Geleiras do Norte, geleiras do Sul
Livremente traduzido daqui: North Meets South? Glaciers Move Together in Far-flung Regions
Estudo estabelece ligação entre flutuações climáticas no Norte com os trópicos
Morenas no Vale do Rio Blanco, Peru, depositadas por uma geleria no entorno do ano de 1810. |
24 de setembro de 2009
Os resultados de um novo estudo dão novos indícios de que mudanças climáticas no Hemisfério Norte, nos últimos 12.000 anos, estão intimamente ligadas a mudanças nos trópicos. As descobertas, publicadas na edição desta semana de Science, indicam que um período de frio prolongado que fez com que as geleiras da Europa e América do Norte se expandirem, centenas de anos atrás, pode ter afetado os padrões climáticos em lugares tão ao Sul como o Peru, fazendo com que as geleiras tropicais também se expandissem.
As geleiras, tanto nos trópicos como na região do Atlântico Norte, alcançaram suas maiores extensões em épocas recentes durante a assim chamada “Pequena Idade do Gelo”, entre 1650 e 1850, dizem os cientistas que realizaram as pesquisas. Eles fizeram essa descoberta mediante o emprego de uma técnica de ponta para datação dos depósitos glaciais.
Joe Licciardi, geólogo glacial da Universidade de New Hampshire, declarou que “os resultados nos levam um passo adiante na compreensão dos padrões em escala global das atividades das gelerias e do clima durante a Pequena Idade do Gelo”. Compreendendo como as geleiras se comportaram no passado, os geocientistas esperam poder predizer como essas partes do mundo irão reagir ao aquecimento global.
Morenas em um vale; as tendas do acampamento base estão visíveis no canto inferior direito. |
A civilização humana apareceu durante um período de temperaturas razoavelmente estáveis, desde o fim da última Era do Gelo, cerca de 12.000 anos atrás. No entanto, as pesquisas mostraram que, mesmo durante esse período, as gelerias variaram grandemente e de modo algumas vezes inesperado.
A maior parte das geleiras do mundo está, agora, diminuindo, com o aumento dos níveis dos gases de efeito estufa emitidos pelaa atividades humanas. O IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change) prediz que as temperaturas globais podem aumentar até mais 1,1 a 6,4°C, lá pelo fim do século.
“Se as atuais previsões sombrias sobre o aquecimento estiverem corretas, teremos que considerar a possibilidade de que as geleiras desapareçam em breve”, diz Joerg Schaefer, um geoquímico no Observatório Terrestre Lamont-Doherty (LDEO) da universidade de Columbia e co-autor do artigo.
Em um mundo mais quente, as regiões que dependem das geleiras para a água potável, agricultura e geração de energia terão que criar novas estratégias para se adaptarem.
Lagoas de barragem formadas por uma morena em um vale no Peru. |
Recentes desenvolvimentos em uma técnica, chamada de datação de exposição de superfície, permitiram aos cientistas estabelecer com precisão muito maior as datas nas flutuações das geleiras, durante os períodos recentes, do que era possível anteriormente.
Quando as gelerias avançam, arrastam consigo rochas e sedimentos. Quando elas encolhem, deixam para trás uma trilha de escombros, chamados morenas, e os depósitos recém expostos são bombardeados por raios cósmicos que atravessam a atmosfera terrestre. Os raios cósmicos reagem com as rochas e, com o tempo, formam pequenos acúmulos do raro isótopo de berílio-10. Medindo o acúmulo desse isótopo nas rochas das geleiras, os cientistas podem calcular quando as geleiras retrocederam.
Foi com o uso dessa técnica que os autores demonstraram que as geleiras do sul do Peru variaram na mesma época das geleiras do Hemisfério Norte.
Enriqueta Barrera, diretora de programa da Divisão de Ciências da Terra da NSF, explica que o projeto CRONUS-Earth [que está aperfeiçoando essa técnica] visa aumentar a precisão da medição desses isótopos, para tornar possível uma datação mais precisa dessas morenas “jovens”, na esperança de criar um mapa global das recentes variações nas geleiras.
O quadro global é complexo. As geleiras nos Alpes do Sul da Nova Zelândia, a 15.000 km da área estudada no Peru, por exemplo, se expandiram e contraíram mais frequentemente do que as geleiras do Norte, tendo alcançado seu máximo a 6.500 anos atrás – muito antes da Pequena Era do Gelo.
Uma grande rocha no topo de uma morena no Vale do Rio Blanco. |
Liciardi diz que, se compararmos os registros da Nova Zelândia, Europa e Peru, podemos afirmar que os Andes tropicais parecem com a Europa, mas não com a Nova Zelândia. O quadro que emerge das recentes glaciações é bem mais complexo.
Licciardi notou pela primeira vez os depósitos glaciais em 2003, quando de férias no Peru. Indo visitar as ruínas incas de Machu Picchu, ele ficou admirado com as enormes e bem preservadas morenas que encontrou no caminho.
Dois anos depois, David Lund, paleoclimatologista da Universidade de
Michigan, passou pela mesma trilha e coletou amostras de rochas, as quais enviou a Licciardi. “Foi o catalizador que transformou nossas idéias em um projeto”, diz Licciardi.
Licciardi retornou em 2006 às encostas do Nevado Salcantay, um pico a 6.271 m de altitude, o mais alto da Cordillera Vilcabamba.
A estudante Jean Taggart de Universidade de New Hampshire extraindo uma amostra de rocha. |
Durante os próximos dois anos, Licciardi e a estudante de pós-graduação Jean Taggart, também co-autora do artigo, coletaram mais amostras de rochas das morenas e as analisaram usando o método do isótopo de berílio, com a ajuda de Schaefer.
O método de datação com berílio apareceu nos anos 80, mas só recentemente se tornou preciso o bastante para rastrear o vai e vem das geleiras durante os últimos mil anos.
Licciardi diz que, “até os dois últimos anos, não tínhamos como datar os depósitos mais recentes com este método. Aperfeiçoamentos recentes na técnica permitiram o surgimento desta história”.
Agora, com o clima no Peru ligado com o Norte da Europa, os cientistas planejam expandir sua pesquisa a outras partes dos trópicos da América do Sul. Eles esperam estabelecer um padrão regional dos avanços e recuos das geleiras que possa ser comparado ao de outros lugares no mundo.
Discussão - 2 comentários
Nova Zelândia tem sempre que ser diferente.
Eu sempre confundo "raios cósmicos" com "neutrinos" e isso cria uma confusão enorme na minha cabeça quando eu leio notícias do primeiro interagindo com matéria.
@ Igor:
Você não deixa de ter uma certa razão... Os neutrinos são uma espécie de "raio cósmico" (que não é nem um pouco "raio" e "cósmico" é meio exagerado). O caso é que descobriram os "raios cósmicos" pelo efeito que causavam, muito antes de saber do que se tratava.