Você já ouviu falar do Itérbio?… Pois devia.
DOE/Lawrence Berkeley National Laboratory
A quebra de simetria no Itérbio
As maiores violações da paridade jamais medidas em um átomo
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O Itérbio (Yb) foi descoberto em 1878, porém, até que encontrasse uso como nos atuais relógios atômicos, o metal mole jamais foi notícia. Agora o itérbio pode reclamar seu lugar na “calçada da fama” da ciência. As medições feitas no isótopo Yb-174 (70 prótons e 104 nêutrons) mostraram os maiores efeitos de quebra de paridade jamais observadas em um átomo — cem vezes mais do que o medido com precisão no elemento césio.
O princípio da “paridade” presume que, na escala atômica, a natureza se comporte da mesma forma quando se troca a esquerda pela direita: interações vistas “no espelho” devem ser indistinguíveis das “normais”. Parece uma questão de mero bom senso, mas, notavelmente, não é sempre assim…
Dmitry Budker, da Divisão de Ciência Nuclear do Laboratório Nacional Lawrence Berkeley e professor de física da Universidade da Califórnia em Berkeley, que liderou a pesquisa, explica que a violação da paridade é um efeito da Força [Nuclear] Fraca.
Das quatro forças fundamentais da natureza – [Nuclear] Forte, Eletromagnética, [Nuclear] Fraca e Gravitacional – a última a ser descoberta foi a Fraca que tem um alcance extremamente curto. Os neutrinos, que não têm carga eletromagnética, são imunes ao eletromagnetismo e só interagem através da Força Fraca. A Força Fraca tem também a espantosa capacidade de modificar o “sabor” dos quarks e, desta forma, transformar prótons em nêutrons e vice versa.
A violação da paridade – os nêutrons e a Força Fraca
Os prótons isolados duram para sempre, aparentemente, mas um nêutron isolado se desmancha em cerca de 15 minutos; ele se transforma em um próton, emitindo um elétron e um antineutrino – um processo conhecido como decaimento beta. E o decaimento beta é um efeito da Força Fraca.
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Os cientistas pensaram por muito tempo que a natureza era simétrica na escala atômica. As coisas deveriam parecer as mesma, não somente quando se invertesse esquerda por direita, mas também quando as cargas elétricas das partículas envolvidas em uma interação fossem invertidas, ou mesmo se todo o processo fosse invertido no tempo, do futuro para o passado. Essa inversão é chamada de “conjugação” – e a conjugação de cargas é denotada por “C”, da paridade “P” e de tempo “T”. Se pensava que a natureza fosse invariante em C, P e T.
Porém em 1957 os pesquisadores descobriram que a Força Fraca não dava a mínima para o que os cientistas achavam. Quando certos tipos de núcleos atômicos (tais como o de cobalto-60) são colocados em um campo magnético para serem polarizados (alinhar os polos N e S nas mesmas direções) e passam por um decaimento beta, mais elétrons são emitidos do polo Sul do que do polo Norte.
Essa foi a primeira demonstração da violação da paridade. Antes que essa experiência com o cobalto-60 fosse realizada, o grande físico Richard Feynman tinha dito que, se a violação de P fosse verdadeira (coisa que ele duvidava), seria possível algo que se pensava ser impossível: “distinguir a esquerda da direita”.
Agora parece que vários átomos exibem a violação da paridade, embora isso não seja fácil de detectar. A violação de P foi medida com a mais alta precisão nos átomos de césio que têm 55 prótons e 78 nêutrons no núcleo, por meio de processos ópticos que observam os efeitos resultantes da excitação dos elétrons do átomo a níveis de energia mais elevados.
Os pesquisadores de Berkeley projetaram sua própria aparelhagem para detectar a violação da paridade prevista para o itérbio (que deveria ser bem mais alta do que no césio). Na experiência, o itérbio metálico é aquecido a 500ºC, produzindo um feixe de átomos que é enviado através de uma câmara com campos elétricos e magnéticos orientados perpendicularmente entre si. Dentro da câmara, os átomos de itérbio são alvejados por um raio laser, sintonizado para excitar alguns dos elétrons até estados energéticos mais altos, através de uma transição “proibida” (altamente improvável). Depois os elétrons voltam a níveis energéticos menores através de diferentes caminhos.
As interações fracas entre o elétron e o núcleo – junto com interações fracas dentro do núcleo do átomo – contribuem para “misturar” alguns dos estados de energia dos elétrons, dando uma pequena contribuição para a transição “proibida”. No entanto, outros processos eletromagnéticos mais comuns (que envolvem imperfeições na aparelhagem) também contribuem para misturar os estados e “borrar” o sinal. O propósito dos campos elétricos e magnéticos dentro da câmara é amplificar o efeito de violação da paridade e remover ou identificar esses efeitos eletromagnéticos espúrios.
Quando analisaram seus dados, os pesquisadores encontraram um sinal claro de violações de paridade a nível atômico, 100 vezes maior do que o sinal similar obtido a partir do césio. Com refinamentos na experiência, a força e a clareza do sinal do itérbio promete avanços significativos no estudo das Forças Fracas no núcleo.
Observando o trabalho da Força Fraca
Espera-se que as experiências do grupo de
Budker possam expor como a Carga Fraca se modifica em diferentes isótopos (núcleos com o mesmo número de prótons e diferentes números de nêutrons) de itérbio e revelem como as Correntes Fracas se propagam dentro desses núcleos.
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Os resultados também devem ajudar a explicar como os nêutrons dentro dos núcleos de átomos pesados se distribuem, inclusive se uma “película” de nêutrons circunda os prótons no centro, como sugerem diversos modelos nucleares.
Budker afirma: “A película de nêutrons é muito difícil de detectar com sondas com carga, tais como a dispersão de elétrons, porque os prótons, com suas grandes cargas elétricas, dominam a interação”.
E acrescenta: “Em um nível pequeno, o efeito da violação de paridade medido depende de como os nêutrons ficam distribuídos dentro do núcleo – especificamente de seu raio quadrado médio. O raio quadrado médio do próton é bem conhecido, mas esse seria o primeiro indício de seu gênero da distribuição dos nêutrons”.
As medições de violação de paridade no itérbio também pode revelar “momentos anapolares” na camada externa de nêutrons no núcleo (chamados de “nêutrons de valência”). Como previsto pelo físico russo Yakov Zel’dovich, essas correntes elétricas são induzidas pela Interação Fraca e circulam dentro do núcleo tal como as correntes na bobina toroidal de um tokamak. Elas foram observadas nos prótons de valência do césio, mas ainda não nos nêutrons de valência.
As experiências podem levar a testes sensíveis do Modelo Padrão – a teoria que, embora sabidamente incompleta, ainda é a que melhor descreve as interações de todas as partículas subatômicas observadas até agora.
“Até agora, os dados mais precisos acerca do Modelo Padrão vieram de aceleradores de partículas de altas energias”, explica Budker. “Os bósons vetores da Força Fraca, W e Z, foram descobertos no CERN colidindo prótons com antiprótons, um regime de ‘alta transferência de momento’. As experiências de violação de paridade atômicas do Modelo Padrão são muito diferentes – elas ficam no regime de baixa transferência de momento e complementam as experiências de altas energias”.
Desde 1957, quando Zel’dovich primeiro sugeriu procurar uma variação a nível atômico por meio de dispositivos ópticos, os pesquisadores têm chegado cada vez mais perto de aprender como a Força Fraca atua nos átomos. A violação da paridade foi detectada em vários átomos e seus efeitos previstos, tais como momentos anapolares nos prótons de valência do césio, observados com uma clareza sempre crescente. Com suas novas técnicas experimentais e a observação de uma grande violação da paridade no itérbio, Dmitry
Budker e seus colegas chegaram a uma nova marca, mais próxima da compreensão da assimetria fundamental de nosso universo na escala atômica.
Artigo: “Observation
of a large atomic parity violation in ytterbium,” por K. Tsigutkin, D.
Dounas-Frazer, A. Family, J. E. Stalnaker, V. V. Yashchuck e D.
Budker, publicado em Physical Review Letters e disponível online em http://arxiv.org/abs/0906.3039.
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