O mistério dos elétrons pesados

[ Original em inglês: First Images of Heavy Electrons in Action ]

Descobertas revelam características de uma “ordem oculta” em um composto de urânio incomum e confirmam a validade de um novo processo para investigar um antigo problema da física

2 de junho de 2010

Heavy Electrons

Click on the image to download a high-resolution version.Neste diagrama esquemático, os elétrons individuais (esferas brancas) interagem com os átomos de urânio (mostrados como os orbitais f em azul e amarelo dos átomos de urânio), à medida em que se movem através do cristal de URu2Si2. Essas interações inibem drasticamente o progresso dos elétrons, fazendo com que eles aparentem ganhar uma massa extraordinária – efeito imageado pela primeira vez neste estudo. 

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UPTON, NY — Empregando  um microscópio projetado para imagear a disposição e as interações de elétrons em um cristal, os cientistas capturaram as primeiras imagens de elétrons que parecem ganhar uma massa extraordinária em certar condições extremas. A técnica revela a origem de uma peculiar transição de fase dos elétrons em um material particular e abre novas portas para futuras explorações das propriedades e funções dos, assim chamados, férmions pesados.
Os cientistas do Laboratório Nacional Brookhaven, do Laboratório Nacional Los Alamos (ambos do Departamentode Energia dos EUA) e da Universidade McMaster, descrevem seus resultados na edição de 3 de junho de 2010 da Nature.

“Os físicos tem-se interessado pelo ‘problema’ dos férmions pesados —
o motivo pelo qual esses elétrons se comportam como se tivessem centenas ou milhares de vezes mais massa em certas condições — por trinta ou quarenta anos”, declara o líder da pesquisa Séamus Davis, um físico do Brookhaven e J.D. White
Distinguished Professor of Physical Sciences
na Universidade Cornell. A compreensão do comportamento dos férmions pesados poderia levar ao projeto de novos materiais para supercondutores de alta temperatura. A supercondutiividade permite que os materiais transportem corrente sem perdas de energia.

Séamus Davis

Click on the image to download a high-resolution version.J.C. Séamus Davis (Foto: cortesia da Universidade Cornell.)

No presente estudo, os cientistas estavam imageando as propriedades dos elétrons em um material composto de urânio, rutênio e silício, material este que, ele próprio, tem sido objeto de um mistério científico por 25 anos. Nesse material — sintetizado pelo grupo de Graeme Luke na McMaster — os efeitos dos férmions pesados começam a aparecer quando o material é resfriado abaixo dos 55 kelvin (-218 °C). A partir daí, uma transição de fase dos elétrons, ainda mais incomum, ocorre abaixo de 17.5K.

Os cientistas vinham atribuindo essa transição de fase na temperatura mais baixa a alguma forma de “ordem oculta”. Eles não podiam distinguir se ela era relacionada com o comportamento coletivo dos elétrons agindo como uma onda, ou com interações dos elétrons individuais com os átomos de urânio. Alexander
Balatsky, um físico teórico do Los Alamos no Centro de Nanotecnologias Integradas, forneceu a orientação sobre como examinar este problema.

Com essa orientação, o grupo de Davis empregou uma técnica que eles projetaram para visualizar o comportamento dos elétrons para “ver” o que os elétrons estavam fazendo ao passarem pela misteriosa transição de fase. A técnica, imageamento espectroscópico por escaneamento por microscopia de tunelamento (spectroscopic imaging scanning tunneling microscopy = SI-STM),
mede o comprimento de onda dos elétrons na superfície do material com relação a suas energias.

“Imagine o sobrevoo a um corpo de água onde ondas estacionárias se movem para baixo e para cima, mas sem se propagar em direção a uma costa”, sugere Davis. “Quando você passar pelas cristas, pode tocar a água; quando você passa pelos vales, não pode. Isso é parecido com o que nosso microscópio faz. Ele imageia quantos elétrons podem saltar para a ponta de nossa sonda em todos os pontos da superfície”.

A partir do comprimento de onda e medição da energia, os cientistas conseguem calcular a efetiva massa dos elétrons.

“Esta técnica revela que estamos lidando com elétrons muito pesados — ou elétrons que agem como se fossem extremamente pesados porque há algo que os freia”, diz Davis.

A detecção de características de “elétrons pesados” abaixo da temperatura da segunda transição de fase fornece um indício experimental direto de que os elétrons estão interagindo com os átomos de urânio, em lugar de atuarem como uma onda.

Para visualizar isto, imagine uma equipe de atletas que tem que cruzar de um lado a outro um campo de futebol. Se todos os atletas pudessem correr livremente, a equipe como um todo pareceria funcionar como uma onde de “elétrons” relativamente independentes. Em lugar disso, imagine agora que se distribui uma arranjo de cadeiras pelo campo e que cada atleta tem que se sentar por algum tempo em cada cadeira que encontrar a sua frente, antes de prosseguir na corrida. Essas cadeiras desempenham o mesmo papel que os átomos de urânio. A interações entre atletas e cadeiras – ou elétrons e átomos de urânio – claramente retarda o progresso.

No caso do material com urânio, o retardamento dos elétrons se dá por uma pequena fração de segundo em cada átomo de urânio. Mas, como a energia cinética e a massa são matematicamente relacionadas, o retardamento faz parecer que os elétrons tenham uma massa maior do que a de um elétron livre.

Além de revelar essas interações como a causa da “ordem oculta” no composto de urânio, o estudo de Davis demonstra que a técnica SI-STM pode ser usada para visualizar elétrons pesados, o que, por sua vez, abre novas portas para investigar e visualizar tal fenômeno.

A equipe de pesquisa continua a sondar vários outros compostos similares com esta nova técnica, para ampliar sua compreensão do fenômeno dos sistemas de férmions pesados.

“Os férmions pesados continuam sendo misteriosos de várias maneiras e é nosso trabalho como cientistas solucionar o problema”, declara Davis.

Esta pesquisa for financiada pelo Escritório de Ciência do Departamento de Energia dos EUA e, no Canadá, pelo Conselho de Pesquisas de Ciências Naturais e Engenharia, e pelo Instituto Canadense de Pesquisa Avançada. Em Brookhaven, esta pesquisa foi apoiada como parte do Centro de Supercondutividade Emergente, um Centro de Pesquisas de Fronteiras da Energia financiado pelo Escritório de Ciência do Deparatamento de Energia dos EUA.


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