O oceano aquecido está derretendo a calota da Antártica
O aquecimento dos oceanos está causando a maior parte da perda de massa das plataformas da Antártica
› Imagem apliada e outras informações
As taxas do derretimento basal das plataformas de gelo da Antártica (o derretimento das plataformas por baixo) sobrepostas a um mosaico de 2009 criado a partir de dados do Espectro-radiômetro de Resolução Moderada (Moderate Resolution Imaging Spectroradiometer =MODIS), um instrumento a bordo dos satélites Terra e Aqua da NASA. Sombreados em vermelho denotam taxas de derretimento menores que 5 metros por ano (condição de congelamento), enquanto o sombreado em azul representa derretimento maior que 5 metros por ano (condição de derretimento). Os perímetros das plataformas de gelo em 2007-2008, excluindo afloramentos e ilhas de gelo, são mostrados nas linhas negras finas. Cada gráfico circular mostr a proporção da perda total da massa de gelo em cada plataforma, expresso em gigatons por ano, com a proporção da perda de gelo devida a “calving” (o “descascamento” natural) denotado pelas linhas hachreadas e a proporção de perda basal em negro sólido. Crédito da imagem: NASA/JPL-Caltech/UC Irvine/Columbia University |
PASADENA, Califórnia — As águas dos oceanos que derretem por baixo as plataformas de gelo da Antártica são as responsáveis pela maior parte da perda da calota de gelo do continente, conforme descobriu um novo estudo da NASA e de pesquisadores de universidades.
Os cientistas estudaram as taxas de derretimento basal – ou seja: o derretimento das plataformas de gelo desde debaixo – de cada uma das plataformas de gelo, aquelas extensões das geleiras que vazam para o mar. No entanto, este é o primeiro estudo compreensivo de todas as plataformas de gelo da Antártica. O estudo descobriu que o derretimento basal respondia por 55% de toda a perda de massa das plataformas de gelo da Antártica de 2003 a 2008, uma quantidade muito maior do que se acreditava antes.
A Antárctica contém 60% de toda a água doce do planeta, retida em sua massiva calota polar. As plataformas de gelo escoram as geleiras por trás delas, modulando a velocidade com a qual esses rios de gelo desaguam no oceano. Estabelecer como as plataformas de gelo derretem, vai ajudar os cientistas a melhorar as projeções de como a Calota Polar Antártica vai responder ao aquecimento dos oceanos e contribuir para a elevação do nível dos mares. Isto servirá também para melhorar os modelos globais de circulação oceânica, fornecendo uma estimativa melhor da quantidade de água doce que o derretimento das plataformas de gelo adicionam às águas costeiras da Antártica.
O estudo emprega reconstruções da acumulação de gelo, leituras da espessura do gelo feitas por satélites e aeronaves, e mudanças na elevação e velocidade do gelo para estabelecer o quão rápido as plataformas de gelo derretem e comparar a massa perdida com a quantidade liberada pelo fracionamento, ou liberação de icebergs.
“A visão tradicional da perda de massa [da calota] da Antártica era que ela era quase que totalmente controlada pela liberação de icebergs”, diz Eric Rignot do Laboratório de Propulsão a Jato da NASA em Passadena e da Universidade da Califórnia em Irvine. Rignot é o principal autor do estudo que será publicado na edição de 14 de junho da Science. “Nosso estudo demonstra que o derretimento por baixo, pelas águas dos oceanos, é maior e isto deve mudar nossa perspectiva sobre a evolução da calota de gelo em um clima aquecido”.
Frente de fratura de uma plataforma de gelo na Antártica Ocidental. A visão mais tradicional sobre as plataformas de gelo, as extensões flutuantes das geleiras por sobre o mar, era que a maior parte da perda do gelo era pelo descolamento de icebergs. Crédito: NASA/GSFC/Jefferson Beck |
Plataformas de gelo crescem através de uma combinação de gelo terrestre fluindo para o mar e a neve que se acumula sobre sua superfície. Para estabelecer quanto gelo e quanta neve contribuem em cada plataforma de gelo específica e o quanto se transforma em um iceberg, quando ela se rompe, a equipe de pesquisa usou um modelo climático regional de acumulação de neve e combinou os resultados com os dados da velocidade do gelo dos satélites, medições da espessura do gelo pela missão IceBridge da NASA – uma contínua missão de observação aérea dos polos da Terra – e um novo mapa do leito rochoso da Antártica. Usando essas informações, Rignot e seus colegas foram capazes de deduzir se a plataforma de gelo estava perdendo massa pelo derretimento basal ou ganhando massa pelo congelamento basal das águas dos mares.
Em alguns lugares, o derretimento basal suplantava o desprendimento de icebergs. Em outros lugares, acontece o oposto. Porém, no total, as plataformas de gelo da Antártica perderam 1.325 trilhões de quilogramas de gelo por ano de 2003 a 2008 através do derretimento basal, enquanto que o desprendimento dos icebergs respondeu por 1.089 trilhões de quilogramas a cada ano.
O derretimento basal pode ter um impacto maior sobre a circulação oceânica do que o desprendimento dos icebergs. Os icebergs liberam lentamente a água derretida, enquanto garram do continente. Porém o forte derretimento perto das profundas linhas de fundo, onde as geleiras perdem sua adesão ao fundo do mar e começam a flutuar como plataformas de gelo, vaza grandes quantidades de água doce perto da linha costeira do Atlântico. Esta água menos densa não se mistura e afunda tão prontamente quanto a água mais fria e salgada, e isto pode estar modificando a taxa de renovação da água do fundo.
Esta foto mostra a frente de fracionamento da plataforma de gelo em frente da Geleira de Pine, um dos principais sistemas de gelerias da Antártica Ocidental. A imagem foi obtida durante a campanha conjunta de NASA/Centro de Estudios Cientificos, Chile (CECS) na Antártica no outono de 2002. Crédito: NASA/JPL-Caltech/UC Irvine |
“Mudanças no derretimento basal estão contribuindo para modificar as propriedades das águas do fundo do Atlântico, um dos componentes da circulação oceânica acima”, diz um dos autores, Stan Jacobs, oceanógrafo do Observatório da Terra Lamont-Doherty da Universidade de Columbia em Palisades, N.Y. “Em algumas áreas isto pode causar impacto sobre os ecossistemas, através de ressurgências costeiras, o que traz consigo os micro-nutrientes, tais como o ferro, que alimentam as marés vermelhas no verão”.
O estudo descobriu que o derretimento basal está distribuído de forma assimétrica em torno do continente. As três plataformas gigantes de Ross, Filchner e Ronne, que perfazem dois terços de toda a área de plataformas de gelo da Antártica, respondem por somente 15% do derretimento basal. Enquanto isto, menos do que uma dúzia das pequenas plataformas de gelo que flutuam sobre águas “quentes” (águas do mar poucos graus acima do ponto de congelamento), produziam metade de todo o derretimento, durante o mesmo período. Os cientistas detectaram uma taxa similar de derretimento basal por baixo de seis pequenas plataformas de gelo ao longo da Antártica Oriental, uma região ainda pouco conhecida por conta da raridade das medições.
Os pesquisadores também compararam as taxas nas quais as plataformas de gelo estão se fracionando à velocidade com que o próprio continente está perdendo massa e descobriram que, na média, as plataformas de gelo perderam massa duas vezes mais rápido do que a calota da Antártica, durante o período do estudo.
“O derretimento das plataformas de gelo não significa necessariamente que uma plataforma de gelo esteja em decadência: isto pode ser compensado pelo fluxo de gelo do continente”, diz Rignot. “Porém em vários lugares em torno da Antártica, as plataformas de gelo estão derretendo rápido demais e uma consequência disto é que as geleiras e todo o continente estão mudando também”.