Religião e Ciência
uma crença ilógica na ocorrência do Improvável”
H. L. Mencken
Porque, para mim, não me importa a mínima se você reza para Buda, Alah, Jeová, Jesus Cristo, Krishna, Oxalá, ou se você nem reza. Para mim, a melhor forma de oração não é ficar entoando louvaminhas ao “Criador”: é tratar bem a Criação! Me desculpem os religiosos que enfatizam “o poder da oração”, mas eu acho que ficar pedinchando favores aos Deuses, puxando o saco deles e querer que, por conta disso, o acaso conspire a seu favor, é hipocrisia e perda de tempo. Será que você acha que Deus é tão otário quanto o seu pai e que, quando você diz: “eu fiz tudo errado, mas juro que vou fazer certo, na próxima vez”, Ele vai acreditar? Ele te conhece, nego. Ele já sabe que você, na primeira oportunidade, vai fazer a mesma besteira de novo.
Do mesmo jeito, se você não faz nada para melhorar sua vida (nem a de seus semelhantes — aí inclusos todos os seres vivos e inanimados dessa Terra), senta no meio-fio e fica reclamando: “Deus não faz nada por mim!…”, está errado! Deus faz, sim. Senta a seu lado e faz companhia…
Então, quando me perguntam: “para que serve uma religião?”, eu sou obrigado a responder: “religião não é uma utilidade.” Não serve para coisa alguma, a não ser para você se sentir uma parte útil do Universo e agradecer esse simples fato! Você acha que isso é pouco? Então vá fazer seu universozinho, você mesmo, e ver no que é que dá…
O que poucos querem se dar ao trabalho de ver é que qualquer religião tem uma íntima relação com magia. A magia, sim: essa tenta viciar os dados para que eles rolem a seu favor. Toda cerimônia religiosa é um ato mágico. A procura da integração com poderes maiores, com o intuito de favorecer o praticante. Mas, se você disser a um Católico que a Comunhão (o ato de ingerir a hóstia) é um ato de canibalismo ritual (você está comendo o corpo de Cristo, para ver se absorve um pouco de sua santidade), ele vai se benzer com o pé esquerdo e jogar um balde de água benta na sua cara, esperando que você desapareça, deixando no ar um cheirinho de enxôfre…
Só que, para conseguir essa integração com os poderes superiores, você tem que estar em sintonia com a freqüência deles. Se não estiver, você vai estar assistindo a um televisor desligado… E todas as religiões que praticam atos de magia branca, pregam a mesma coisa: fraternidade, caridade, justiça, tolerância e o perdão. Os quatro primeiros ítens já são bastante difíceis, mas o último!… Se você se acha incapaz de, pelo menos, tentar esses cinco itens, minha recomendação é que você atire às favas a decência e procure algum culto satanista.
Se você acha que decorar a Bíblia (ou o Torá, ou o Corão) e fingir que acredita em cada bendita letra ali escrita, vai salvar sua alma do inferno, vá em frente! Eu já estou vendo você diante do Juiz, recitando versículo após versículo, enquanto o meirinho celestial fica olhando para o relógio, com cara de poucos amigos… E, quando o Juiz lhe perguntar: “E o que você fez com o livre-arbítrio que lhe foi dado?”, você sempre pode dizer: “Ah! Dava muito trabalho pensar com meu próprio cérebro, por isso eu passei a decisão para o Padre (Pastor, Imã, Rabino, Guru, Pai-de-Santo, etc.)”. Aí, meu chapa, você vai ouvir o que todo o mundo sabe, nessa vida daqui mesmo, mas finge que não: você pode delegar autoridade, mas não pode delegar responsabilidade!
E o que esta churumela toda tem a ver com ciência? Tudo e nada. Tudo se você é do tipo que acredita textualmente na “letra” do “Livro Sagrado” (como eu sou Umbandista, fica pior ainda: é tudo tradição oral e, como vem de diversas nações africanas diferentes, cada uma com sua própria tradição, é contradição que não acaba mais…), a ciência é uma blasfêmia. Como diz São Paulo (não gosto do Santo, nem da cidade): “Toda a sabedoria humana é loucura aos olhos de Deus”. Todo Judeu, Cristão e Muçulmano sabe que:
No princípio Deus criou o céu e a terra. A terra, porém, estava vazia e nua; e as trevas cobriam a face do abismo; e o espírito de Deus era levado por cima das águas(que águas?).
Deus disse: Faça-se a luz; e fez-se a luz. E Deus viu que era boa; e dividiu a luz das trevas (realmente, um universo pisca-pisca não era “uma solução elegante”). E chamou a luz de dia, e às trevas noite; e da tarde e da manhã (nesta ordem — pudera: Ele ainda não tinha criado os relógios) se fez o dia primeiro.
Disse também Deus, Faça-se o firmamento no meio das águas e separe umas águas das outras águas [vamos parar por aqui…]
Algum teólogo pode me explicar, por favor, quem criou as águas? Aquelas nas quais Deus boiava… Aí, seus cientistas panacas: antes de existir o primeiro fóton que fosse, já as moléculas de H2O estavam por aí… E olha que eu só citei, e de maneira incompleta, os dois primeiros versículos do Gênesis. Eu prefiro a versão na qual Olorum encarregou Oxalá de criar o mundo. Mas Oxalá era bem chegado a um vinho de palmeira e seu irmão sacana, Exu, deixou um jarro bem cheio no caminho de Oxalá. Não deu outra: Oxalá tomou um porre e dormiu. Quando Olorum veio ver se o mundo tinha ficado pronto, Exu ficou com medo, pegou os planos e saiu criando o mundo. Como ele não tinha a mesma habilidade de Oxalá, saiu tudo com um defeitinho. Aí, Olorum percebeu a tramóia e encarregou Oxalá de cuidar do mundo que ele, se fosse menos beberrão, deveria ter criado. Só que a primeira oferenda tem que ser feita a Exu, senão ele bagunça tudo mais ainda (afinal, Oxalá é o Engenheiro Responsável, mas o Mestre-de-Obras foi Exu; ele é quem sabe onde estão os defeitos…)
Mitos são isso: historinhas bonitinhas para “explicar” aquilo que nós não conhecemos a explicação. Tão úteis como Papai Noel e o Coelinho da Páscoa. Ou como o Passarela ser técnico de time brasileiro. Serve para enganar trouxa, ou a torcida do Corinthians (droga! eu estou me repetindo…). Aliás, essa é a diferença do cientista e do místico: o cientista, quando não sabe algo, vai observar e experimentar (se bem que alguns que usam esse galardão, vão mesmo é montar um modelo matemático que comprove seu “achismo”…); o místico, inventa uma historinha e “explica” qualquer coisa, com “poderes ocultos”, mistérios e dogmas (“É assim, porque Deus me disse, pessoalmente, em uma carta, com firma reconhecida, que eu não posso mostrar para vocês, ímpios, que é assim, e quem não acreditar vai para o Inferno, se não for para a fogueira antes!”).
Será que a desmistificação dos mitos invalida a crença em que o Universo tem um propósito e que nós, seres humanos, temos um papel a desempenhar nesse propósito? Eu acho que não. Por outro lado, propor que a ciência se ocupe em “provar” a existência ou não-existência desse propósito é uma tolice. A ciência tem que se ocupar com aquilo que existe (ou seja, que pode ser medido, pesado ou contado, mesmo que indiretamente). Um Criador de tudo o que existe (os buddhistas não acreditam em um Criador: para eles o Universo todo é uma ilusão “impermanente”) teria, necessariamente, que estar, pelo menos em parte, fora do Universo. Então, quando um ateu me diz: “Deus não existe!”, eu dou plena razão a ele; o “Deus” que eu aceito, transcende a noção de “existência”. Se o Universo for ℵn, Deus será ℵℵ.
Se eu acredito em milagres: claro! Só que minha definição de milagre é: uma seqüência de eventos de baixíssima probabilidade, em uma ordem de ocorrência de baixíssima probabilidade. E, para acabar de vez com a discussão, eu me recuso a acreditar que um Criador de um Universo tão sutil e com regras tão abrangentes, fosse ficar quebrando essas regras, só para extasiar uns caipiras de um planetinha de trampa, da periferia de uma galáxia medíocre, só para receber elogios e sacrifícios. E, para chatear os crentes na Bíblia, o Levítico me parece direitinho um livro de receitas de Ebós. E, do jeito que Jeová gostava de um Injé (sangue sacrificial), parece que os hebreus e os africanos têm, ambos, razão: quem criou o mundo foi Exu. Laroiê!
Discussão - 2 comentários
Oi João! :)Quando vc diz que "[Um] Criador de tudo o que existe teria, necessariamente, que estar, pelo menos em parte, fora do Universo", eu tenho que discordar um pouco.Essa é uma visão Euclidiana, tanto no sentido matemático quanto no sentido físico da palavra. Isso significa que o "agente" sobre um determinado espaço está fora dele, sempre criando "transformações passivas", aonde todo o espaço muda sem participar "ativamente" dessa mudança.Foi só com o advento da Geometria Não-Euclidiana (também chamada de Riemanniana) que essa visão mudou e se tornou mais abrangente, passando a incluir "transformações ativas", aonde o próprio espaço pode colaborar na sua própria mudança. Nessa visão da geometria, tudo é "auto-consistente" e não há necessidade de um "agente externo" para que algo aconteça. E, de verdade, essa é a "mensagem" que Einstein traduziu da matemática para a física, na fora da Teoria da Relatividade Geral.Dessa forma, é possível que o Universo se crie sozinho, sem ações externas de nenhuma natureza. Em compensação, o problema, agora, passa a ser aquele de se preparar um "estado inicial" que dê origem ao nosso Universo: Como é que o "estado inicial" - que evoluiu no Universo que nós conhecemos hoje - se deu origem; quem é que criou esse estado inicial?!É pra responder a essa pergunta que (gente como eu 😉 se estuda Gravitação Quântica! De verdade, hoje, não há uma resposta para essa pergunta acima; mas, isso não quer dizer que as pessoas não estão estudando loucamente pra poder respondê-la o mais rápido possível. Em compensação, é bem verdade que muito (senão tudo) do que se faz em ciência se resume na troca de uma pergunta por outra. Porém, essa "reclassificação", reestruturação, do problema não é tão simplória nem simplista quanto se pode imaginar; muito pelo contrário: É exatamente nessa reestruturação dos problemas que se escondem as grandes revoluções científicas da humanidade.Estou falando isso só pra dizer que a troca do problema de "um criador externo ao universo" para "um criador do estado inicial" não é uma simples arma de retórica: há muito conteúdo (matemático, físico e filosófico) nessa reformulação do problema.Mas, como esse comentário já está se tornando um "post in itself"... me vou, até porque tenho que trabalhar hoje! >;-)Um abração! []'s!
Em primeiro lugar, desculpe pela demora na resposta.Eu não duvido que o Universo Físico esteja se auto-criando. Mas, como eu sou místico e acredito em um propósito para a existência do Universo, esse propósito teria que ser maior do que o Universo.Nada científico; apenas uma questão de "achismo" religioso e totalmente dissociado da turma do Intelligent Design.Eu, por convicção, acho que fé e ciência são antagônicos. A fé implica em não haver sistema axiomático suficiente.