Macro-efeito quântico

[Traduzido de: Measuring the Intersection of Two Worlds ]

Como as surpreendentes leis da mecânica quântica podem afetar objetos comuns do dia-a-dia

Por Holly
Martin

Photo of researchers kneeling behind a dilution refrigerator
equipped for microwave measurements.

Alex Rimberg (esquerda) e Miles Blencowe publicam suas descobertas na Nature.
Crédito e imagem ampliada

30 de junho de 2010

Em um estudo publicado na edição de 1 de julho da Nature, pesquisadores de
Dartmouth descrevem um exemplo onde o mundo quântico microscópico influencia – até mesmo domina, dizem eles – o comportamento de algo no clássico mundo macroscópico.

“Uma das pricipais questões da física tem a ver com a conexão entre os mundos microscópico e macroscópico”, diz Alex Rimberg, professor associado de física no Dartmouth
College.

No mundo microscópico, pequenas partículas sub-atômicas, tais como fótons e elétrons, obedecem às leis, por vezes bizarras, da mecânica quântica. Enquanto isso, os objetos no mundo macroscópico, quase sempre algo visivel a olho nu, agem conforme as leis da física clássica, descobertas por Newton no século XVII.

Porem, pouco mais de 300 anos após Newton, Einstein provou que a luz é feita de pequenos “pacotes” de energia, chamados de “quanta”. Essa descoberta marcou o início da teoria quântica, embora tenha levado décadas de trabalho subsequente de várias grandes mentes científicas para finalmente estabelecer a moderna teoria da mecânica quântica.

Uma das leis mais estranhas da mecânica quântica é o Princípio de Incerteza, observado pela primeira vez pelo físico alemão e ganhador do Prêmio Nobel Werner Heisenberg em 1927. Heisenberg percebeu que quando se tenta localizar uma partícula rápida, tal como um elétron, é impossível estabelecer precisamente ao mesmo tempo sua posição e seu momento.

“Para realizar uma medição, uma experiência tem que interagir com seja o que for que esteja sendo medido”, explica Rimberg. “Porém essa interação afinal significa que se deve exercer alguma força sobre o que se está medindo. Se estivermos medindo a posição de um objeto, qualquer medição fará com que o objeto se mova de maneira aleatória e imprevisivel”. Essa tendência a afetar aleatoriamente o que se está medindo é chamada de “backaction” [NT: “backaction” é o termo que descreve, em inglês, o “coice” de uma arma de fogo. O termo técnico em português para isso é “recuo” que também não descreve adequadamente o fenômeno de uma “reação”, não necessariamente aquela prevista na mecânica clássica].

Einstein jamais conseguiu aceitar essa ideia – que o ato de medir modificasse o objeto sendo medido – por uma questão filosófica e a combateu até seu último alento. Mas atualmente se sabe que o Princípio da Incerteza é válido para todas as interações a nivel quântico.

O que ainda não se sabe é como os mundos quântico e clássico se relacionam. “O que realmente não compreendemos é como o comportamento clássico emerge do comportamento quântico à medida em que os sistemas se tornam cada vez maiores”, explica Rimberg. “Nós tambem não compreendemos verdadeiramente o quanto a mecânica quântica pode influenciar no mundo clássico onde vivemos”.

Tornando a coisa real

Rimberg
e seu colega Miles Blencowe, financiados pela Fundação Nacional de Ciências (NSF), lideraram uma equipe de pesquisadores que demonstrou eventos de mecânica quântica causando efeitos no mundo clássico.

Os cientistas não se propunham a realizar isto desde o início, ressalva Rimberg. Na verdade, eles estavam tentando medir rápidas mudanças em cargas em escala nanométrica.

Para tanto, eles primeiramente criaram minúsculos cristais semicondutores, similares a um chip de computador, cada um com cerca de 3 mm de largura. Eles depositaram portas elétricas de ouro por cima do cristal, deixando um pequenino intervalo de poucas centenas de micrômetos no meio do chip. Esse intervalo é chamado de “contato de ponto quântico”, ou CPQ.

Quando se liga o chip a um circuito elétrico, os elétrons fluem através dos contatos de metal até atingirem o CPQ. E foi aí que eles começaram a observar uma das esquisitices da mecânica quântica.

“Se pode pensar no CPQ como uma espécie de barreira, uma muralha para os elétrons”, explica Rimberg. “Quando a muralha é suficientemente alta, os elétrons não tem energia suficiente para saltá-la. Se os elétrons fosem objetos clássicos, isso seria o fim do caminho. Mas, já que os elétrons obedecem as leis da mecânica quântica, em lugar de tentar saltar a muralha, eles podem tentar um tunelamento quântico e passar atavés dela”.

Assim, quando uma corrente de elétrons se aproxima de um CPQ, cada elétron na corrente “escolhe” aleatoriamente ser refletido pela barreira ou passar através dela.

“Esse processo aleatório introduz ruido na corrente elétrica, causado pelas flutuações aletórias do número de elétrons que passa através, em um dado momento”, prossegue Rimberg. “Como esse ruido é gerado pela mecânica quântica, algumas vezes é chamado de ruido quântico”.

Medindo o ruido quântico

Para esta experiência, os cientistas usaram cristais semicondutores feitos de arseniato de gálio, o qual exibe uma propriedade chamada piezoeletricidade. O termo “piezoelétrico” signiifica que uma corrente elétrica que passa pelo cristal, causa um movimento mecânico ou físico no próprio cristal, de maneira parecida com o jeito que uma esponja se expande quando absorve água.

Cristais piezoelétricos são por vezes chamdos de ressonadores, porque eles são capazes de ressoar, ou vibrar, em resposta a sinais elétricos. Esses ressonadores podem se mover de maneiras diiferentes – esticando ou se dobrando – dependendo da frequência do sinal e do formato do cristal.

“A vibração tridimensional de um cristal ressonador é exatamente igual à vibração que se obtem ao golpear um diapasão, ou ao esfregar um dedo molhado pela borda de um copo de vinho”, explica Rimberg. “O copo (ou o diapasão) começa a emitir uma nota musical; isto acontece porque existe um tipo de padrão de vibração, determinado por sua geometria, no qual os átomos do copo partiicipam coletivamente”.

Do mesmo jeito, os elétrons que saltam através da “muralha” do CPQ aplicam uma força de “recuo” aleatória sobre o cristal, segundo Rimberg. Nesse caso, a força do recuo apenas aconteceu de fazer o cristal vibrar em uma de suas frequências favoritas. Quando os pesquisadores mediram a corrente elétrica em função da frequência e encontraram fortes picos que indicavam que o recuo estava criando um feedback, isso os pegou de surpresa.

“Nem eu, nem ninguem mais previu as características espectrais que indicavam que as amostras estavam vibrando”, disse Rimberg. “Levou um bocado de tempo e esforço para nos convencermos que se tratava de um efeito real e mais tempo e esforço ainda para perceber do que se tratava”.

A incerteza em ação

“No nosso caso, a corrente que passa pelo PCQ dá informações sobre a posição do cristal semicondutor onde o PCQ está alojado”, diz Blencowe. “Porem, por causa do ruido quântico na corrente, em qualquer dado instante acontecem flutuações aleatórias no número de elétrons (da ordem de 10.000, mais ou menos) em ambos os lados do PCQ”.

Optical micrograph of one of the samples measured by the research team.

Uma micrografia óptica de uma das amostras medidas pela equipe de pesquisa.
Crédito e imagem ampliada

E porque esses elétrons tem uma carga elétrica, eles exercem uma força piezoelétrica no cristal, fazendo-o se mexer. “A coisa notavel é que apenas 10.000 e poucos elétrons são capazes de fazerem todos os 1020
(100 quintillhões) de átomos no cristal se mexerem ao mesmo tempo”, diz Blencowe.

“A diferença de tamanho dos dois lados do sistema é realmente extrema, explica Blencowe. “Para por as coisas em perspectiva, imagine que os 10.000 elétrons correspondam a algo pequeno, porém macroscópico, tal como uma mosca. Para completar a analogia, o cristal teria que ter o tamanho do Monte Everest. Se conseguirmos imaginar uma mosca pulando em cima do Everest e fazendo ele se mexer, ainda teríamos as vibrações na casa de metros!”

“Nosso trabalho é um exemplo direto do mundo quântico microscópico influenciando e até dominando o comportamento de algo do mundo clássico macroscópico”, diz Rimberg. “Os movimentos do cristal semicondutor não são dominados por algo clássico como o movimento térmico, mas pelas flutuações quânticas aleatórias no número de elétrons tunelados”.

E, nesse caso, sublinha Rimberg, o mundo macroscópico tambem influencia o mundo quântico porque as vibrações do cristal fazem com que os elétrons tunelem em grandes grupos.

Em pequisas futuras, a equipe pode seguir em várias direções. “Primeiro, nós vamos mesmo usar o PCQ para detectar as cargas, coisa que sempre foi nossa intenção”, diz Rimberg. “Segundo, vamos continuar examinando as questões referentes à transição quântico-clássica, mas com ressonadores menores do que esses cristais – coisas que ficam na fronteira nebulosa entre os reinos mais conhecidos das mecâncias quântica e clássica”. Essa fronteira é chamada por alguns de escala “mesoscópica”.

Daryl Hess, diretor de programa na Divisão de Pesquisas de Materiais da NSF declarou: “O estudo desses tipos de sistemas representa um avanço no conhecimento básico e também aborda algumas questões práticas que incluem: quais são os limites fundamentais das medições? E qual é o dispositivo de medição mais sensível que se pode fazer?”

“Questões desse tipo se tornam cada dia mais prementes, à medida em que nossas ciência e tecnologia encolhem para escalas cada vez menores, onde se vislumbra dispositivos, eletrônicos e mecânicos, com talvez apenas alguns átomos de dimensões”, acrescenta Hess. “Nessas escalas, os dispositivos podem apresentar aspectos que recaem diretamente no mundo da mecânica quântica e outros que recaem diretamente no mundo da mecânica clássica”.

Maiores esclarecimentos podem ser pedidos a Maria Zacharias na NSF (mzachari@nsf.gov)  ou Sue Knapp em Dartmouth sue.knapp@dartmouth.edu.


Discussão - 1 comentário

  1. HPLC disse:

    Post bem interessante! Gostei!

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