Tá chovendo cascalho
É o trocadilho com o título do desenho animado, “Tá chovendo hamburger” (em inglês “Cloudy with a chance of meatballs” que, traduzindo de forma literal, seria “Nublado com possibilidade de [chover] almôndegas”) desse press-release do EurekAlert.
Washington University in St. Louis
Cloudy with a chance of pebble showers
Simulação sugere que o exoplaneta rochoso tem uma atmosfera estranha
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Nós estamos tão acostumados com sol, chuva, nevoeiro, neve no nosso planeta natal que achamos praticamente impossível imaginar uma atmosfera diferente e com outras formas de precipitação.
Nos contos para crianças ocorrem chuvas das coisas mais estranhas, mas são sempre efeitos de algum tipo de magia.
As coisas não são bem assim na atmosfera de COROT-7b, um exoplaneta descoberto em fevereiro último pelo telescópio espacial COROT, lançado pelas agências espaciais francesa e européia.
De acordo com modelos feitos pelos cientistas da Universidade Washington em St. Louis, Missouri, a atmosfera de COROT-7b é composta dos ingredientes de rochas e quando uma frente chega, pedriscos se condensam nos céus e chovem sobre os lagos de lava derretida abaixo.
O trabalho de Laura Schaefer, assistente de pesquisas no Laboratório de Química Planetária, e Bruce Fegley Jr., Ph.D., professor de ciências planetárias e da Terra, será publicado na edição de 1 de outubro de Astrophysical Journal.
Os astrônomos já descobriram quase 400 planetas extra-solares – ou exoplanetas – nos últimos 20 anos. A maiorias deles, principalmente por causa das limitações inerentes aos processos indiretos usados para descobrí-los, são do tipo “Júpiter-Quente”, gigantes gasosos que orbitam próximos de suas estrelas-mães. (Só para dar uma ideia, caberiam mais de 1.300 Terras dentro de Júpiter que tem somente 300 vezes a massa da Terra). COROT-7b, por outro lado, tem menos de duas vezes o tamanho da Terra e somente cinco vezes sua massa.
Foi o primeiro planeta descoberto na órbita de COROT-7, uma estrela do tipo anã-laranja na constelação de Monoceros, o Unicórnio. (Daí a letra “b”).
Em agosto de 2009 um consórcio de observatórios europeus, liderados pela Suíça, divulgou a descoberta de COROT-7c, um segundo planeta em órbita de COROT-7.
Usando os dados de ambos os planetas, chegou-se à conclusão que a densidade média de COROT-7b é aproximadamente a mesma da Terra. Isso significa que, quase com certeza, se trata de um planeta rochoso feito de rochas de silicatos, tais como as da Terra, segundo Fegley.
O que não quer dizer que se pode chamá-lo de “semelhante à Terra”, muito menos dizer que ele é adequado à vida. O planeta e sua estrela-mãe estão 23 vezes mais perto do que Mercúrio está do Sol.
Estando o planeta tão próximo de sua estrela-mãe, ele volta sempre a mesma face para a estrela, assim como a Lua para a Terra (o fenômeno chamado “acoplamento de maré”).
Essa face voltada para a estrela tem uma temperatura de cerca de 2600 Kelvin (subtraia 273,15 °C para a escala familiar de temperaturas). Isso é um calor infernal — quente o bastante para vaporizar as rochas. (Compare com a temperatura média da Terra: 288K, ou 15°C). O lado escuro, por outro lado, é positivamente gélido, com uma temperatura de 50K (-223°C).
A atmosfera de COROT-7b não tem elementos ou substâncias voláteis que compõem a atmosfera da Terra, tais como água, nitrogênio ou dióxido de carbono, provavelmente porque o calor os explusou. Segundo Fegley, “a única atmosfera desse objeto é feita de vapor dos silicatos fundidos em um lago ou oceano de lava”.
Com o que se pareceria uma tal atmosfera? Para descobrir isso, Schaefer e Fegley empregaram cálculos de equilíbrio termoquímico para fazer um modelo da atmosfera de COROT-7b.
Os cálculos, que revelam quais substâncias minerais são estáveis em quais condições, foram realizados com o MAGMA, um programa de computador desenvolvido por
Fegley em 1986 com o falecido A. G. W. Cameron, professor de
astrofísica da Universidade Harvard.
Schaefer e Fegley
modificaram o programa MAGMA em 2004 para estudar o vulcanismo em altas temperaturas em Io, o satélite galileano mais interno de Júpiter. Foi essa versão modificada que foi empregada no atual trabalho.
Como os cientistas não conheciam a exata composição do planeta, rodaram o programa com quatro misturas iniiciais diferentes. Segundo Fegley, “o resultado obtido foi basicamente o mesmo em todos os quatro casos”.
“A maior parte da atmosfera é composta de sódio, potássio, silício e oxigênio — tanto faz oxigênio atômico ou molecular”. Mas também estão presentes quantidades menores de outros elementos encontrados em rochas de silicatos, tais como magnésio, alumínio, cálcio e ferro.
Por que existiria oxigênio em um planeta morto, uma vez que ele não apareceu na atmosfera da Terra até 2,4 bilhões de anos atrás, quando as plantas começaram a produzí-lo?
Fegley explica: “O oxigênio é o elemento mais abundante nas rochas, de forma que, quando você vaporiza as rochas, acaba produzindo um monte de oxigênio”.
A atmosfera peculiar tem seu clima igualmente peculiar. Fegley descreve: “À medida em que se sobe na atmosfera, ela fica mais fria e, eventualmente, se alcança uma saturação com diferentes tipos de “rochas”, da mesma forma que se atinge a saturação com água na atmosfera da Terra. Porém, em lugar de se formar uma nuvem de vapor d’água e acontecer uma chuva de gotas d’água, se forma uma ‘nuvem de rocha’ e começa a chover pedriscos de diferentes tipos de rochas”.
O que é ainda mais estranho é que o tipo de rocha que se condensa nas nuvens, depende da altitude. A atmosfera funciona da mesma forma que as torres de craquamento, aquelas colunas que se vê em refinarias de petróleo, onde o petróleo cru é fervido e seus componentes se condensam em várias camadas, com a mais pesada (com o ponto de fusão mais alto), ficando no fundo e as mais leves (as mais voláteis) chegando ao topo.
Em lugar de ocorrer a condensação de hidrocarbonetos tais como asfalto, vaselina, querosene e gasolina, a atmosfera do exoplaneta condensa minerais tais como enstatite, corindo, espinelas e wollastontite. Em ambos os casos, as frações se precipitam conforme seus pontos de fusão.
O sódio e o potássio elementais, que têm pontos de fusão muito baixos em comparação com as rochas, não “chovem”, mas permanecem na atmosfera, onde formam altas nuvens de gás, atingidas pelo vento estelar de
COROT-7.
Essas grandes nuvens podem ser detectáveis por telescópios com base em terra. O sódio, por exemplo, deveria brilhar na faixa alaranjada do espectro, tal como uma lâmpada gigante, porém muito fraca, de vapor de sódio, dessas que iluminam as ruas.
Observadores recentemente descobriram sódio nas atmosferas de outros dois exoplanetas.
A atmosfera de COROT-7b pode não ser respirável, mas, certamente, é fascinante.
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