Ciência e Tecnologia (e o “Lado Negro da Força”)

O tema do mês parece meio bombástico… Em primeiro lugar, sugere que existe um fosso separando a Tecnologia da Ciência, o que, nos dias atuais, é absurdo. Em segundo porque traz em seu bojo a oportunidade de discutir “ramos da pesquisa com potencial perigo social”. Ora, “perigos potenciais” qualquer receita de bolo apresenta, se você considerar a possibilidade de usar o sabor do bolo para mascarar um veneno…

A relação entre Ciência e Tecnologia me parece bem simples: desde que a espécie humana passou a fazer uso de instrumentos, a Ciência vem correndo atrás da tecnologia para explicar por que as coisas que funcionam, funcionam…

O primeiro “antropo” que fez uso de um extensor para arremessar sua lança ou pedra mais longe, provavelmente era incapaz de contar além de 20… Apenas ele observou que aqueles que tinham os braços mais compridos lançavam seus projetis mais longe, sem serem necessariamente os mais fortes. Experimentou e deu certo!… Igualmente, eu duvido muito que alguém tenha calculado o desenho de um bumerangue…

A ciência nasceu assim: pela observação de que um “princípio” que “funcionava” em uma certa aplicação prática, “funcionava” igualmente em outra; e, se “funcionava” em duas, fatalmente “funcionaria” em outras. Só que esses “princípios” se mostravam, cada vez mais, enganosos. “Funcionavam” muito bem em duas ou três aplicações, mas não em uma quarta onde, “intuitivamente”, tinha tudo para “funcionar”. E, nessa busca sobre o “porquê” de princípios, aparentemente perfeitamente compreensíveis, não funcionarem em situações específicas, foi necessário admitir que nossas observações eram limitadas.

Um exemplo que me ocorre, de pronto, é que, até hoje, chamamos de “geometria” (literalmente: “medição da Terra”) os cálculos sobre formas e relações entre distâncias e tempos, mas abandonamos o termo “Astrologia” (associado a supostas “influências dos astros” sobre coisas perfeitamente explicáveis por outros meios) e usamos o muito menos abrangente termo “Astronomia” para a Ciência que estuda os astros. Não deixa de ser um contra-senso chamar uma “cosmometria” de “geometria”, enquanto que se chama a ciência “séria” sobre os astros de mera “catalogação”. E a “explicação” de que é necessário diferenciar uma “ciência” de uma “pseuso-ciência” igualmente não me convence, porque o termo “geometria”, durante muito tempo (tempo demais…), se referia unicamente à “Geometia Euclideana” (ou “Plana”), mesmo quando se percebeu que ela era perfeitamente aplicável à construção de prédios, mas não valia um tostão furado para calcular a rota de um navio…

E sempre podemos nos perguntar: o que diferencia uma “ciência” de uma “pseudo-ciência”?… Será que se pode classificar a medicina como “ciência”? Os atuais conhecimentos sobre bioquímica estão causando grandes discussões sobre a validade “científica” da homeopatia (e eu sempre gostaria de perguntar aos “céticos militantes” se eles têm coragem de afirmar a quem sempre se tratou com homeopatia e “funcionou”, que essas pessoas sempre se curaram por “efeito placebo”?… Porque, se o “efeito placebo” é tão poderoso assim, as “curas milagrosas” dos curandeiros podem ser igualmente eficazes…). Mas quando tentam enfiar a acupuntura (uma prática que “funciona” milenarmente no Oriente) no mesmo saco, eu pergunto: até que ponto nossos conhecimentos de biofísica nos permitem afirmar qualquer coisa sobre o assunto — e até que ponto isso não passa de arrogância eurocentrista, devidamente patrocinada pela indústria farmacêutica, sobre a qual sabemos sobejamente que não prima pela ética científica?

Me parecem dois exemplos claros de casos onde a ciência ainda está correndo atrás de explicações para a tecnologia… (E — não sei por que — me vem à mente a Santa Inquisição obrigando Galileu a se desdizer, porque suas observações contrariavam as “Sagradas Escrituras”…)

Nesta época em que desmiolados que obtiveram uma “cultura de orelha de livro” ao trabalhar (sabe-se lá em que função…) em uma Instituição Científica qualquer, conseguem seus “cinco minutos de fama” ao ingressarem com uma petição em uma corte de primeira instância (e sem jurisdição alguma…) para tentar impedir o LHC de entrar em funcionamento — e uma grande mídia irresponsável espalha essa asneira aos quatro ventos — e o leigo interessado acompanha, escandalizado, a troca de “baixarias” entre os defensores das Teorias das Cordas e seus opositores, fica um bocado difícil emitir uma opinião desapaixonada sobre os rumos da ciência e da tecnologia. Como eu comentei (a respeito de outro assunto) no Blog da Isis, “ausência de provas” e “prova de ausência” são duas coisas completamente diferentes.

Não é esta ou aquela linha de pesquisa científica ou tecnológica que pode ser “potencialmente prejudicial à sociedade” (as barbaridades de Mengele foram úteis à medicina… mas alguém aceita o custo social delas?…). A pergunta correta é se a sociedade tem discernimento suficiente para ter a seu dispor o conhecimento científico e tecnológico já existente.

Os velhos alquimistas achavam que não… E, quando eu olho para as lambanças que Wall Street vem aprontando ultimamente, eu tendo a concordar com eles…

(Este post faz parte da discussão do “Roda de Ciência”. Por favor, comente aqui)

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