A volta da Arca de Noé

[ Racing the Clock: Rapid Climate Change Forces Scientists to Evaluate Extreme Conservation Strategies ]

Cientistas debatem se, quando e como recolocar plantas, animais e inse­tos cujos habitats tenham sido danificados pelas mudanças climáticas

Photo of a tortoise on the edge of Athens, Greece.

Uma tartaruga na periferia de Atenas, Grécia.
Crédito e imagem ampliada

25 de maio de 2009

Os cientistas estão, pela primeira vez, avaliando objectivamente meios para au­xi­liar as espécies a se adaptarem a rápidas mudanças climáticas e outras amea­ças ambientais, através de estratégias que eram consideradas radicais demais para serem levadas a sério a meros 5 a 10 anos. Entre essas estratégias radi­cais que estão sendo consideradas, está a assim chamada “relocação geren­ciada”. A relocação gerenciada, também conhecida como “migração assistida”, en­volve levar manualmente espécies para habitats mais favoráveis onde elas não são atualmente encontradas.

Uma nova ferramenta revolucionária para auxiliar os responsáveis pela tomada de decisões a estabelecer se, quando e como usar a relocação gerenciada é des­crita na edição de 25 de maio de 2009 da Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS) por um grupo de trabalho multi-disciplinar.

Parcialmente financiada pela Fundação Nacional de Ciências (NSF), o grupo de trabalho é co-liderado por Jessica Hellmann e Jason McLachlan da Universidade de Notre Dame, Dov Sax da Universidade Brown, e Mark Schwartz da Univer­sidade da Califórnia em Davis. David Richardson da Universidade Stellenbosch da África do Sul liderou a redação do artigo.

A ferramenta dos pesquisadores é revolucionária porque a relocação gerenciada tem sido repudiada por alguns cientistas por medo de que as espécies relocadas sobrepovoem seus novos habitats, causem a extinção de espécies locais, ou entupam canalizações de água, como os mexilhões zebra, invasores, fizeram nos Grandes Lagos. Mesmo assim, alguns conservacionistas e grupos já usaram a relocação gerenciada ou estão considerando fazê-lo atualmente.

Fazer alguma coisa ou fazer coisa alguma?

Então por que a relocação gerenciada, uma estratégia considerada tabu e po­ten­cialmente danosa, está sendo agora considerada seriamente? Helman diz: “Porque está se tornando avassaladoramente patente que as mudanças climá­ticas são uma realidade – e elas são rápidas e grandes. As consequências vão sur­gir em décadas, não em séculos. Por isso as ações parecem muito mais im­por­tantes agora do que pareciam a 5 ou 10 anos atrás, quando as concen­trações atmosféricas de gases de efeito estufa eram menores. Agora, nós esta­mos confrontando graus maiores de mudanças climáticas”.

O que é pior, uma resposta “fazer coisa alguma” às mudanças climáticas envol­ve riscos significativos. Hellman prossegue: “Nós antes podíamos dizer ‘deixe a natureza seguir seu curso’. Mas, por causa das alterações que a humanidade já causou no mundo, não existe mais isso de deixar a natureza seguir seu curso. Agora, tanto a ação, quanto a inação têm consequências negativas em poten­cial”. E Richardson acrescenta: “Portanto, temos que desenvolver novas ferra­mentas e novas maneiras para aquilatar os riscos da ação em comparação com a inação”.

A relocação gerenciada não é a única estratégia de adaptação controversa que está sendo considerada pelos cientistas. Outras estratégias que tais, incluem a fertilização dos oceanos para aumentar sua capacidade de absorção de gases de efeito estufa e, assim, reduzir as mudanças climáticas, a conservação de enor­mes corredores de migração que podem se estender por milhares de quilô­metros, e a preservação da diversidade genética das espécies ameaçadas em bancos de sementes.

A pressa pode matar

Muitas espécies sobreviveram a períodos anteriores, mais lentos, de mudanças climáticas através da evolução ou pela migração para habitats mais hospi­taleiros por seus próprios meios. Mais tais estratégias de sobrevivência estão agora frequentemente impedidas por: 1) a presença de cidades e outros obstá­culos não naturais que impedem que os organsmos alcancem novos locais; e 2) a velocidade das mudanças climáticas, que podem aumentar a temperatura média da terra em até 6 graus nos próximos 100 anos — uma mudança grande e rápida pelos padrões da natureza.

Na medida em que as temperaturas aumentam, porcentagens significativas de espécies do mundo acabam apanhadas em uma armadilha — como peixes fora da água — em habitats que se tornaram muito quentes, muito secos, ou muito qualquer-coisa para elas. Assim, elas podem se extinguir ou perder segmentos gene­ticamente importantes de suas populações. Tais perdas podem estragar grandes ecossistemas e causar danos a sistemas agriculturais, culturais e econômicos.

Negócio arriscado

As considerações do grupo de trabalho sobre a relocação gerenciada não encer­raram as controvérsias que cercam o emprego dessa estratégia que, algumas vezes, colocava os próprios membros do grupo em confronto. Por que a relo­cação gerenciada é tão controversa? Porque ela não responde à pergunta: Nós real­mente sabemos o suficiente para predizer como os organismos irão se com­por­tar nas novas localizações e se eles serão prejudiciais aos habitats que os receberem?

“Os resultados da introdução intencional ou acidental de espécies em novos habitats nos ensinou um bocado sobre as implicações de levar organismos a novos habitats”, diz Richardson. “Não obstante, as predições sobre se as espé­cies introduzidas irão dominar as novas áreas e os possíveis impactos, sempre envolverão incertezas. Mas podemos fazer uma previsão razoavelmente boa, dentro de margens de incerteza pré-estabelecidas”.

Para isso, a ferramenta dos pesquisadores é projetada para auxiliar a expor os riscos da relocação gerenciada, os compromissos e custos — considerações que frequentemente estão ausentes da tomada de decisões quanto aos recursos naturais. Ela fornece, especiicamente, aos detentores do poder decisório um sistema de pontuação individual para cada relocação proposta com base em critérios multidisciplinares. Esses critérios multidisciplinares incluem a probabi­lidade de sucesso de uma relocação proposta, seu potencial risco de danos ao ecos­sistema hospedeiro, seus custos, seu potencial de violação da Lei de Proteção às Espécies Ameaçadas e a importância social e cultural das espécies atingidas.

As comparações dos escores dos tomadores de decisões os auxiliarão a iden­tificar as fontes de suas divergências de forma a poder resolvê-las. A ferra­menta não consegue., entretanto, produzir recomendações de gerenciamento.

“A ferramenta tira vantagem do fato de que, embora a ciência não possa nos dizer exatamente o que acontecerá no futuro, ela pode nos dizer o quanto um resultado favorável é possível — o que é útil para os tomadores de decisões”, diz a Diretora de Programa da NSF Nancy Huntly.

Aplicável não só a especies ameaçadas

Além de abordar relocações gerenciadas de espécies ameaçadas, a ferramenta dos pesquisadores pode abordar também:

  • Relocações gerenciadas de espécies que não estão ameaçadas. Por exemplo, o artigo do grupo de trabalho na PNAS aplica a ferramenta ao debate acerca do plantio de certas espécies de madeiras de lei norte-americanas além do seu limite Norte, em florestas de coníferas. Essa aplicação seugere que tais relocações podem ser apoiadas por madeireiras comerciais que valorizam seu alto potencial em prover retornos econômicos, bem como a sua grande possi­bilidade de execução e baixo risco de prejudicar o ecossistema hospedeiro. Em oposição, os conservacionistas que valorizam a herança natural dos ecos­sistemas hospedeiros podem perceber benefícios menores e maiores riscos.
  • Outras estratégias controversas de adaptação relacionadas com as mudan­ças climáticas que estão sendo atualmente consideradas pelos cientistas, além da relocação gerenciada.


Discussão - 1 comentário

  1. Fernando disse:

    Caro João Carlos, parabéns por seu blog. Acabei de ler o seu último artigo que é o primeiro que li e o primeiro de muitos que pretendo ler e espero que esse artigo não seja o seu último artigo.
    A ideia de relocação gerenciada é interessante, pois o aquecimento global, acabará com muitas espécies, o urso polar por exemplo não terá como migrar nem como se adaptar. Eles vivem no gelo com o derretimento das geleiras, vão ter que nadar grandes distâncias para encontrar outro ambiente que lhes é favorável, caso não venham a morrer antes de exaustão, por terem que atravessar grandes distâncias.
    Gostei de ter conhecido essa relocação gerenciada.

Envie seu comentário

Seu e-mail não será divulgado. (*) Campos obrigatórios.

Sobre ScienceBlogs Brasil | Anuncie com ScienceBlogs Brasil | Política de Privacidade | Termos e Condições | Contato


ScienceBlogs por Seed Media Group. Group. ©2006-2011 Seed Media Group LLC. Todos direitos garantidos.


Páginas da Seed Media Group Seed Media Group | ScienceBlogs | SEEDMAGAZINE.COM