oeste) do Estreito de Bering. No entanto, este alelo estava ausente em todos os 54 grupos de eurasianos, africanos e da Oceania estudados.

No total, dentre os 908 povos pertencentes aos 44 grupos onde o alelo foi encontrado, mais de um em cada três tinha essa variante.

Nos estudos anteriores, os pesquisadores concluiram que a explicação mais plausível para a distribuição do aleo “9-repeat” era que todos os ameríndios, groenlandeses e beringuianos do Oeste fossem descendentes de uma população ancestral comum. Além disso, o fato de que esse alelo estava ausente em outras populações asiáticas, provavelmente significava que os antepassados dos ameríndios ficaram isolados do resto da Ásia por milhares de anos, antes de se mudarem para o Novo Mundo; ou seja: por um período de tempo sufici­entemente grande para que o alelo surgisse e se espalhasse pela população isolada.

Embora os indícios fossem muito fortes, não eram, entretanto, a toda prova. Havia duas ou­tras explicações plausíveis para a grande difusão do alelo pelas Américas.

Se o alelo “9-repeat” tivesse surgido como uma mutação diversas vezes, sua presença atra­vés das Américas não indicaria uma ancestralidade comum. Por outro lado, se houvesse dois ou mais grupos ancestrais diferentes e somente um deles portasse o alelo “9-repeat”, certas circunstências poderiam ter feito com que esse tivesse se misturado ao outro gru­po e se tornasse difundido. Digamos que existisse um segundo alelo — um situado bem pró­ximo do alelo “9-repeat” na cadeia do DNA — que conferisse uma forte vantagem para os humanos que o tivessem. A seleção natural levaria esse alelo para novas populações e, por causa dos mecanismos de herança genética, grandes pedaços da cadeia de DNA em torno dele, inclusive o alelo inoperante “9-repeat”, seriam levados em conjunto com o alelo bené­fico.

Para eliminar essas possiblidades, a equipe de pesquisa, chefiada por Noah Rosenberg da Universidade de Michigan, escrutinou amostras de DNA de pessoas de 31 populações asiá­ticas. 19 de ameríndios, uma groenlandesa e duas beringuianas do Oeste, todas atuais.

Eles descobriram que em cada amostra que continha o alelo “9-repeat”, pequenos pedaços de DNA de cada lado dele eram caracterizados por um padrão distinto de pares básicos, um padrão que eles raramente observaram em pessoas sem o alelo. “Se a seleção natural tivesse promovido a disseminação de um alelo vizinho vantajoso, nós poderíamos esperar en­contrar pedaços maiores de DNA do que esse com o padrão distinto”, explica Schroeder. “E também deveríamos ver um padrão com alta frequencia, mesmo entre pessoas que não são portadoras do alelo ‘9-repeat”. De forma que podemos considerar a possibilidade de se­leção positiva improvável”.

Os resultados também descartaram a hipótese de muitas migrações. Se fosse esse o ca­so, haveriam milhares de padrões de DNA diferentes em torno do alelo, em lugar da “assina­tura” característica descoberta pela equipe.

“Existem vários artigos bem fundamentados, com base no DNA mitocondrial — transmitido de mãe para filha — e DNA de cromossomo-Y — transmitido de pai para filho — que tam­bém apoiavam a tese de uma única população ancestral”, concede Schroeder. “Porém, este é  o primeiro indício definitivo que temos e que vem do DNA de ambos os sexos”.

Os demais autores do estudo são: David G. Smith, professor de antropologia na UC Davis; Mattias Jacobsson, Universidade de Michigan e Universidade de Uppsala na Suécia; Mi­chael H. Crawford, Universidade de Kansas; Theodore Schurr, Universidade da Penn­syl­vania; Simina Boca, Universidade Johns
Hopkins; Donald F. Conrad e Jonathan Pritchard, Universidade de Chicago; Raul Tito e Ripan Malhi, Universiade de Illinois,
Urbana-Cham­paign; Ludmilla Osipova, Academia Russa de Ciências,
Novosibirsk; Larissa Tarskaia, Aca­demia Russa de Ciências, Moscou;
Sergey Zhadanov, Universidade de Pennsylvania e Aca­demia Russa de Ciências, Novosibirsk; e Jeffrey D. Wall, Uinversidade da Califórnia em San Francisco.


Discussão - 4 comentários

  1. Frank disse:

    Oi João
    Gostaria de te parabenizar pelo excelente texto. Me deixou com vontade de ler mais sobre o assunto. Com certeza esse voltarei com mais frequência!
    Abraços
    Frank

  2. João Carlos disse:

    Agradeço, mas o texto não é exatamente "meu". A tradução é minha. (O link para o original em inglês está no alto da página).
    Em todo caso, seja sempre bem-vindo!

  3. igor disse:

    puxa, interessante que esse estudo não saiu tanto na mídia quanto o sobre a genética das populações da África... Ok, todo mundo veio da áfrica, então o interesse é maior, além do que saiu na Science e esse estudo saiu em um periódico mais específico. Mas mesmo assim...

  4. João Carlos disse:

    Pois é, Igor. Eu também reparei isso.

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