[Livro]: Os números (não) mentem


Se você é um leitor assíduo dos ScienceBlogsBR, provavelmente já desconfiou de alguns números que a midia costuma divulgar com uma enorme liberalidade. Desde o famoso “Nove entre dez estrelas de cinema usam sabonete Lux”, até algumas “pérolas” da pesquisa “científica”.

Charles Seife – professor de jornalismo na Universidade de Nova York e mestre em matemática pela Universidade Yale – faz um apanhado bem humorado das diversas formas pelas quais os números podem ser usados para dar uma falsa impressão de veracidade a afirmativas disparatadas, desonestidades comerciais, políticas e até jurídicas – é, é claro, pseudo-científicas.

Como nada é perfeito, cabe um caveat: o livro é dirigido primariamente ao público dos Estados Unidos e os exemplos oferecidos são todos tirados daquele país. Sendo assim, o leitor mais impaciente pode se perder nos capítulos 5 e 6 que tratam das maracutaias numéricas que são lugar-comum naquilo que os americanos adoram endeusar como “democracia representativa” (e que você descobre que é tão “coronelista” como qualquer banana-republic). Mas vale o esforço para entender o que é uma “gerrymandra” (e, de tabela, entender por que as “raposas-felpudas” da política tupiniquim se empenham tanto com o tal “voto distrital”) e perceber que o tal “primeiro-mundo” não sabe se valer de tecnologias bastante simples…

Mas isso é um detalhe de menor importância em um livro que nos abre os olhos para o uso indiscriminado de cifras (muitas simplesmente inventadas e que o autor rotula como “Números de Potemkim” – e eu não vou dar um spoiler e explicar o motivo) para fazer soar como convincente uma argumentação sem bases reais.

Depois que você ler esse livro (e eu estou certo de que você vai fazer isso e não vai se arrepender), grande parte das notícias que você vai ler, vão parecer suspeitas… e você vai constatar que são mesmo mentira.

Números, realmente não mentem… assim como armas não matam (se não houver um agente para acioná-las). Mas sempre se pode mentir (e muito!), até mesmo usando números perfeitamente honestos.

Finalmente, tenho que chamar a atenção para a primorosa tradução de Ivan Weisz Kuck que consegue tornar uma obra cheia de expressões idiomáticas intraduzíveis em um texto perfeitamente compreensível em português. (Infelizmente, o título original é um desses casos… Proofiness é um neologismo cabeludo).

Seife, Charles. Os números (não) mentem: como a matemática pode ser usada para enganar você. Tradução de Ivan Weisz Kuck, revisão técnica Samuel Jurkiewicz. Rio de Janeiro, Zahar, 2012. Título original: Proofiness: the dark art of mathematical deception.

 

 

Discussão - 5 comentários

  1. Sibele disse:

    Fiquei mesmo com vontade de ler, João Carlos!

    Será que o livro fala também de números sobre o impacto e alcance das pesquisas científicas? Os rankings de universidades estão bombando por aí e muitos não divulgam os critérios de coleta de dados acadêmicos para compor essas listagens de forma clara...

    • João Carlos disse:

      Infelizmente, não Sibele... Nosso professor sabe bem de onde vem a tenure dele e não iria mexer em casa de marimbondo.

      No entanto, eu acredito que o capítulo que escracha com as "pesquisas de opinião", serve como guia para aquilatar se esses índices de "impacto & alcance" são capazes de gerar um "sigma" decente.

  2. Natália disse:

    João, parabéns pela resenha 🙂
    Sempre uma satisfação poder verificar as impressões alheias de um mesmo material!
    A parte da tradução realmente mereceu destaque, e eu falhei em não me referir a isso na minha resenha... deve ter dado um trabalho deveras suado arranjar traduções compatíveis, bem humoradas e compreensíveis daquelas palavras mucho doidas que o autor criou 😉
    Um abraço!

  3. Uma área que sofre bastante com isso é a própria ciência. Direto que eu vejo gente torturando a estatística para gerar significâncias dúbias. Principalmente na área de biologia/medicina.

    • João Carlos disse:

      Shridhar! Que bom ter notícias de você novamente!

      Você tem toda a razão... E isso, no caso específico da Medicina, é muito agravado por "pesquisas" praticamente nascidas dos Departamentos de Marketing dos laboratórios.

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