Physics News Update n° 773
PHYSICS NEWS UPDATE
Boletim de Notícias de Física do Instituto Americano de Física n° 773, de 12 de abril de 2006 por Phillip F. Schewe, Ben Stein e Davide Castelvecchi
UMA FOCALIZAÇÃO MAIS ACURADA DE RAIOS-X DUROS foi conseguida com um dispositivo desenvolvido no Argonne National Lab. Por causa de sua alta energia, os Raios-X são difíceis de focalizar: eles podem ser refletidos por uma superfície, mas somente bem “de rabo de olho” (menos de um décimo de grau); eles podem ser refratados, mas o índice de refração é bem próximo de 1, de forma que a manufatura de lentes eficientes se torna um problema; e eles podem ser difratados, mas a rede espessa e de gradiente variado, necessária para a focalização, é difícil de obter. O dispositivo do Argonne é do tipo de difração e consiste em uma pilha de camadas alternadas de metal e silício, feita pela deposição de camadas sucessivamente mais espessas (ver figura em http://www.aip.org/png/2006/258.htm ). Quando os Raios-X caem em uma tal estrutura, praticamente sobre o gume, o que eles “vêem” é um padrão de rede (chamada de placa de zona linear) com a aparência de uma espécie de “código-de-barras”. O dispositivo do Argonne é tão bem sucedido em focalizar Raios-X porque a posição das zonas pode ser controlada até dentro de uma tolerância de nanômetos, através do processo de deposição, e a profundidade das zonas pelas quais os Raios-X vão passar, pode ser feita arbitrariamente longa — até o comprimento de mícrons — simplesmente cortando-se uma camada mais espessa do “wafer” de várias camadas. Nos testes realizados, até agora, uma dessas placas, muito ligeiramente inclinada com relação aos Raios-X que vêm de uma fonte sincrotrônica, conseguiu focalizar Raios-X de 20 keV em uma linha de apenas 30 nm de largura, um resultado bem melhor do que os obtidos anteriormente. De acordo com o pesquisador do Argonne, Brian Stephenson, uma versão ideal desse tipo de lentes, que eles chamam de “Lentes de Laue Multicamadas” (Multilayer Laue Lens – MLL), devem ser capazes de focalizar Raios-X em um ponto de 1 nm ou menos. Os usos prováveis para melhores lentes de Raios-X estão na microscopia de campo (fazer uma imagem em Raios-X ampliada de uma amostra) e na sondagem microscópica (pelo escaneamento de um feixe através de uma amostra). (Kang et al., Physical Review Letters, 31 de Março de 2006)
NANO-TERREMOTOS: ONDAS ACÚSTICAS EXCITAM MOLÉCULAS ARTIFICIAIS. Absorvendo fótons de um laser, um átomo pode ser excitado até qualquer um dos níveis discretos de energia permitidos pela mecânica quântica. E quanto a átomos artificiais? Um “ponto quântico” (quantum dot), criado pelos mesmos processos litográficos usados para fazer chips eletrônicos, é quase que uma zona adimensional de material semicondutor; tal como elétrons dentro de átomos, todos os elétrons dentro do confinamento do “ponto quântico” terão apenas um menu restrito de energias permitidas. O mesmo é verdade para um par de “pontos quânticos” com 200 nm de separação; com a aplicação da voltagem estritamente necessária, os elétrons podem passar, por efeito de túnel, de um “ponto” para outro. De fato, um elétron, considerado como um fenômeno quântico ondular com uma determinada amplitude, pode ser considerado como “residente” em ambos os “pontos” ao mesmo tempo, uma propriedade que torna a “molécula de pontos quânticos” potencialmente útil para realizar operações de computação quântica. Agora, um grupo de cientistas foi capaz de sondar, e modificar, os estados de energia quânticos de um par de “pontos quânticos” com ondas de som, ou, mais particularmente, ondas acústicas superficiais, excitadas no substrato que apoia os “pontos”. As ondas acústicas, com uma amplitude de menos de 1 nm, que ondulam através da superfície por distâncias tão longas como centenas de mícrons, tal como um nano-terremoto, são criadas através do processo da piezoeletricidade; uma pequena voltagem é enviada através de minúsculos eletrodos pintados na superfície. Isto excita as fracas ondas acústicas (ver figura em http://www.aip.org/png/2006/259.htm ). O processo de interação acústico-puntual, intermediado pelas delicadas interações entre elétrons e fônons, pode ser posto a funcionar em ambas as direções: os “pontos quânticos” podem ser usados para monitorar as ondas acústicas (as quais, por causa de sua pequena energia, são, do outra forma, difíceis de detectar), ou as ondas acústicas podem ser usadas para conhecer o estado eletrônico dos “pontos”, o que torna possíveis as acima mencionadas aplicações em informação-quântica. Os pesquisadores envolvidos trabalham na Universidade de Twente e na Universidade de Tecnologia Delft (Holanda), NTT Corporation, Instituto de Tecnologia de Tóquio e Universidade de Tóquio (Japão) e na Universidade Jilin (China). (Naber et al., Physical Review Letters, de 7 de Abril de 2006).
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PHYSICS NEWS UPDATE é um resumo de notícias sobre física que aparecem em convenções de física, publicações de física e outras fontes de notícias. É fornecida de graça, como um meio de disseminar informações acerca da física e dos físicos. Por isso, sinta-se à vontade para publicá-la, se quiser, onde outros possam ler, desde que conceda o crédito ao AIP (American Institute of Physics = Instituto Americano de Física). O boletim Physics News Update é publicado, mais ou menos, uma vez por semana.
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Como divulgado no numero anterior, este boletim é traduzido por um curioso, com um domínio apenas razoável de inglês e menos ainda de física. Correções são bem-vindas.
Cooperação forçada
Um artigo, bem a propósito, apareceu na edição de hoje do The New York Times. Fala sobre cooperativismo e o poder de coerção. Sem mais comentários, ei-lo:
Estudo liga Punição com Capacidade de Tirar Proveito
Por BENEDICT CAREY
Publicado em: 7 de Abril de 2006.
Os sociólogos sabem, há muito tempo, que comunidades e outros grupos cooperativos, usualmente entram em colapso por conta de questiúnculas e debandam, a menos que tenham métodos claros para punir os membros que se tornem egoistas ou exploradores.
Agora, uma experiência conduzida por um grupo de economistas alemães, descobriu uma razão porque a punição é tão importante: grupos que permitem punições podem ser mais proveitosos do que os que não permitem.
Permitida a opção, a maior parte das pessoas que jogavam um jogo de investimentos, criado pelos pesquisadores, incialmente se decidiu por se unir a um grupo que não penalizava seus membros. Mas quase todos rapidamente mudaram-se para uma comunidade punitiva, quando viram que a mudança poderia ser pessoalmente proveitosa.
O estudo, publicado hoje na “Science”, sugere que grupos com poucas regras atraem muitas pessoas exploradoras que rapidamente minam a cooperação. Em contraste, comunidades que permitem punições e nas quais o poder é distribuído eqüanimemente, atraem mais pessoas que, mesmo com sacrifício próprio, têm a disposição de confrontar os delinqüentes.
Uma expert não envolvida no estudo, Elinor Ostrom, co-diretora do Workshop de Teoria Política e Análise de Políticas na Universidade de Indiana, disse que isto ajudava a clarear as condições nas quais as pessoas penalizarão as outras, a fim de promover a cooperação.
«Eu estou muito contente em ver essa experiência realizada e seus resiltados publicados com tanta proeminência», disse a Dra. Ostrom, «porque ainda temos muitos quebra-cabeças a resolver, quando se trata do efeito das punições sobre o comportamento.»
A Dra. Ostrom realizou trabalhos de campo com cooperativas por todo o mundo e disse que, freqüentemente, perguntava a outros pesquisadores e estudantes se eles conheciam algum grupo comunitário longevo que não empregasse um sistema de punições. «Ninguém conseguiu me dar um único exemplo», disse ela.
Na experiência, os pesquisadores na Universidade de Erfurt (Alemanha) recrutaram 84 estudantes para o jogo de investimento e deram a cada um 20 “moedas” para cada, para iniciar. A cada rodada do jogo, cada participante decidia se ia manter as “moedas” ou investir algumas em um fundo cujo retorno garantido era distribuído igualmente por todos os membros do grupo, inclusive os “caronas” que ficassem sentados em cima de seu dinheiro. Como o lucro era determinado a partir de um múltiplo das “moedas” investidas, cada participante que tivesse contribuído para o fundo, receberia um retorno menor do que seria, se os “caronas” também tivessem contribuído.
As “moedas” poderiam ser trocadas por dinheiro de verdade no fim da experiência.
Cerca de dois terços dos estudantes escolheram, inicialmente, jogar no grupo que não permitia punições. No outro grupo, os estudantes tinham a opção de, a cada rodada, penalizar os outros jogadores; custava uma “moeda” para multar um outro jogador em três “moedas”. Todos os participantes podiam ver quem estava contribuíndo com quanto, à medida em que o jogo progredia, e podiam mudar de grupo antes de cada rodada.
Na altura da quinta rodada, cerca de metade dos que começaram o estudo no grupo sem penalidades, tinham mudado para o grupo com punições. Um número menor de estudantes emigrou na outra direção, mas, na altura da 20ª rodada, a maioria tinha voltado e a comunidade sem punições tinha virado, virtualmente, uma cidade-fantasma.
«O “ponto final” da publicação é que, quando você tem pessoas com padrões compartilhados e alguns com a coragem moral para sancionar os outros, informalmente, então esse tipo de sociedade obtém muito sucesso», disse a autora-sênior do estudo, Bettina Rockenbach, a quem se juntaram na pesquisa Bernd Irlenbusch, agora na Escola de Economia de Londres, e Ozgur Gurek.
As mudanças de grupos freqüentemente causavam memoráveis mudanças de atitude nos estudantes. Muitos dos que tinham sido “caronas” no grupo laissez-faire, começaram avidamente a penalizar outros jogadores egoístas, quando da mudança. A Dra. Rockenbach compara essas pessoas a tabagistas que insistem em seu direito de fumar, até que deixam de fumar. «Aí, elas se tornam os anti-fumantes mais militantes», disse ela.
Ser explorado pareceu causar profunda frustração e raiva na maior parte dos estudantes, disse ela.
Outros experts disseram que os resultados são uma importante demonstração de como o interesse próprio pode vencer a aversão das pessoas a normas punitivas, pelo menos no laboratório. No mundo de fora, disseram eles, usualmente não é tão claro ver quem está “tomando carona”, nem mesmo ver se um dado grupo está encorajando um comportamento cooperativo para a maioria das pessoas.
«O mistério, se é que há algum, é como essas instituições começam a se desenvolver», disse por e-mail Duncan J. Watts, um sociólogo em Colúmbia, «isto é, antes que se torne aparente a qualquer um que se pode resolver o problema de cooperação.»
Atribuem a Napoleão Buonaparte a frase: «Uma pessoa lutará com mais entusiasmo por seus interesses do que por seus direitos».
Se ele não disse, deveria ter dito…
Physics News Update n° 772
PHYSICS NEWS UPDATE
O Boletim de Notícias do Instituto Americano de Física, n° 772 de 5 de abril de 2006, por Phillip F. Schewe, Ben Stein e Davide Castelvecchi
LÍQUIDOS QUE FLUEM “LADEIRA ACIMA”; PODEM SER USADOS PARA RESFRIAR “CHIPS”. Em um fenômeno conhecido como “Efeito Leidenfrost”, gotículas de água podem realizar uma dança na qual elas flutuam em direções aleatórias em um colchão de vapor que se forma entre as gotículas e uma superfície quente. Agora, uma pesquisa conjunta EUA–Austrália (Heiner Linke, Universidade de Oregon), mostra que essas gotículas podem ser guiadas para uma direção selecionada, colocando-se as mesmas sobre uma superfície em forma de dentes-de-serra. O aquecimento da superfície a temperaturas acima do ponto de ebulição da água cria um colchão de vapor, sobre o qual as gotículas flutuam. Os pesquisadores acreditam que a superfície irregular em forma de dentes de serra funciona como um tipo de engrenagem, redireciona o fluxo do vapor, criando forças que movem as gotículas em uma direção prefixada. As gotículas viajam rapidamente por distâncias de até um metro e podem até ser forçadas a subir inclinações. Este curioso método para bombear um líquido funciona para diversos líquidos diferentes (incusive Nitrogênio, Acetona, Metanol, Etanol e Água), cobrindo uma larga faixa de temperaturas (desde -196 até +151°C). Uma aplicação prática para esse fenômeno pode ser o resfriamento de processadores de computador aquecidos. Em uma concepção que os pesquisadores planejam testar, o calor excedente em um computador ativaria uma tal bomba, movimentando uma corrente de líquido por cima do processador para resfriá-lo. Uma tal bomba para arrefecedores não necessitaria de potência adicional, não teria partes móveis e só entraria em funcionamento quando necessária: quando o processador ficasse quente.
(Linke et al., Physical Review Letters, a ser publicado; gráficos e explicações extensivas podem ser encontrados no site http://www.uoregon.edu/~linke/dropletmovies/ )
“BURACOS DE FÓTONS” ENTRELAÇADOS. Em alguns dispositivos semicondutores, tais como diodos emissores de luz (LEDs), uma voltagem aplicada pode desalojar elétrons de alguns átomos, deixando, no lugar, um “buraco” que se comporta, em algumas situações, como se fosse uma partícula real com carga positiva. Uma “corrente” de “buracos” pode ser mover ao longo do material e os “buracos” podem se recombinar, posteriormente, com elétrons para produzir luz. Em uma analogia muito abrangente, James Franson (Universidade Johns Hopkins) sugere que se pode criar “buracos” fotônicos. Um “buraco de fóton” seria, por exemplo, um local em um intenso feixe de ondas laser, de onde foi removido um fóton (por exemplo, passando o feixe de laser através de vapor). Não somente podem existir “buracos de fótons” – sugere Franson – como os “buracos de fóton” podem ser entrelaçados, o que significa que suas propriedades quânticas poderiam ser correlacionadas, mesmo quando afastados entre si. Tais “buracos de fóton entrelaçados” seriam capazes de serem propagados através de fibras ópticas, tão bem como “fótons entrelaçados”, mas poderiam ter uma robustez ainda maior contra o fenômeno de “descoerência” (a perda das correlações quânticas), que assola os atuais esforços para estabelecer sistemas de transmissão de informação quânticos. Fransos espera poder colocar sua idéia em teste experimental nos próximos meses. (Physical Review Letters, 10 de Março de 2006).
LUZ DO SOL EM UM CHIP. Um novo projeto de LED emprega uma hábil combinação de luz e substâncias fosforescentes para produzir uma luz cujo espectro não é tão diferente assim da luz solar. Diodos Emissores de Luz (LEDs) convertem a eletricidade em luz de maneira muito eficaz e vêm sendo a solução preferida para aplicações em locais restritos, tais como luzes de sinalização e de freios para automóveis. Mas para causar alguma real impressão no mundo da iluminação, um dispositivo deve ser capaz de produzir iluminação para ambientes. E, para fazê-lo, precisa-se de uma iluminação mais suave, mais branca e com um melhor balanceamento de cores. O advento de LEDs de luz azul, usados em conjunto com LEDs vermelhos e verdes, ajudou muito. Mas produzir iluminação a partir de LEDs, eficientemente, a partir de comprimentos de onda azul, verde e amarelo, ainda é relativamente caro demais, e a abordagem alternativa é usar substâncias fosforescentes para conseguir o desejado balanceamento, transformando a luz azul em amarela. Os cientistas do National Institute for Materials Science (Instituto Nacional para a Ciência de Materiais e a Sharp Corporation (no Japão) conseguiram recentemente uma luz branca altamente eficiente e ajustável, com uma substância fosforescente aperfeiçoada para produir luz amarela (ver figura em http://www.aip.org/png/2006/257.htm ). Sua produção de luz é de 55 lumens por watt, cerca do dobro do brilho dos produtos comercialmente disponíveis que funcionam no mesmo nível de brancura. (Xie et al., Applied Physics Letters, 6 de Março de 2006)
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PHYSICS NEWS UPDATE é um resumo de notícias sobre física que aparecem em convenções de física, publicações de física e outras fontes de notícias. É fornecida de graça, como um meio de disseminar informações acerca da física e dos físicos. Por isso, sinta-se à vontade para publicá-la, se quiser, onde outros possam ler, desde que conceda o crédito ao AIP (American Institute of Physics = Instituto Americano de Física). O boletim Physics News Update é publicado, mais ou menos, uma vez por semana.
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Nota do Tradutor: eu recebo esse boletim há mais de um ano, mas nunca me atrevi a traduzir. Ora bolas: é exatamente isso que eles querem – disseminar as notícias. Então, não custa nada ajudar.
Dá para mudar o disco?
Uma das coisas mais chatas na minha vida é o fato de eu ser um militar reformado. Após cursar o Científico no Colégio Estadual André Maurois, acabei por parar na Marinha de Guerra, mais exatamente no Corpo de Fuzileiros Navais, no período mais exacerbado da Ditadura Militar, com direito a guerrilha no Araguaia e diversos amigos de escola “do outro lado”…
É… A Ditadura Militar foi uma merda e, para mim, as duas piores merdas que ela fez foram:
1 – Transformar todos os militares em “prepúcio” da nação. Tudo o que há de mau no Brasil “é culpa da Ditadura”, “é herança dos anos de chumbo” e outros chavões desgastados…
2 – Acostumou o povo brasileiro a ser irresponsável. Já que as eleições eram uma piada de mau gosto, os brasileiros se acostumaram a culpar um vago “eles” por sua própria incompetência e a só reivindicar “liberades”, se esquecendo que, a essas “liberdades”, correspondem muitas “responsabilidades”.
Eu só me pergunto: quando é que o brasileiro vai “ficar adulto”? Os “Porões da Ditadura” foram desmantelados ainda no governo Geisel. O “líder sindicalista perseguido”, acompanhado de seus “heróis da resistência”, estão no governo, hoje. E, para citar um autor insuspeito, a “nossa Pátria Mãe” continua “adormecida, sem perceber que” ainda é “subtraída em tenebrosas transações” (para quem não reconheceu: “Vai Passar”, Chico Buarque de Hollanda). Os “Napoleões Vendidos” podem ter desaparecido da cena (substituídos por outros “vendidos”), mas os “Barões Falidos e os Pigmeus do Boulevard” continuam desfilando com total desfaçatez.
A “esquerda libertária” se associou oportunisticamente com o que há de mais reacionário na direita e, quanto mais à esquerda, mais “lacaios do FMI” são. Esse epíteto era dirigido aos governos militares, até 1985…
Aí, quando um direitista como o Olavo de Carvalho acusa nossos “heróis da resistência” de terem ajudado o narcotráfico a se organizar, sempre aparece alguém para contestá-lo, nem que para isso tenha que lançar mão de disparates como invocar a “Convenção de Genebra” para acusar os “militares” (como se os Códigos Penais civil e militar não fossem suficientes), e como se, apenas por ser dito por um direitista, o fato não fosse verdade. Só falta dizerem que o José Dirceu e o Delúbio aprenderam a “fazer caixa 2” com a Intendência do Exército…
Um cidadão compra uma passagem aérea e descobre que a TAM fez “overbooking” do vôo para Brasília. Quando ele começa a fazer um escarcéu, a TAM convence dois passageiros a deixar o vôo e ceder os lugares. Mas como o cidadão é, também, o Comandante do Exército, a imprensa faz uma celeuma sobre “a prepotência dos militares”. A prepotência da TAM não vende jornal… (pelo contrário: um anunciante deve ser respeitado a todo custo).
Enquanto isso, no Rio de Janeiro, um Quartel do Exército é atacado por bandidos (com toda a certeza, treinados pelo próprio quartel, já que sabiam exatamente quando atacar e onde estavam as armas). O Exército reage à altura e começa a ocupar favelas, em busca das armas surrupiadas. Qual é a reação dos leitores de “O Globo”? Uma esmagadora maioria responde que o Exército deve continuar a ocupar os morros e favelas, mesmo depois de achar (se achar…) as armas… Claro: tanque na porta de favelado é solução para tudo… Imagino a urticária que deve ter dado nos editores…
E, no contraponto das fanfarras que saudam a ida ao espaço do primeiro astronauta brasileiro, começa a aparecer uma gritaria sobre os custos dessa aventura (que “está em cartaz” há quase dez anos) e piadinhas sobre “preferia o astronauta dos quadrinhos do Maurício de Souza” e que o Coronel Pontes vai “plantar feijãozinho” no espaço… E aí eu pergunto: será que nenhuma instituição de pesquisa científica ou tecnológica no Brasil tinha um experimentozinho menos babaca para ser feito? Essa viagem está programada há anos; só agora vêm arguí-la de “inútil”? Ah!… mas é um Coronel que vai para o espaço…
Militar é mau e perverso, torturador de velhinhas e criancinhas, só serve mesmo para ocupar favela com tanque. No primeiro tiro de canhão que derem, vão dizer: “monstros!…”, “desalmados!…”, “mataram não sei quantos trabalhadores!…”
Porra! Está mais do que na hora da sociedade civil tomar vergonha na cara! Acabem logo com as Forças Armadas e quando, no dia seguinte, todo o mundo estiver falando castelhano, a Vila Isabel pode desfilar de novo, saudando a, finalmente concretizada, unificação da América Latina. Com Simón Bolívar e tudo…
Pit-bulls e outras generalizações erradas…
Eu não acredito que levei desde o dia 02 de fevereiro para traduzir este artigo… Está bem… ele é longo e escrito em um inglês extremamente idiomático… mas não era para ter demorado tanto.
Eu cheguei a este artigo da revista The New Yorker por um link no Blog do Daniel, em 2 de fevereiro, na matéria geral The Interesting Bits of Yesterday. O interesse dele no artigo é mais dirigido à intodução do fator “tempo” na própria coleta de dados estatísticos e dos aspectos matemáticos envolvidos na atividade conhecida como “profiling”. A tradução literal em português seria “estabelecer um perfil”, ou eu poderia recorrer a um neologismo, tal como “perfilizar”. Mas, como eu não sou um purista e falo “deletar” e outros estrangeirismos, vou deixar “profiling” sem tradução.
O artigo me chamou particularmente a atenção porque trata da imbecilidade com que se costuma fazer os “profilings”, e guarda correlação direta com dois outros assuntos que já foram tratados neste Blog: o “profiling” criminosamente errado que levou ao assassinato de Jean Charles de Menezes pela, supostamente eficiente, Scotland Yard, e as considerações tecidas pelo autor de “Por que pessoas espertas defendem más idéias”. E também porque trata de generalizações apressadas, feitas por idiotas assustados, sobre a periculosidade de coisas sobre as quais elas não conhecem sequer a orelha do livro. O link para o artigo original eu já publiquei. Então, lá vai a tradução:
Criadores de Problemas
O que os pit-bulls podem nos ensinar sobre “profiling”.
por MALCOLM GLADWELL
Edição de 06/02/2006
Postado em 30/01/2006
Em uma tarde de Fevereiro passado, Guy Clairoux pegou seu filho de dois anos e meio, Jayden, da creche e o trouxe pela mão para sua casa na zona oeste de Ottawa, Ontario. Eles estavam quase em casa. Jayden ia se arrastando atrás do pai e, quando seu pai vriou-lhe as costas, um pit-bull saltou a cerca de um quintal e atacou Jayden. «O cão tinha a cabeça dele entre os dentes e começou a balançá-la», disse mais tarde a mulher de Clarioux, JoAnn Hartley. Enquanto ela via horrorizada, mais dois pit-bulls saltaram a cerca, juntando-se ao ataque. Ela e Clarioux vieram correndo e ele socou a cabeça do primeiro cachorro, até que ele largasse Jayden, e então jogou o menino para a mãe. Hartley caiu por cima de seu filho, protegendo-o com seu corpo. Clarioux gritou «JoAnn!» – enquanto os três cães se lançavam sobre sua mulher – «Cubra seu pescoço, cubra seu pescoço!» Uma vizinha, que assistia pela janela, gritou por socorro e seu parceiro e um amigo, Mario Gauthier, correram para fora. Um garoto das vizinhanças pegou em seu taco de hockey e jogou-o para Gauthier. Ele começou a bater com o taco na cabeça de um dos cachorros, até que o taco quebrou. «Eles não paravam», disse Gauthier, «Assim que você parava, eles atacavam de novo. Eu nunca vi um cachorro tão louco. Eles pareciam Diabos da Tasmânia». A polícia chegou. Os cães forram arrastados para longe e os Clarioux e um dos salvadores foram levados a um hospital. Cinco dias após, o Legislativo de Ontário proibiu a propriedade de pit-bulls. «Do mesmo jeito que não permitiríamos que um grande tubarão branco ficasse em uma piscina», declarou o Procurador Geral da Província, Michael Bryant, «talvez não devesemos ter esse tipo de animal em ruas civilizadas».
Os pit-bulls, descendentes dos bulldogs usados no século dezenove para lutas com touros e com outros cães, foram criados para serem “competitivos” e, assim, terem uma menor inibição contra a agressão. A maioria dos cachorros brigam como último recurso, quando encarar e rosnar falha. Um pit-bull quer brigar com pouca ou nenhuma provocação. Pit-bulls parecem ter uma grande tolerância à dor, tornando possível lutarem até a exaustão. Enquanto os cães de guarda, tais como pastores alemães, usualmente tentam conter aqueles que eles percebem como uma ameaça, mordendo e segurando, os pit-bulls tentam inflingir máximo de danos a seus oponentes. Eles mordem, prendem, sacodem e rasgam. Eles não rosnam ou arreganham os dentes, como aviso. Eles simplesmente atacam. «Eles freqüentemente são insensíveis a comportamentos que, usualmente, param com a agressão», diz um relatório científico sobre a raça. «Por exemplo, cães que não são criados para a luta, geralmente mostram sua desistência de brigar, rolando de costas e exibindo sua barriga. Em várias ocasiões foram relatados casos em que os pit-bulls esventraram outros cachorros que davam este sinal de submissão». Em estudos epidemiológicos de mordidas de cachorros, o pit-bull é o mais conhecido cão que se sabe que matou ou feriu seriamente seres humanos e, como resultado, os pit-bulls foram banidos ou restritos em muitos países do Oeste Europeu, na China e várias cidades por toda a América do Norte. Pit-bulls são perigosos.
É claro, nem todos os pit-bulls são perigosos. A maioria não morde ninguém. Enquanto isso, Dobermans, Dinamarqueses, Pastores Alemães e Rottweilers são também freqüentes mordedores, e o cachorro que recentemente desfigurou o rosto de uma mulher francesa a tal ponto que ela teve que receber o primeiro transplante de rosto do mundo, de todas as raças, era um Retriever do Labrador. Quando dizemos que pit-bulls são perigosos, nós estamos fazendo uma generalização, justamente como companhias de seguros usam generalizações quando cobram mais de pessoas jovens pelo seguro de automóveis do que do restante das pessoas (muito embora muitos jovens sejam motoristas perfeitamente bons), e os doutores usam generalizações quando dizem a homens de meia-idade acima do peso para manterem seu colesterol sob controle (embora muitos homens de meia-idade acima do peso não tenham problemas cardíacos). Porque não sabemos qual cachorro vai morder alguém, quem vai ter um ataque cardíaco, ou quem vai se envolver em um acidente, nós podemos fazer previsões somente mediante o uso de generalizações. Como o jurista Frederick Schauer observou, «pintar com largas pinceladas é uma quase sempre inevitável, e freqüentemente desejável, dimensão de nossas vidas em termos de tomada de decisões».
Uma outra palavra para generalização, entretanto, é “estereótipo” e estereótipos não são, usualmente, considerados dimensionamentos desejáveis para a tomada de decisões em nossas vidas. O processo de passar do específico ao genérico é tanto necessário quanto perigoso. Um médico poderia, com um certo apoio estatístico, fazer generalizações acerca de homens com uma certa idade e peso. Mas e se a generalização feita a partir de outras causas – tais como pressão sangüínea alta, histórico familiar e tabagismo – salvar mais vidas? Por trás de cada generalização, há uma escolha de fatores a considerar e outros a descartar, e essa escolha pode se provar surpreendentemente complicada. Depois do ataque sofrido por Jayden Clarioux, o governo de Ontario escolheu fazer uma generalização sobre pit-bulls. Mas poderia ter escolhido fazer uma generalização sobre cães poderosos, ou sobre o tipo de pessoas que têm cães poderosos, ou acerca de crianças pequenas, ou sobre cercas de quintais, ou, na verdade, sobre qualquer número de coisas relacionadas com cães, pessoas e lugares. Como podemos saber se fizemos o tipo certo de generalização?
Em Julho do ano passado, após os atentados a bomba nos transportes londrinos, o Departamento de Polícia da Cidade de Nova York anunciou que ia mandar policiais para dentro dos metros para realizarem revistas aleatórias em volumes conduzidos por passageiros. A primeira vista, realizar buscas aleatórias para descobrir terroristas – em oposição a se guiar por generalizações – parece uma idéia tola. Como escreveu um colunista de Nova York, na época, «Não somente “a maior parte”, mas quase todos os jihadi que cometeram atentados contra alvos Europeus ou Americanos, foram jovens homens Árabes ou Paquistaneses. Em outras palavras, você pode prever, com um bom grau de certeza, como se parece um terrorista da Al Qaeda. Do mesmo modo como sempre soubemos como se parece um mafioso – embora compreendamos que somente uma fração infinitesimal dos ítalo-americanos sejam membros da quadrilha.
Mas, espere aí: será que nós realmente sabemos como “se parecem” os mafiosos? No filme “O Poderoso Chefão”, onde a maioria de nós tirou seu conhecimento sobre a Máfia, os homens da família Corleone foram interpretados por Marlon Brando, de ascendência irlandesa e francesa, James Caan, que é judeu, e dois ítalo-americanos, Al Pacino e John Cazale. Se nos basearmos em “O Poderoso Chefão”, os mafiosos se parcem com homens brancos descendentes de europeus. o que, em termos de generalizações, não é de grande ajuda. Imaginar com o que se parece um terorrista islâmico, não parece ser mais fácil. Muçulmanos não são como os Amishes: eles não se vestem com roupas identificáveis. E eles não se parecem com jogadores de basquete; não vêm em formatos e tamanhos predizíveis. O Islam é uma religião que abrange todo o globo.
«Nós temos uma política contrária ao “profiling” racial», me disse Raymond Kelly, Comissário de Polícia da Cidade de Nova York. «Eu puz isso em vigor em Março do primeiro ano desde que cheguei aqui. É a coisa errada a fazer e também é ineficaz. Se você for ver os ataques a bomba em Londres, você vai ver três cidadãos britânicos de origem paquistanesa. Você tem Germaine Linday que é jamaicano. Você tem a próxima equipe, de 21 de julho, que eram do Leste Africano. Você tem uma mulher chechena, no início de 2004 que se explodiu em uma estação de metro em Moscou. Então de quem você vai fazer o “profile”? Olhe para a Cidade de Nova York. Quarenta por cento dos novayorquinos nasceram fora deste país. Veja a diversidade aqui. De quem eu devo fazer um perfil?»
Kelly estava evidenciando o que se pode chamar de “problema de categorização” no “profiling”. Generalizações envolvem enquadrar um categoria de pessoas com um comportamento, ou “homens de meia idade acima do peso” com “risco de ataque cardíaco”, ou “homens jovens” com “dirigir perigosamente”. Mas, para que esse processo funcione, você tem que saber tanto definir, como identificar a categoria que você está generalizando sobre. «Você pensa que os terroristas não sabem como é fácil ser caracterizado pela sua entia?» prossegue Kelly. «Veja os sequestradores de 11 de setembro. Eles vieram para cá. Eles rasparam as barbas. Eles frequentaram bares de “topless”. Eles queriam “se misturar”. Eles queriam parecer com pessoas que fizessem parte do “sonho americano”. Estas não são pessoas tolas. Poderia um terrorista se vestir como um Judeu Ortodoxo, entrar no metro e não se encaixar no “profiling”? Sim. Eu acredito que tentar um tal “profiling” é pura loucura».
Proibições de pit-bulls envolvem um problema de categorias, também, porque pit-bulls, como se sabe, não são uma única raça. O nome se refere a cães que pertencem a várias raças próximas, tais como o Stafforshire Terrier Americano, o Staffordshire Bull Terrier e o Pit Bull Terrier Americano, todos eles com um corpo quadrado e musculoso, um focinho curto e uma pelagem lisa e curta. Assim, a proibição de Ontário proíbe não só essas raças, mas “qualquer cão que tenha uma aparência e características físicas substancialmente similares” às mesmas; o termo empregado é “cães do tipo pit-bull”. Mas o que isso significa? Um mestiço de de American Pit Bull Terrier com Golden Retriever é um cão do “tipo pit-bull” ou do tipo “golden retriever”? Se pensar que terriers musculosos é uma generalização, então pensar que cães perigosos são qualquer cão substancialmente parecidos com um pit-bull, é uma generalização sobre uma generalização. «Do jeito que essas leis são redigidas, pit-bulls são o que eles disserem que é um», diz Lora Brashears, uma gerente de canil na Pennsylvania. «E, para a maior parte das pessoas, isso significa apenas grandes, malvados e assustadores cachorros que mordem».
O objetivo dessas proibições de pit-bulls, obviamente, não é proibir cães que pareçam com pit-bulls. A aparência é uma personagem para o “temperamento de pit-bull” – para alguns traços que esses cães partilham. Mas essa “pit-bulleza” é algo indefinido, também. As caracterísitcas supostamente problemáticas do tipo pit-bull – sua disposição, sua determinação, sua insensibilidade à dor – são especialmente dirigidas a outros cães. Pit-bulls não foram criados para lutar com pessoas. Ao contrário: um cão que se voltasse contra os espectadores, ou seu “handler”, ou treinador, ou qualquer uma das várias pessoas envolvidas no processo de tornar um cão de briga em um bom cão de briga, usualmente era sacrificado. (A regra no mundo dos pit-bulls era: “Comedores de pessoas morrem”).
Um grupo, com sede na Georgia, chamado “American Temperament Test Society” (Sociedade Americana de Verificação de Temperamentos) fez vinte e cinco mil cães passarem por um teste padronizado, com dez etapas, projetado para avaliar a estabilidade, timidez, agressividade e amistosidade dos cães, na companhia de pessoas. Um “handler” traz um cachorro por uma guia de dois metros e julga sua reação a estímulos, tais como disparos de armas, a abertura de um guarda-chuva e um estranho, vestido de maneira esquisita, aproximando-se de maneira ameaçadora. Oitenta e quatro por cento dos pit-bulls submetidos ao teste passaram, o que os coloca a frente de beagles, Airedales, collies e todas, menos uma, variedades de daschund. «Nós testamos cerca de mil cães do tipo pit-bull», diz Carl Herkstroeter, presidente da ATTS. «Eu próprio testei metade deles. E, de todos os que eu testei, eu desqualifiquei apenas umpor causa de sua tendência agressiva. Eles se sairam extremamente bem. Eles têm um bom temperamento. Eles se dão muito bem com crianças». Pode-se até argumentar que os mesmos comportamentos que os tornam tão agressivos com outros cães, são os que os tornam tão adequados aos humanos. «Há, hoje em dia, vários pit-bulls licenciados como cães de terapia», enfatiza a escritora Vicki Hearne. «Sua estabilidade e resolução tornam-no excelente para trabalhar com pessoas que poderiam não gostar de um cachorro mais brincalhão e travesso. Quando os pit-bulls se resolvem a prover conforto, eles o fazem com a mesma determinação com que lutam, mas o que eles estão resolutos a fazer é serem gentís. E, como eles são destemidos, eles podem ser gentís com qualquer pessoa».
Então quais são os pit-bulls que se metem em confusão? «Os que a legislação pretende atingir são aqueles cujas tendências agressivas são selecionadas pelo criador, treinadas pelo adestrador, ou reforçadas pelo proprietário», diz Herkstroeter. Um pit-bull malvado é um cão tornado malvado, por reprodução seletiva, sendo cruzado com uma raça maior e capaz de agredir pessoas, como Rottweilers ou Pastores Alemães, ou por ser condicionado de maneira a que comece a exibir hostilidade para com pessoas. Um pit-bull só é perigoso para pessoas, não na medida em que expressa sua “pit-bulleza”, mas na medida em que se desvia dela. Uma proibição de pitbulls é uma generalização sobre uma generalização, acerca de uma característica que não é, na verdade, geral. Isso é um problema de categorização.
Uma das coisas que causam perplexidade na Cidade de Nova York é que, após as enormes e bem divulgadas reduções da criminalidade nos meados da década de 90, a taxa de criminalidade continuou a cair. Nos últimos dois anos, por exemplo, os assassinatos em Nova York diminuiram em quase dez por cento, os estupros em doze por cento e os assaltos em mais de dezoito por cento. Somente no ano passado, o furto de carros diminuiu em 11,8%. Em uma lista de duzentas e quarenta cidades nos Estados Unidos com uma população de cem mil ou mais habitantes, Nova York ocupa a ducentésima vigésima segunda colocação em crimes, lá no fundo da lista, junto com Fontana, Califórnia, e Port St. Lucie, Florida. Na década de 90, a redução da criminalidade foi atribuída a grandes e óbvias modificações na vida e no governo da cidade – o declínio do tráfico de drogas, à revitalização do Brooklin, à implementação da política de “tolerância zero” de policiamento. Mas todas essas grandes mudanças ocorreram há uma década atrás. Por que a criminalidade ainda está caindo?
A explicação pode ter a ver com uma mudança nas tática policiais. O NYPD (Departamento de Polícia de Nova York) tem um mapa computadorizado que exibe, em tempo real, precisamente onde estão sendo relatados crimes sérios, e, a qualquer momento, o mapa tipicamente mostra alguns pontos, constantemente em mutação, das zonas “quentes”, algumas tão pequenas como dois ou três quarteirões. O que o NYPD tem feito, sob o comando do Comissáro Kelly, é usar esse mapa para criar “zonas de impacto” e para enviar policiais recém-formados – que, usualmente, eram distribuídos eqüanimemente entre os distritos policiais – para essas zonas, em certos casos chegando a duplicar o número de policiais na vizinhança imediata. «Nós pegamos dois terços dos recém-formados e juntamo-os a policiais experientes, e nos focalizamos nessas áreas», declarou Kelly. «Bom, o que aconteceu é que, com o tempo, nós conseguimos uma média de redução da criminalidade de 35%, em média, nessas “zonas de impacto”».
Ao longo dos anos, os experts sustentaram que a incidência do crime era “inelástica” com relação à presença da polícia – que as pessoas cometiam crimes por causa de pobreza e psicopatologia e disfunções culturais, ao par com motivos e oportunidades espontâneos. A presença de mais alguns policiais extras no quarteirão, pensava-se, não faria muita diferença. Mas a experiência do NYPD sugere o contrário. Mais policiais significa que alguns crimes são evitados, outros resolvidos com mais facilidade, e que outros, ainda, são deslocados para outros lugares – o que Kelly acha algo positivo, porque rompe com os padrões e práticas e as redes sociais que servem como base para a contravenção. Em outras palavras, a relação entre a Cidade de Nova York (uma categoria) e a criminalidade (uma característica) é instável, e esse tipo de instabilidade é outro motivo pelo qual nossas generalizações descarrilham.
Por que será que, por exemplo, uma generalização do tipo “todo o mundo sabe que” “os Kenyanos são bons fundistas” é boa? Não só porque é estatisticamente comprovável hoje em dia. Isso é verdade há mais de meio século e a corrida de fundo no Kenya é uma tradição tão arraigada que seria necessário um fato cataclísmico para mudar isso. Em contraste, a generalização de que “Nova York é uma cidade de alta criminalidade” já foi verdade e agora, manisfestamente, não é mais. Pessoas que se mudaram para Port St. Lucie, porque pensavam que ficariam muito mais seguras do que em Nova York, podem estar, de repente, na situação de terem feito a aposta errada.
A questão da instabilidade é um problema para o “profiling” no combate ao crime, também. O professor de Direito David Cole uma vez realizou um levantamento dos traços que os agentes da Agência de Narcóticos (Drug Enforcement Agency – DEA), vinham usando, há anos, para fazer generalizações sobre suspeitos de tráfico. Eis um exemplo:
Chega tarde da noite; chega cedo de manhã; chegou de tarde; foi um dos primeiros a descer o avião; um dos últimos a descer do avião; saiu do avião no meio; comprou a passagem no aeroporto; fez reservas na última hora; comprou passagem da classe econômica; comprou passagem de primeira classe; usou uma passagem só de ida; comprou uma passagem de ida-e-volta; pagou a passagem com dinheiro vivo; pagou a passagem com notas de baixo valor; pagou a passagem com notas de alto valor; fez ligações locais após o desembarque; fez ligações interurbanas após o desembarque; fingiu estar fazendo ligações; viajou de Nova York a Los Angeles; viajou para Houston; não levava bagagem; usava bagagem recém-adquirida; levava uma pequena bagagem de mão; portava uma bagagem de mão de tamanho médio; carregava duas sacolas de roupa volumosas; portava duas malas pesadas; carregava quatro peças de bagagens; tomava cuidado demasiado com a bagagem; deixava a bagagem de lado; viajava sozinho; viajava acompanhado; parecia muito nervoso; parecia calmo demais; encarou o policial; evitou encarar o policial; usava roupas e adereços caros; vestia-se de modo casual; foi para o banheiro após desembarcar; caminhou apressadamente através do aeroporto; caminhou bem devagar através do aeroporto; perambulou pelo aeroporto; deixou o aeroporto de taxi; deixou o aeroporto de limousine; deixou o aeroporto em carro particular; deixou o aeroporto na Van do Hotel.
Alguns desses “motivos para suspeita” são evidentemente absurdos, sugerindo que os agentes da DEA não seguiam qualquer padrão para deter os suspeitos de tráfico de drogas. Uma maneira de fazer pé-com-cabeça dessa lista, entretanto, é pensar nela como um catálogo de características instáveis. Os traficantes podem ter tido, algum dia, a tendência de comprar passagens só de ida, em dinheiro vivo e carregar duas grandes malas. Mas eles não têm que continuar fazendo isso. Aí, eles podem facilmente ter mudado para passagens de ida e volta, compradas com cartão de crédito, ou portar apenas uma maleta de mão, sem, com isso, perder sua capacidade de transportar as drogas. Existe um segundo tipo de instabilidade nisso, também. Pode ser que a razão para alguns deles terem mudado de passagens só de ida e duas malas pesadas, seja o fato de que os agentes da lei passaram a ficar de olho nesses procedimentos, de forma que os traficantes fizeram o equivalente aos jihadis parecem ter feito em Londres, quando mudaram para Africanos do Leste, porque a vigilância sobre homens jovens árabes e paquistaneses ficou muito intensa. Não funciona usar uma generalização entre uma categoria e uma tendência, quando este relacionamento é instável – ou quando o ato de generalizar pode, por si próprio, mudar as bases dessa generalização.
Antes de Kelly se tornar o Comissário de Polícia de Nova York, ele trabalhou como chefe do Serviço Aduaneiro dos EUA (U. S, Customs Service) e, enquanto ele esteve lá, reformulou os critérios usados pelos agentes de controle de fronteiras para identificar e revistar suspeitos de contrabando. Existia uma lista de 34 características suspeitas. Ele a substituiu por uma lista com seis critérios abrangentes. Existe algo suspeito quanto à aparência física? A pessoa parece estar nervosa? Existe alguma informação específica sobre essa pessoa? Os cães farejadores deram algum alarme? Existe algo que não bate na documentação e nas explicações? Houve alguma apreensão de contrabando que pudesse envolver essa pessoa?
Você não vai encontrar coisa alguma aqui que fale de raça, gênero ou etnia, nem coisa alguma sobre jóias caras ou desembarcar no meio ou no fim, ou andar rapidamente ou perambular. Kelly removeu todas as generalizações instáveis, forçando os fiscais aduaneiros a fazer generalizações sobre coisas que não mudam de um dia, ou de um mês para o outro. Alguma porcentagem dos contrabandistas sempre fica nervosa, sempre contarão uma história cheia de inconsistências e sempre serão apanhados pelos cães. É por isso que esses tipos de inferência são mais confiáveis do que aquelas onde o contrabandista seria branco ou negro, carregue uma mala ou duas. Depois das reformas de Kelly, o número de revistas feitas pelos agentes aduaneiros caiu em cerca de 75%, mas o número de apreensões bem sucedidas aumentou em 25%. Os agentes deixaram de tomar decisões porcas acerca de possíveis contrabandistas e passaram a tomar algumas muito boas. «Nós os tornamos mais eficientes e mais eficazes naquilo que estavam fazendo», disse Kelly.
Será que a noção da “ameaça dos pit-bulls” se apoia em uma generalização estável ou instável? O melhor dado que possuimos sobre a criação de cães perigosos são os registros de ataques fatais, que servem como indicador de quanto dano certos tipos de cachorro estão causando. Entre o final da década de 70 e o final da década de 90, mais de 25 raças estiveram envolvidas em ataques fatais nos Estados Unidos. Os pit-bulls estiveram à frente da matilha, mas a variação de ano para ano é considerável. Por exemplo, no período de 1981 a 1982 as baixas foram causadas por cinco pit-bulls, três vira-latas, dois São Bernardos, dois mestiços de Pastor Alemão, um Pastor Alemão puro sangue, um do tipo Husky, um Dobreman, um Chow Chow, um Grande Dinamarquês, um híbrido de cão-lobo, um mestiço de Husky e um mestiço de pit-bull, mas nenhum Rottweiler. Em 1995 e 1996, a lista incluia dez Rottweilers, quatro pit-bulls, dois Pastores Alemães, dois Huskies, dois Chow Chow, dois híbridos cão-lobo, dois mestiços de pastor, um mestiço de Rottweiler, um vira latas, um mestiço de Chow Chow e um Grande Dinamarquês. Os tipos de cachorros que matam pessoas muda com o tempo. O que não muda é o número total de pessoas mortas por cães. Quando temos mais problemas com pit-bulls, não é necessariamente um sinal de que os pit-bulls sejam mais perigosos do que os outros cães. Pode ser somente um sinal de que os pit-bulls se tornaram mais numerosos.
«Eu já vi praticamente todas as raças envolvidas em mortes, inclusive Lulus da Pomerânia e todos os outros, exceto Beagles e Bassets», disse-me Randall Lockwood, um vice-presidente sênior da ASPCA e um dos principais experts em ataques caninos. «E sempre há uma ou duas mortes atribuíveis a Malamutes ou Huskies, e você não vê ninguém propondo o banimento dessas raças. Quando eu comecei a pesquisar sobre ataques fatais de cachorros, eles envolviam grandemente cães tais como Pastores Alemães e mestiços deles, e São Bernardos – provavelmente por isso Stephen King escolheu um São Bernardo para o personagem Cujo, não um pit-bull. Eu não vi uma morte causada por um Doberman por décadas, enquanto que nos anos 70 elas eram muito comuns. Se você quizesse um cachorro malvado, naquela época, você iria procurar um Doberman. Eu acredito que só fui ver o meu primeiro caso envolvendo um pit-bull nos meados da década de 80, e não comecei a ver ataques de Rottweilers antes de ver, pelo menos, algumas centenas de ataques fatais de cães. Agora, esses cachorros são os preponderantes nas mortes. O fato é que isso muda com o tempo. É um reflexo da escolha por uma raça por parte de pessoas que querem um cachorro agressivo».
Não existe qualquer carência de generalizações mais estáveis acerca de cães perigosos, no entanto. Um estudo feito em 1991 em Denver, por exemplo, comparou 178 cães com histórico de morder pessoas, com uma amostra aleatória de 178 cães sem histórico de mordidas. As raças eram espalhadas: Pastores Alemães, Akitas e Chow Chows estavam entre os mais fortemente representados (não havia pit-bulls entre os cachorros mordedores, porque Denver baniu os pit-bulls em 1989). Mas vários outros fatores, mais estáveis, vêm à luz. Os mordedores são 6,2 vezes mais machos do que fêmeas, e 2,6 mais cães inteiros do que castrados. O estudo de Denver também descobriu que os mordedores eram 2,8 vezes mais freqüentes entre os cães acorrentados, do que entre os não-acorrentados. «Cerca de 20% dos cães envolvidos em casos fatais estavam acorrentados e tinham uma história de estarem acorrentados por longo tempo», disse Lockwood. «Agora: eles estavam acorrentados porque eram agresivos, ou eram agressivos porque estavam acorrentados? É um pouco de cada. Esses são animais que não tiveram uma oportunidade de se tornarem sociáveis com pessoas. Eles nem sabem, necessariamente, que crianças são pequenos seres humanos. Eles tendem a vê-las como presas».
Em muitos casos, cães perigosos eram famintos ou carentes de cuidados médicos. Freqüentemente, os cães tinham um histórico de inidentes de agressão e, majoritariamente, as vítimas de mordidas de cahorros eram crianças (particularmente meninos pequenos) que são fisicamente vulneráveis a ataques e podem ter, sem querer, feito coisas que provocassem o cachorro, tais como implicar com eles, ou aborrecê-los quando os cães estavam comendo. A conexão mais forte entre todas, entretanto, é a ligação entre a periculosidade dos cães e um certo tipo de proprietários de cães. Em um quarto dos casos fatais de mordidas de cachorro, os donos eram anteriormente envolvidos em brigas ilegais. Os cães que mordem pessoas são, em muitos casos, isolados socialmente porque seus donos são socialmente isolados, e são perigosos porque seus donos queriam um cachorro perigoso. O Pastor Alemão no ferro-velho que parece querer saltar sobre seu pecoço, e o Pastor Alemão guia de um cego, são a mesma raça. Mas não são o mesmo cachorro, porque seus donos têm diferentes intenções.
«Um ataque fatal de um cão não é somente uma mordida de cachorro dada por um cão grande e agressivo», prossegue Lockwood. «É usualmente uma perfeita combinação viciada de interações prejudiciais humano-caninas – o cão errado, o ambiente errado, a história errada, nas mãos da pessoa errada, nas condições ambientais erradas. Eu já me envolvi em muitos casos judiciais envolvendo ataques fatais de cães e, certamente, minha impressão é que estes são casos, geralmente, em que as culpas recaem sobre todos. Você encontra o garotinho de três anos perambulando sem supervisão pela vizinhança, morto por um cão faminto e maltratado, propriedade do namorado (criador de cães de briga) de alguma mulher que não sabe onde sua criança está. Não é o velho Totó que dorme perto da lareira que, subitamente, fica maluco. Usualmente todos os sinais de alerta estão presentes».
Jayden Clarioux foi atacado por Jada, uma Pitbull Terrier, e seus dois filhotes Agua e Akasha, mestiços com Bull Mastiff. Os cães eram da propriedade de um homem de 21 anos chamado Shridev Café, que trabalhava em construção e fazia biscates. Cinco semanas antes do ataque aos Clarioux, os três cães de Café se soltaram e atacaram um rapaz de dezesseis anos e seu meio-irmão de quatro anos que estavam patinando no gelo. Os garotos bateram nos animais com uma pá de neve e escaparam para a casa de um vizinho. Café foi multado e removeu seus cães para a casa de sua namorada de 17 anos. Não era a primeira vez que ele se metia em confusão no último ano; alguns meses antes, ele tinha sido acusado de agressão doméstica e, em outro incidente, uma discussão de rua, por lesão corporal grave. «Shridev tinha problemas pessoais», disse Cheryl Smith, uma especialista em comportamento canino que foi consultada no caso. «Ele certamente não é uma pessoa muito madura». Agua e Akasha não tinham ainda sete meses. A ordem da Corte, ao julgar o primeiro caso de ataque, initmava que eles portassem focinheiras quando saíssem de casa e fossem mantidos em um pátio fechado. Mas Café não os amordaçou, porque, disse ele depois, não podia comprar focinheiras, e, aparentemente, ninguém na cidade apareceu para forçá-lo a cumprir a sentença. Algumas vezes ele falou em levar seus cachorros a aulas de obediência, mas nunca o fez. O assunto de castrá-los também foi considerado – particularmente Agua, o macho – mas a castração custa cem dólares, o que ele evidentemente considerava um monte de dinheiro, e, quando a cidade confiscou temporariamente seus cães, depois do primeiro ataque, não os castrou também, porque Ottawa não tem uma política de castrar preventivamente cães que mordem pessoas.
No dia do segundo ataque, de acordo com alguns relatos, um visitante apareceu na casa da nemorada de Café e os cachorros foram confinados. Eles foram postos do lado de fora, onde os bancos de neve estavam altos o suficiente para que a cerca dos fundos pudesse ser facilmente pulada. Jayden Clarioux parou e encarou os cães, dizendo “cachorrinhos, cachorrinhos”. Sua mãe chamou seu pai. Seu pai saiu correndo, o que é o tipo de coisa que atiça um cão agressivo. Os cães pularam a cerca e Agua pegou a cabeça de Jayden em sua boca e começou a sacudir. É um caso do “Manual de Mordidas de Cachorro”: cães não-castrados, mal treinados e nervosos, com um histórico de agressão e um dono irresponsável, soltarm-se de alguma forma e atacaram uma criança pequena. Os cães já tinham passado pela burocracia de administração de animais de Ottawa e a cidade poderia ter impedido o segundo ataque se tivesse usado o tipo certo de generalização – uma generalização não baseada em raça, mas na conhecida e significativa conexão entre cães perigosos e donos negligentes. Mas isso teria requerido que alguém seguisse Shridev Café e verificar se ele tinha comprado as focinheiras, e alguém que mandasse esterilizar os cachorros depois do primeiro ataque, e uma lei de controle de animais que assegurasse que aqueles cujos cachorros atacam crianças pequenas, sejam impedidos de ter um cachoro. Teria sido necessário, quer dizer, um conjunto mais eficaz de generalizações para ser mais eficazmente aplicado. Sempre é mais fácil banir uma raça.
Quem sabe que eu crio cães, já percebeu porque eu me motivei tanto com este artigo. Recentemente a mídia (irresponsável como sempre…) fez um grande alarido sobre os pit-bulls no Rio de Janeiro, que levou a Prefeitura e a Câmara Municipal a passar uma legislação caça-níqueis, obrigando os donos de cães de grande porte a fazê-los circular pelas ruas com focinheiras (que seriam melhor aplicadas a politiqueiros que produzem “factóides”…), e só não os impediram de circular à luz do dia porque a SUIPA provou que isso contraria a Lei, por prejudicar a saúde dos animais. Da mesma forma que todos falam pelos cotovelos sobre o perigo de manter cães de guarda, mas ninguém parece preocupado em tomar conta de criancinhas xeretas que vão se meter nos terrenos guardados por esses cães…
Por outro lado, o artigo ataca a fundo – embora jamais use o termo – a xenofobia que vem se alastrando pelos EUA e Europa. Sob o (mau) disfarce de secularismo, a França proibiu as meninas muçulmanas de portar o véu previsto por sua religião, nas escolas. O próximo passo deve ser – por uma questão de eqüanimidade – mandar os judeus fazerem operações plásticas para remover os vestígios da circuncisão…
Como diz o autor, no encerramento do artigo, “sempre é mais fácil banir uma raça”… Só que, quando no lugar de “uma raça de cães”, se coloca “minorias étnicas”, o efeito já é sobejamente conhecido… E não presta!
Conspirações e mais conspirações
Não… Eu ainda não acabei de traduzir o artigo da The New Yorker,, mas, quem sabe… um dia desses…
Por enquanto, vou deixar uma “pérola” do Village Voice, que apareceu no 3-quarks daily, sobre as “teorias de conspiração” associadas ao “11 de setembro”. Mais do que a discussão sobre o assunto, eu acho extremamente feliz a conclusão do articulista. Vamos lá:
Os que procuram
O nascimento e a vida do “Movimento pela verdade do 11 de setembro”
por Jarrett Murphy
21 de Fevereiro de 2006 11:48 AM
Essencialmente, tudo gira em torno de física e bom senso. Corte o aço e edifícios caem. Derrube um avião e a terra fica com circatrizes. Dispare um míssil e veja um buraco. O que está no alto, tem que cair, causas produzem efeitos e, para que a verdade o liberte, ela própria precisa ser libertada.
Está escuro no porão da Igreja de São Marcos e escuro do lado de fora em uma noite de verão em meados de dezembro, mas as pessoas dentro do porão viram a luz. Entre as mais ou menos cem pessoas no recinto, muitos usam “buttons” onde se lê “9/11 Was An Inside Job” (“O 11 de setembro foi um Serviço Interno”). Outros agarram-se aos textos vitais em suas mãos – “Crossing the Rubicon” (“Atravessando o Rubicão”), “The New Pearl Harbor” (“O Novo Pearl Harbor”), ou “9/11 Synthetic Terror” (“O Terror Sintético de 11 de setembro”). A maior parte dos componentes da multidão predominantemente (mas não exclusivamente) de homens brancos, pode citar para você importantes trechos de “Rebuilding America’s Defenses” (“Reconstruíndo as Defesas da América”) ou do Relatório da Comissão sobre o 11 de setembro. Uns poucos podem guiar você pelos detalhes de conceitos como “Peak Oil” e fluxo piroclástico. Todos eles suspeitam – e alguns simplesmente sabem – que seu governo foi, de alguma forma, cúmplice nos ataques que mataram quase 3.000 americanos, quatro setembros atrás.
Eles estão assistindo uma nova edição de “Loose Change” (“Mudanças Aleatórias”), um documentário duvidoso e sensacionalista, com uma trilha sonora maneira e uma abordagem do tipo “fogo à vontade” sobre praticamente todos os aspectos da história “oficial” de 11 de setembro. Trabalho do cineasta Dylan Avery (22 anos), “Loose Change” foi lançado no ano passado, passando a ocupar um lugar em uma crescente coleção de DVDs que os céticos sobre o 11 de setembro podem ter: “Painful Deceptions” (“Dolorosos Disfarces”), “Confronting the Evidence” (“Confrontando as Provas”), “911 in Plane Site” (“11 de Setembro do Ponto de Vista dos Aviôes”, um trocadilho com “plane sight”, “visão plana”), “9-11 Eyewitness” (“Testemunha Ocular de 11 de setembro”). Exibidos em reuniões similares pelo país afora e passado adiante entre amigos com idéias semelhantes, esses filmes são o que une as pontas díspares daquilo que muitos de seus membros chamam de “O Movimento pela Verdade do 11 de Setembro”. Eles reunem Luke Rudkowski, um sincero calouro do Brooklyn College, com David Ray Griffin, um teólogo da Califórnia que escreveu “The New Pearl Harbor” (“O Novo Pearl Harbor”, uma referência à controvérsia sobre a real surpresa do ataque japonês à Base Naval no Hawaii em 7 de dezembro de 1941). Eles unem Les Jamieson, um “web designer” e um dos coordenadores do “New York 9-11 Truth”, com o multimilionário Jimmy Walter que sonha com cidades auto-sustentáveis e livres de automóveis. E eles unem um Tenente do Corpo de Bombeiros de Nova York, comparecendo a sua primeira reunião do “Movimento pela Verdade”, com Michael Ruppert, autor de “Crossing the Rubicon”, que põe a culpa em uma noiva com ligações com a CIA-&-Mafia em tráfico de drogas e armamentos, por sua demissão do Departamento de Polícia de Los Angeles, vinte anos atrás.
É fácil desprezar esses tipos estranhos. É mais difícil ignorar os caras normais na sala, ou as pesquisas que mostram que 49 % dos residentes da Cidade de Nova York acreditam que o governo sabia sobre o 11 de setembro, antes que acontecesse, ou a certeza pétrea desses supostos desconfiados.«Eu adoraria que me provassem que eu estou errado. Eu adoraria que alguém chegasse e me dissesse que eu só estou falando merda. Só que isso não aconteceu», diz Avery. «Eu tenho cientistas do meu lado. Há tantos indícios apoiando meu lado, e nada apoiando o lado do governo».
Não obstante seu nome, o “Movimento pela Verdade no 11 de Setembro” conta uma historinha – e é uma historinha – sobre o que acontece quando o governo mente. Novamente, é uma simples questão de física: Para cada ação, existe uma reação igual e em sentido contrário.
Todo o mundo tem uma historinha sobre como acompanhou os eventos em 11 de setembro “não conseguindo acreditar”. Mas algumas pessoas realmente não acreditaram e, nos instantes que se seguiram aos ataques, suas dúvidas tomaram forma na Internet em sites como “serendipty.li”,”plaguepuppy.net” e “Killtown”. «Eles eram um grupo de teóricos da conspiração condicionados que já andavam por aí desde Kennedy e até antes», diz Steve Ferman, hoje um graduado em Marketing (22 anos) pelo Instituto de Tecnologia de Nova York, que se juntou ao “Movimento pela Verdade” bem depois dos ataques. «Eles sabiam como por a bola em movimento imediatamente. No momento em que aconteceu, as teorias de conspiração sairam voando».
Não demorou muito e essas teorias alcançaram o Rádio pela Internet – e shows como “The Power Hour”. O apresentador Dave vonKleist não era nenhum novato em contar histórias alternativas: sua mulher era uma ativista da primeira hora sobre a “Doença da Guerra do Golfo”, eles fugiram de Houston antes que acontecesse o “Y2K”, e seu show de três horas lida com assuntos tais como Urânio Exaurido e temores de vacinações. Em 11 de setembro, lembra-se ele, «Eu cheguei e disse, “Senhoras e Senhores, aqui é Dave e, antes de poder dizer ‘bom-dia’, corram para seus vídeo-casetes e comecem a gravar. A América está sob ataque”». Enquanto permanecia grudado a sua TV, naquele dia, ele começou a suspeitar quando as redes começaram a recorrer aos “tapes” do árabe alto com a arma. «Eles ainda estavam discutindo sobre qual tipo de avião tinha batido», diz ele, «mas eles estavam certos como o diabo que sabiam que tinha sido o Osama, e eu disse: “Espere um minuto!”». Essas dúvidas permaneceram incubadas durante meses, até que vonKleist encontrou um site francês “Hunt the Boeing”. A França foi um incubador para muitas das dúvidas sobre o 11 de setembro. O Livro de Thierry Meyssan, editado em 2002, “L’Effroyable Imposture” (“A Impostura Horrorosa”) espalhou novas questões, inclusive as do filme “911 in Plane Site” de vonKleist.
Enquanto que a história do Pentágono atraia as pessoas, porque muito pouco foi visto ou conhecido sobre o ataque, a destruição do World Trade Center foi enterrada na memória coletiva. Eric Humsfed, um designer de software de Santa Barbara, aceitou pelo valor de face os ataques em 11 de setembro e chegou a fazer pouco das nascentes teorias de conspiração. «Aí eu comecei a olhar para aquilo», disse ele a este repórter. «Ficou óbvio que havia alguma coisa errada quanto às torres. Elas pareciam ter sido implodidas». Ele começou a consultar professores de engenharia, pedindo que pesquisassem sobre o assunto,mas nenhum o fez. Assim, ele tomou a causa a si próprio e rascunhou o livro “Painful Questions” (“Perguntas Dolorosas”), no início de 2002 e produziu o filme acompanhante, “Painful Deceptions”, poucos meses depois.
Mais ou menos na mesma época, Dylan Avery estava completando um trabalho como ajudante na construção de um novo restaurante para James Gandolfini. Ele serviu no bar na festa de abertura e quando dispôs de uns minutos a sós com o ator de “Os Sopranos”, ele disse que gostaria de dirigir filmes. «James disse: “Se você quer ser um diretor de sucesso, você deve ter algo que você queira contar para todo o mundo”», relembra Avery. Ele saiu para escrever uma história de ficção sobre o tema: “descobrir que o 11 de setembro foi um trabalho interno”. «A medida em que eu pesquisava para o filme, eu comecei a pensar que isso poderia ser verdade», diz ele.
O momento do Movimento aumentou em 2004, quando George W. Bush resolveu concorrer à reeleição, a Comissão sobre o 11 de setembro terminou seus trabalhos e o National Institute of Standards and Technology emitiu suas conclusões preliminares sobre o colapso dos edifícios. Membros enviaram petições para o Procurador Geral de Nova York, Eliot Sptizer, para convocar um Grande Juri (nota do tradutor: um Juri que decide se há suficientes indícios para processar alguém por alguma coisa) sobre os ataques. Novas figuras apareceram, tais como Kevin Ryan, um cientista na firma de certificações que deu o certificado para o aço usado na construção das torres gêmeas, que foi despedido depois de escrever uma carta para o NIST desacreditando suas conclusões, e William Rodriguez, um faxineiro nas torres gêmeas, que salvou algumas vidas em 11 de setembro.
Rodriguez entrou com uma ação RICO contra Bush, o pai do presidente e três irmãos, o Comitê Nacional (do Partido) Republicano, Alan Greenspan, Halliburton, várias companhias de máquinas de votação e outros (nota do tradutor: “RICO” é o acrônimo para “Racketeer Influenced and Corrupt Organizations Act”, a legislação americana contra o crime organizado). Ele alega que o presidente e sua administração participaram da «aprovação e financiamento dos ataques de 11 de setembro, sequestro, incêndio criminoso, assassinato, traição» a fim de «obter um “cheque em branco” para conduzir guerras de agressão, para consolidar poder político e econômico».
«A culpa dos acusados», alega a petição, «é fartamente sugerida pela sua miríade de mentiras, suas ações impedindo qualquer investigação honesta e sua obstrução e falta de real cooperação até para com … a Comissão de “Investigação”».
É uma questão de conhecimento público que o governo não contou voluntariamente sempre toda a verdade sobre o 11 de setembro. Nos primeiros dias após a tragédia, a Agência de Proteção Ambiental (EPA) declarou que o espaço aéreo estava a salvo. A administração Bush declarou que não houve alertas sobre os ataques. A Comissão Parlamentar de Inquérito foi impedida de discutir as informações que a Comunidade de Inteligência forneceu à Casa Branca. A Casa Branca resistiu e formou uma Comissão Independente, procastionou a liberação de documentos, demorou a permitir que Condoleezza Rice prestasse depoimento em público e concordou em que o Presidente se encontrasse com a CPI, sob as condições de que não seria prestado qualquer juramento, não haveria qualquer transcrição formal e que o Vice Presidente Dick Chenney estivesse a seu lado. Muitos membros da Comissão tiveram que se declarar sob suspeição em partes da investigação, porque suas carreiras no governo e na iniciativa privada os colocavam em “conflito de interesses”. E, em seu relatório final, a comissão “bicou pela lateral” (Nota do Tradutor: no original: “punted”. O “punt” é aquela jogada de futebol americano na qual o time se livra da bola, chutando-a para bem longe) questões tais como de onde veio o dinheiro para os ataques, sob a alegação de que era uma questão de “pouco significado prático”.
A longa lista de confusões deliberadas e obstruções ajudou o “Movimento pela Verdade” a atrair simpatizantes que não compram a idéia de que os ataques tenham sido planejados pelo governo. A Congressista Cynthia McKinney, da Georgia, adotou alguns dos temas do Movimento. O ator Ed Begley Jr. foi co-apresentador de um evento do “Movimento pela Verdade”, em 11 de setembro de 2004, em Nova York, por conta de suas preocupações com o meio ambiente. «Quanto às outras teorias mais fantásticas sobre os eventos de 11 de setembro, eu nem teço outros comentários, a não ser que elas levantam algumas perguntas muito interessantes que eu adoraria ver respondidas», diz Begley a este jornal, em um email.
Outra ativista ambientalista, Jenna Orkin, também admira aspectos do Movimento, mas se distancia de outros. «Eu acho que é terrivelmente importante», diz ela, «distinguir entre as questões legítimas e as paranóias – e as paranóias contaminaram as questões legítimas de uma maneira muito destrutiva».
Traçar essa linha rachou o Movimento. Muitos ativistas da “Verdade” agora rejeitam a “teoria do suporte (de míssil)” e seu primo “o clarão”, que alegavam que os aviôes que atingiram as torres, tinham formatos não usuais em suas barrigas que poderiam ser suportes para mísseis (que teriam sido disparados antes do choque, daí o “clarão”). Mais desacreditada ainda é a teoria de que nenhum avião de verdade atingiu as torres – que o que vimos eram modelos de controle remoto (“drones”) ou hologramas. Até a teoria de “nenhum avião no Pentágono” divide os “pela Verdade”.
Alguns dos teóricos alternativos evitam eventos que envolvam a Imprensa Livre da América, que reportou muitas das peças vitais da história da “Verdade” mas tem ligações com a neo-nazista Barnes Review. E quase ninguém quer falar de de Jimmy Walter, cujo dinheiro (ele ofereceu um milhão de dólares para quem pudesse provar que as torres cairam por causa do incêndio) ajuda, mas cuja defesa de uma sociedade sem punições, não. As discussões nem sempre são amigáveis. VonKleist, um dos principais propositores da “teoria do suporte”, diz que o Movimento foi “tremendamente infiltrado”. E Hufschmidt rotula a maior parte do Movimento “parte do movimento criminoso que realizou o ataque em primeiro lugar”.
Disputas intestinas não são incomuns entre pessoas que acreditam em conspirações. Mesmo assim, rotular os menbros do “Movimento pela Verdade” de “teóricos da conspiração” é errado por duas razões. Primeiro, porque não há dúvida de que o 11 de setembro foi uma conspiração – a questão é se foi uma conspiração entre os terroristas muçulmanos, ou se há outros envolvidos. Segundo, muitos dos “pela Verdade” negam qualquer teoria. Eles resistem aos esforços para construir uma história alternativa para o crime.
«Eu não posso explicar isso. Essa não é minha função», diz o antigo ministro do Gabinete Germânico Andreas von B, um líder dos céticos sobre o 11 de setembro na Europa, em um recente documentário holandês. VonKleist usa a mesma linha. Ele não cria teorias sobre coisa alguma. Ele diz: «Eu apenas faço perguntas».
Isso parece inicialmente justo, só que não é. As perguntas do Movimento implicam em uma versão diferente da história e o verdadeiro teste é se essa alternativa é mais ou menos plausível do que a versão oficial. Dizendo que estão apenas verificando os fatos, os ativistas “pela Verdade” evitam abordar as fraquezas de suas lógicas. Por que as explosões no Trade Center teriam acontecido muitos minutos antes da implosão? Por que o governo destruiria o WTC7, quando ninguém sabia ou se importava com ele? O que aconteceu com as pessoas nos aviões?
Alguns dos céticos, entretanto, não são tímidos. O político extremista Lyndon LaRouche pensa que os atentados foram “uma tentaitva de golpe de estado militar”, Hufschmid diz que os terroristas árabes eram “figuras de proa” para diversos governos, inclusive o dos EUA e, possivelmente, Grã-Bretanha, França, Canadá e Israel. Ruppert, um adepto da teoria de que as reservas de petróleo chegaram a seu pico e que a economia à base de petróleo está correndo grande perigo, postula que o 11 de setembro foi um esforço desesperado, feito por algumas dúzias dos membros das elites nas administrações Clinton e Bush, para se apoderar das fontes de energia remanescentes. Sua versão sublinha as ligações entre a CIA e Wall Street e o cartel das drogas, suspeitas contra o Serviço Secreto e uma conspiração para se livrar de 4 bilhões de pessoas no mundo para reduzir a demanda por petróleo.
Para os passageiros que saltam na estação do metro e sobem as escadas para o “Marco Zero” em um sábado qualquer, o “Movimento pela Verdade sobre o 11 de setembro” é difícil de passar despercebido. Logo na saída ficam Jamieson, Rudkowski e alguns compatriotas segurando uma faixa que declara “O 11 de Setembro foi um Trabalho Interno”. Panfletos são distribuídos e alguns dos livros principais do “Movimento pela Verdade” estão à disposição, se um passante quizer debater, o que acontece um par de vezes toda semana. Uma mulher estava rotulando de “bullshit” a idéia de que todo o governo estivesse por trás da trama. Jamieson balança a cabeça. «Não foi todo o governo», diz ele. «Somente uma pequena facção».
Está frio e alguns passantes riem. Não tem sido fácil, diz Rudolwski, mas ele vê um progresso. «A princípio, minha família me achava um idota», lembra ele. «Agora eles estão apenas assustados». Avery e vonKleist dizem que distribuiram algo em torno de 50.000 cópias de seus respectivos filmes, mas o total de pessoas que assistiu os filmes deve ser muito maior, levando em conta que eles devem ter sido exibidos a grupos maiores ou menores. No Marco Zero, no porão da Igreja e nas entrevistas, os membros do “Movimento pela Verdade” são otimistas quanto a sua cruzada ir longe. O que fica claro é que será difícil, senão impossível, para muitos deles mudar de idéia. Uma vez que você acredita que as fontes oficiais não são dignas de crédito porque elas fazem parte da conspiração, torna-se difícil aceitar qualquer prova em contrário.
Tome o “Brief” Diário Presidencial de 6 de agosto de 2001: forçando sua divulgação, a Comissão do 11 de setembro mostrou para o mundo que o Presidente sabia de alguma coisa sobre ameaças extremistas. Mas, para Alex Jones, o apresentador de rádio anti-governamental que pensa que o FBI foi quem planejou o ataque a bomba ao WTC em 1993, o episódio do BDP foi somente uma manobra para que a Comissão parecesse independente. Quando este Jornal disse a Avery que uma testemunha chave entre os bombeiros negou ter dito alguma vez que existissem bombas nas torres e que o “conhecimento antecipado” do Prefeito de San Francisco. Willie Brown, dos ataques parecia ser limitado a alguma coisa que o Departamento de Estado tinha publicado no seu Website, o diretor não se mostrou abalado. «É apenas um dos indícios», disse ele sobre o alerta de Brown.
Ele não está só. Embora o “Movimento pela Verdade” seja rápido em detetar mudanças nas histórias contadas pelo governo, sua própria versão mudou diversas vezes. Meyssan primeiro disse que um caminhão-bomba tinha atingido o Pentágono, depois sugeriu que um “drone” ou um míssil “Cruise” teria feito a coisa. Primeiramente, os céticos disseram que os danos nos anéis interiores do Pentágono eram muito pequenos para terem sido causados por um 757; agora, alguns dizem que os danos são grandes demais. O número de sequestradores que, supostamente, ainda estão vivos, tem subido e descido ao longo dos anos.
A chave para entender o “Movimento pela Verdade” é perceber que seus membros não desacreditam de todas as instituições do governo dos EUA. Ao contário, suas teorias se baseiam em um saudável respeito pelo poder e competência das unidades de Defesa Aérea, agentes do FBI, projetistas de altos edifícios e outros.
Por que Bush diria erradamente que tinha visto o primeiro avião bater, na TV? Como o FBI poderia ter deixado passar tantos indícios? É plausível que a CIA tenha ignorado todos esses avisos? E, depois de todas as supostas múltiplas falhas da FAA e do NORAD em 11 de setembro, como é que ninguém foi despedido?
É estranho. Para um grupo de pessoas que abriga tantas dúvidas acerca das intenções de seu próprio e de outros governos, da mídia e concidadãos, a maior parte do “Movimento pela Verdade” jamais suspeita, por um minuto, de que os gastos com defesa tenham sido dinheiro jogado fora, que o FBI é uma burocracia desajeitada, que nossas agências de espionagem sejam surdo-mudas e que nossos arranha-céus não são 100% seguros. Eles não parecem preocupados em poderem estar sendo parceiros inocentes em uma conspiração muito mais mundana para obscurecer os limites da segurança e da ciência. Às mentiras da administração Bush, muitos no “Movimento pela Verdade” respondem com uma desconcertante e familiar certeza. “Eu não posso pular de volta para o outro lado”, diz Avery. “Eu sei que o que eu estou fazendo é certo”.
Bom… Para quem acompanhou as críticas feitas à Administração Bush sobre a resposta do governo federal ao Furacão Katrina, quem tem algum conhecimento sobre os antecedentes do envolvimento dos Estados Unidos na 2ª Guerra Mundial, e conhece um pouco sobre construção civil (e sabe que as Torres Gêmeas foram feitos para “implodir” em caso de risco de desabamento: imaginem se elas tivessem tombado de lado… até hoje estariam tirando entulho de Wall Street…), nada parece tão misterioso assim…
Talvez as pessoas prefiram acreditar em uma conspiração maquiavélica, do que admitir que o presidente que elegeram é um imbecil incompetente. O que, absolutamente, não é privilégio dos americanos…
Não prendam o fôlego…
Salve, Pessoal!
Eu estou em processo de traduzir uma matéria excelente sobre “profiling”, publicada na The New Yorker, chamada “TROUBLEMAKERS: What pit bulls can teach us about profiling” cujo link eu achei no Blog do Daniel aqui.
Mas, além da matéria ser longa e complexa, eu estou sendo avassalado por probleminhas idiotas tais como o meu monitor ficar sem o canhão vermelho, chuvas de verão que acabam com a luz de repente (levando meia hora de trabalho junto…) e coisinhas aporrinhantes como uma invasão de baratas e ratos, expulsos dos esgotos pelas enxurradas.
Quem não tiver paciência para esperar a tradução, pode clicar no link acima. Mas vai perder algumas das considerações que eu pretendo tecer sobre as técnicas de “profiling”.
Por enquanto, é só… (eu já ouvi isso antes…)
Mas que droga!…
Para começar bem o ano, mais uma tradução… Desta vez é de um artigo do Times de Londres (original aqui). Sem mais delongas:
The Times 02 de Janeiro de 2006
Tolice pode ser um narcótico, também
Jamie Whyte
Está na hora de nossos legisladores pararem de “viajar” na hipocrisia sobre as leis sobre drogas.
POLÍTICOS NÃO SE IMPORTAM com drogas. É um tópico tal como a religião: uma vez que a posição oficial é uma tolice, os detentores de cargos oficiais não gostam de discutí-lo, se puderem evitá-lo.
Infelizmente, as drogas estão invadindo o establishment pelo lado de dentro. Primeiro foi Kate Moss, depois David Cameron e, agora, o Conselho Advisório sobre o Abuso de Drogas, com seu relatório sobre a classificação criminal da Cannabis. Todo o establishment está em campo: a “patuléia”, a aristocracia e a burocracia. Não há onde se esconder. Está, de novo, na hora de “debater as drogas”.
O “debate sobre as drogas” funciona asssim. A maior parte pensa que a produção, venda e consumo de drogas recreativas, tais como cannabis, ecstasy, cocaína e heroína, deve ser ilegal. Eles apontam para os danos que o uso de drogas causam à saúde dos usuários: morte, danos ao cérebro, câncer de pulmão e por aí a fora. (Todos os outros males causados pelo tráfico de drogas decorrem de sua ilegalidade e, assim, não são usados como argumentação).
Os que acham que as drogas devem ser legalizadas – “somente as leves, é claro; nós não somos loucos” – se resumem a John Stuart Mill. Pessoas adultas conscientes, em um país livre, deveriam ser capazes de causar a si próprias todos os danos que quizessem. O Estado pode legitimamente limitar nossa liberdade para impedir que prejudiquemos os outros, mas não para impedir que prejudiquemos a nós mesmos.
Mill provavelmente estava certo. Mas o argumento não é inteiramente adequado porque ele admite tacitamente que as pessoas se prejudicam ao consumir drogas. E nós vivemos em uma era em que o “bem-estar” prevalece sobre a liberdade, sempre. Os políticos modernos gostam de dizer que é uma tarefa muito difícil encontrar o equilíbrio entre o “bem estar” e a liberdade. Mas não é nem um pouco difícil adivinhar para que lado a balança deles penderá.
Então, para obtermos nossa liberdade, devemos encontrar legisladores que vejam que as drogas são, de fato, “boas para seus usuários”.
Esta afirmativa vai surpreender muitos leitores. Será que Whyte pôs as mãos em alguma pesquisa radicalmente nova acerca dos efeitos psicológicos e fisiológicos das drogas? Não. Eu tenho em minhas mãos uma teoria perfeitamente ortodoxa sobre o “bem estar” que é sempre esquecida no “debate sobre as drogas”. Uma coisa é “boa para você” se seus benefícios são maiores que seus custos. Caso contrário, ela é “má para você”.
Este princípio simples significa que você não pode honestamente recomendar alguma coisa considerando somente seus benefícios, nem condená-la considerando somente seu custo. Este último engano é o mais favorecido no “debate sobre as drogas”. As pessoas persistem infinitamente – e freqüentemente de modo exagerado – em falar sobre os riscos para a saúde no consumo de drogas, como se isso fosse suficiente para demonstrar que drogas são “más para você”. Isto é um absurdo. Se você considerar somente os custos, então tudo é “mau para você”. Comer tem seus custos, tais como o preço da comida e o risco de engasgar e sufocar. Devemos, então, concluir que “comer é mau para você”?
A verdadeira questão não é se o uso de drogas tem custos. Toda atividade o tem. A questão é se estes custos são maiores do que os benefícios do uso de drogas. É fácil demonstrar que não, mas, primeiro, devemos reconhecer qual é o maior benefício. Isso deveria ser óbvio, mas, por alguma razão, ninguém envolvido no “debate sobre as drogas” sequer menciona isso. O maior benefício do uso de drogas é que isso causa prazer. De fato, pode ser incrivelmente prazeiroso. Por isso as pessoas o fazem.
E também porque isso é “bom para eles”. Os usuários de drogas são, simplesmente, pessoas para as quais o prazer é mais importante que o risco de morte, doença, vício e todo o resto. Em outras palavras, são as pessoas para quem os benefícios do uso de drogas são maiores que os custos. Se não fosse assim, eles não seriam usuários de drogas. Isso não é verdade para todos. Alguns dão mais valor à saúde do que ao prazer. Para estes, usar drogas resultaria em uma perda. Tudo bem: essas pessoas não usariam drogas, mesmo que elas fossem legais.
O ponto não é peculiar apenas às drogas. Mudemos de exemplo. Jogar golfe é “bom para você”? Isto depende de quanto valor você dá valor à parte boa (o exercício, a companhia, as belas roupagens) e quanto valor (negativo) você atribui à parte ruim (o exercício, a companhia, às belas roupagens). Se seus valores apontam que jogar golfe traz um benefício, você jogará. Senão, você não jogará. “Bem estar” e liberdade estão em perfeita harmonia. As pessoas só fazem voluntariamente o que é “bom para elas”.
Desde que, é claro, estejam adequadamente informadas. Se você subestimar o custo de alguma atividade, você pode fazê-lo, mesmo que os custos superem os benefícios. Esta possibilidade é algumas vezes usada para justificar a criminalização das drogas. Mas a subestimação é uma faca de dois gumes. As pessoas podem deixar de fazer alguma coisa que seja “boa para elas” porque subestimam seus benefícios. Aqueles que nunca tomaram Ecstasy não podem saber como é maravilhoso. Será que o uso experimental deveria ser compulsório, para eliminar esse risco?
Em 1990, 15 homens que, voluntariamente, cortaram as genitálias uns dos outros, por puro prazer sexual, foram condenados por “lesão corporal” (nota do tradutor: o crime, em inglês é chamado “assault”, que seria traduzido por “agressão”; mas a figura no Código Penal Brasileiro que melhor se adapta é “Lesão Corporal”). Por que seu consentimento não foi levado em conta como circunstância dirimente? Se o consentimento não foi, então por que o Rugby não é considerado “lesão corporal”? Na apelação (negada) em 1992, Lord Lane explicou. O consentimento é dirimente somente se o dano físico for causado por “um propósito meritório”. Rugby é um “propósito meritório”; prazer sexual, não é.
Eu suspeito de que é um raciocínio similar que faz com que os legisladores sistematicamente desprezem os benefícios das drogas. Não é suficiente que as pessoas dêem valor a alguma coisa. Para que conte como benefício, nossos sábios mentores em Westminster têm que julgá-la “meritória”. E, como no caso do mero prazer sexual, eles não consideram “ficar doidão” como “meritório”.
Não é nossa preocupação com nosso “bem estar” que explica a ilegalidade do uso de drogas. É hipocrisia.
O autor é um filósofo.
Copyright 2006 Times Newspapers Ltd. (traduzido e reproduzido sem permissão, é claro…)
Ainda sobre o Aquecimento Global…
Após um período de (festejada por alguns, eu sei…) ausência, eis que retorno a um tema que tem me incomodado muito: as grandes mudanças climáticas, em especial o “aquecimento global” e a “elevação dos níveis dos oceanos”.
Tá bem… Eu sei que a maioria das previsões sombrias são puro alarmismo, coisa de “eco-chato” delirante, etc. Mas será que, realmente, podemos nos dar ao luxo de descartar esses avisos que prenunciam catástrofes generalizadas? Será que tudo isso é só delírio? E se não for?…
Olhem só a matéria que eu encontrei no “Le Monde”…
Logo teremos milhões de refugiados expulsos pelo oceano
LE MONDE | 17.12.05 | 14h03 • Atualizado em 17.12.05 | 14h03
No mês de agosto, a centena de habitantes de Lateu, no arquipélago de Vanuatu, na Oceania, entraram de maneira bastante involuntária para a história. Sua vila, às margens do Pacífico na ilhota de Tegua, foi a primeira no mundo a ser deslocada em função do aquecimento global e da subida dos níveis dos oceanos. Com as raízes dos coqueiros submersas, os ciclones e as grandes marés se encadeando em uma cadência inédita, a modesta barreira de coral de 1 metro, última linha de defesa contra as inundações, se erodiu; os mosquitos portadores de diversas doenças prosperavam nas poças de água estagnada…
Foi, portanto, necessário partir para algumas centenas de metros para o inteiror da ilha. Lateu hoje é um símbolo. Seu caso foi evocado, em 6 de dezembro, na conferência em Montreal sobre as mudanças no clima.
Hoje, Vanuatu. Amanhã, as Ilhas Tuvalu. Este será o primeiro Estado a desaparecer por causa do clima, já que a altitude média desse arquipélago não passa dos dois metros. Em 2001, o país concluiu um acordo para que os cerca de 11.000 tuvaluanos sejam acolhidos pela Nova Zelândia. Depois de amanhã, será a vez de Bangladesh, onde uma grande parte do território se situa ao nível do mar, e que já é freqüentemente atingido por inundações catastróficas. Segundo o relatório do grupo de experts intergovernamental de 2001, sobre a evolução do clima (GIEC), se os oceanos subirem 1 metro, o que provavelmente vai acontecer neste próximo século (sic), 30.000 km² de Bangladesh vão desaparecer sob as águas, ou seja, 20% de seu território. Atualmente, nesta imensa zona “alagável”, vivem 15 milhões de pessoas… Para onde irão elas?
O fenômeno dos “eco-refugiados”, como são chamdos os deslocados por mudanças climáticas, só agora começa a ser bem identificado, apesar de ter aparecido desde um relatório de 1985 do Programa das Nações Unidas para o Ambiente. «Na época, a definição de “refugiados do ambiente” era extremamente abrangente», relembra Véronique Lassaily-Jacob, professora de geografia na Universidade de Poitiers e pesquisadora especializada em migrações forçadas no laboratório Migrinter. «Ela incluia todas as populações obrigadas a deixar suas residências em decorrência de uma ruptura nas condições ambientais, tais como terremotos, catástrofes industriais. Atualmente, a orientação para a definição é mais restrita aos fatos ligados a mudanças climáticas.»
Nos dias de hoje, as principais causas das migrações ambientais são as secas e a desertificação – notadamente na África Subsaariana –, bem como as inundações. Mas «existem razões fundamentadas para crer que o número de pessoas em fuga de condições ambientais insustentáveis, aumente de maneira exponencial no momento em que o mundo seja submetido aos efeitos da mudança climática», afirma Janos Bogardi, diretor do Instituto para o Ambiente e a Segurança Humana da Universidade das Nações Unidas (Bonn. Alemanha).
Além dos arquipélagos pouco elevados do Pacífico e de Bangladesh, a elevação dos mares deverá ameaçar os grandes deltas, como o do Mekong e o do Nilo, 70% da costa da Nigéria, bem como a maioria das “megacidades” do futuro. Das 21 cidades que, em 2015, deverão ter mais de 10 milhões de habitantes, se constata que 16 delas estão situadas em regiões costeiras. Mas a elevação dos níveis dos oceanos não fará apenas desaparecer os territórios: ela também tem efeitos colaterais perversos, como a salinização de terras agricultáveis e a poluição de lençóis freáticos que ainda permitem a difícil agricultura, e mesmo a vida, nas costas. O relatório do GIEC prevê, notadamente, uma redução generalizada dos rendimentos agrícolas e uma diminuição da disponibilidade de água em certas zonas que causarão migrações forçadas.
O aquecimento do planeta acentuará, igualmente, os acidentes climáticos extremos, tais como furacões e as secas. Assim, na China, o deserto de Gobi ganha mais de 10.000 km² a cada ano, um fenômeno também encontrado no Marrocos, na Tunísia e na Líbia. Quanto à temporada de furacões excepcional que fustigou o Golfo do México em 2005, ela pode muito bem ser uma amostra da norma para o século XXI. Teremos que reconstruir New Orleans a cada dez anos, no futuro?
Bem mais ao Norte, as populações Inuits vêem, a cada dia, seu ambiente, suas tradições e seu modo de vida se moficiar, em função do encurtamento da estação fria, da fonte dos gelos e do encharcamento do solo (Le Monde, 16 de novembro).
Bogardi avalia em 25 milhões o número atual de eco-refugiados – para os quais não existe status jurídico algum – e estima que esse número deve dobrar até 2010. O especialista britânico em ambiente Norman Myers adianta para 2050 uma cifra de 150 milhões de emigrantes atribuíveis ao aquecimento climático, ou seja, em torno de 1,5% da população mundial naquela época… «Todas essas estimativas têm pouca credibilidade, variando extremamente, conforme a fonte», tempera Véronique Lassaily-Jacob. «Elas têm um objetivo alarmista: criar o pânico coletivo de ver chegar hordas de refugiados do ambiente que viriam invadir os países do Norte. Mas se esquecem que essas migrações se fazem, geralmente, para o inteiror dos países de
origem e que as populações, ao menos em um primeiro estágio, colocam em prática estratégias de adaptação às transformações climáticas». Enfim, se a Holanda, habituada de longa data a lutar contra o mar, dispõe da tecnologia e do dinheiro para contemplar futuras cidades flutuantes, este certamente não será o caso de Bangladesh.
Pierre Barthélémy
Sem maiores comentários…
As raízes dos motins na França
Depois de perder meu tempo durante uma semana, lendo os jornais fanceses em busca de explicações sobre os motins que continuam agitando a França, a despeito da invocação de um “Estado de Emergência” que data da guerra de independência da Argélia, eu acabei encontrando uma explicação coerente…. no Times de Londres: esta notícia publicada na edição de hoje. Lá vai a tradução:
The Times 12 de Novembro de 2005
“A pressão vem crescendo por 30 anos. Tinha que explodir”
Por Charles BremnerÀ medida em que 2.000 policiais extras são trazidos para combater os motins em Paris neste fim de semana, um jovem muçulmano que cresceu no ambiente, conta como ele evitou o caminho fácil da violência e dos pequenos crimes para alcançar o sucesso nos negócios.
A próxima revolta nas terras francesas “será mais explosiva, eles usarão armas militares. Eles já têm Kalashnikovs e lança foguetes lá”, diz um homem de 29 anos, nascido em Marrocos, da mais notória de todas as cidades satélite de Paris.
A previsão, dita com um sotaque árabe, não vem de um dos cabeças-quentes que fizeram badernas na noite passada.
A opinião é a de Aziz Senni, um dos raros bérberes, etnicamente Norte-Africanos, que conseguiu achar seu caminho para fora dos subúrbios e para o sucesso nos negócios.
O Sr. Senni era um bebê quando seus pais o trouxeram para a França e um lar em Val Fourre. O grande subúrbio de Mantes-la-Jolie, no Noroeste do Sena em Paris, é mais conhecido pelos sangrentos motins de 1991. Estes se tornaram o roteiro do filme “La Haine” (“O Ódio”), um filme de sucesso entre os jovens desesperançados dos subúrbios.
Junto com cinco irmãos mais moços, o Sr. Senni cresceu sob as vistas de um rigorososo pai ferroviário. “Les Gaulois”, os franceses brancos, abandonaram os subúrbios. O Sr. Senni estava bem no meio da violência de 1990, mas aos 23 ele tinha conseguido escapar do círculo vicioso de desesperança.
Ele evitou o caminho comum de sobrevivência mediante pequenos delitos, obteve um diploma comercial e fundou uma companhia de transportes em Mantes.
O ATA, um serviço de franquia de taxi comunitário, agora opera em diversas cidades e o Sr. Senni atraiu a atenção do President Chirac e da mídia nacional, enquanto permanece nos subúrbios, onde ainda tem suas raízes.
Com um timing perfeito, ele conta sua história em um livro publicado na mesma semana em que dois garotos foram eletrocutados em Clichy-sous-Bois. Ele não ficou surpreso quando a tampa da panela de pressão explodiu em Clichy, em 27 de outubro, e inflamou os subúrbios ao longo do país.
“A pressão tem-se acumulado por 30 anos e as coisas estão muito piores desde a última vez. Tinha que explodir de novo”, disse ele ao Times ontem.
O gatilho foi Clichy, mas a raiva foi alimentada pelas palavras insultuosas e as rudes táticas policiais de Nicolas Sarkozy, o Ministro do Interior, disse ele.
Os animos parecem ter-se acalmado, embora a policia esteja pronta para uma possível re-ignição durante este fim de semana.
A mensagem do Sr. Senni também é rude. Ele diz que as minorias devem usar seus próprios recursos para sair dos guetos. Seu livro se intitula “O Elevador Social está quebrado. Eu fui pelas escadas” (publicado pela editora Archipel).
“L’ascenceur Social” é a doutrina pela qual a República igualitária deveria ter promovido suas minorias ao nível de prosperidade geral, Quando as oportunidades de emprego em massa atingiram um patamar, a partir do final da década de 1970, o elevador parou, deixando os árabes étnicos e os negros residentes dos subúrbios no porão.
O Sr. Senni não é amargo. Com o entusiasmo de um jovem empresário, ele se declara orgulhoso de ser francês e um muçulmano moderado. Ele despreza o que ele chama de hipocrisia do modelo gálico falido.
“A França precisa de psicanálise. Ela ainda não consegue se olhar no espelho e entender quem é”, diz ele. “A França ainda vive no início do século XIX, pensando que ainda é um país branco e fortemente rural. Ela não percebeu que suas crianças mudaram”.
O pleito das gerações imigrantes tem sua fonte no que ele chama de uma mentira de estado. A França trombeteia seu modelo de igualdade sem distinções de cor, “enquanto Sarkozi e o resto lhe empurram na direção comunitarianismo”, disse ele.
Este é o termo usado para condenar as comunidades que se mantém separadas, da mesma forma que os modelos multiculturais que existem em outros lugares.
“Você não pode fazer parte de uma comunidade”, disse ele. “Se você tentar e for um muçulmano, eles associam você a al-Qaeda”.
Ele reconhece as falhas do sistema “Anglo-Saxão”, mas admira a maneira em que este é mais aberto às minorias.
Ele cita um primo, com curso de pós-graduação, que só conseguiu encontrar emprego como vendedor de aspiradores de pó.
“Ele veio para a Inglaterra, há três anos, e foi recrutado pela BP. Eles o puseram em um programa de aprendizado rápido e o mandaram para mais treinamento em Oxford. Agora ele está iniciando seu próprio negócio”.
O Sr. Senni diz que a França deve fazer sua doutrina de igualdade funcionar, usando o estilo americano de ação afirmativa.
Uma tal discriminação positiva, oficialmente rejeitada, é necessária, segundo ele, para resgatar as minorias de escolas que limitam a maior parte dos alunos a treinamentos para profisões de baixo perfil, e de empregadores que rejeitam candidatos com nomes que soam estrangeiros.
A idéia, ainda rejeitada pela corrente majoritária política, agora está ganhando terreno.
Seu maior entusiasta é, paradoxalmente, o Sr. Sarkozy, um presidenciável que concorda com a maior parte dos pontos de vista do Sr. Senni, embora atice os ressentimentos com sua repressão policial.
A mensagem do Sr. Senni para os baderneiros é que ele entende sua raiva, mas que eles têm que rejeitar a violência.
“Eu digo a eles que um voto é mais poderoso do que um coquetel molotov”.
Eles devem achar seus próprios líderes políticos, disse ele. Os partidos são regidos por uma elite que não entende os pobres, acredita ele. Ele só tem desprezo pelo Partido Socialista o qual, diz ele, alardeia velhas palavras de ordem do dogma marxista e não consegue ajudar os pobres quando está no poder. (Nota extemporânea do tradutor: qualquer semelhança com um certo partido da esquerda brasileira, será mera coincidência???)
“Nenhum político sabe o que é olhar para uma geladeira vazia e ter que dizer que: compras, só daqui a dez dias”.
O que a França tem pela frente? Comentaristas sociais ventilam suas vistas
Laurent Joffrin, Editor da revista “Nouvel Observateur”: “Uma vez que a calma tenha sido restaurada, será que a França vai aceitar a divisão, admitir que partes inteiras de seu território vivem em dissidência, com um cordão de homens de capacete em torno delas, e sujeitá-las, por conta da desesperança social, à vigilância com caminhonetes com luzes azuis ou a um toque de recolher que data da guerra da Argélia? Ou será que, através de novos esforços e medidas realísticas que consistiriam em uma ruptura com tudo o que vem sendo feito, vai se por no caminho de uma reunificação republicana? Uma porção de coisas já foi feita: e não funcionaram. Um novo capítulo deve ser escrito”.
Michel Wieviorka, sociologista: “Os motins dos últimos dias sublinharam a indignação, a raiva, um profundo sentimento de injustiça e de rejeição”.
“Eles nos lembram de que não resolvemos coisa alguma desde os anos 1970 e o primeiro de nossos “verões quentes”: setores inteiros de nossa juventude são sacrificados em nome de nosso modelo de integração em decomposição, que se pretende baseado na República, mas que esquece igualdade e fraternidade para grande parte da população, e que se descreve como social, enquanto deixa esta mesma população lutando contra o desemprego, a exclusão e a pobreza”.
Alain Duhamel, comentarista político: “A República Francesa queria mostrar ao mundo que, com seus valores seculares, seu sistema educacional, sua linguagem, sua história, seus princípios universais e seu Estado Forte, era capaz de transformar qualquer estrangeiro, de qualquer continente, qualquer que fosse a cor de sua pele e quaisquer que fossem suas crenças religiosas, em um verdadeiro Gaulês patriótico, com um bigode e uma tendência a resmungar”.
“Essa assimilação metódica é uma das chaves da famosa, indiscutível excessão francesa”.
“Outros países – os Estados Unidos, Grã-Bretanha, Alemanha, Holanda, Canadá – escolheram o caminho diferente do multiculturalismo e do comunitarismo. Eles aceitaram, eles encorajaram os imigrantes a se apegar a suas culturas, suas línguas, suas memórias, seus hábitos originais. Eles lhes deram uma margem de autonomia, de auto-organização. Eles admitiram, eles proclamaram, eles facilitaram essas diferenças”.
“Na França, o cadinho republicano, este misterioso e singular receptáculo, tentou o oposto. De múltiplos imigrantes, ele tentou formar um único tipo de cidadão. Por um longo tempo, Paris observou os motins raciais e as lutas, nos países que optaram pelo comunitarismo, com um ar de zombeteira superioridade”.
“Hoje, é sua vez de chorar sobre seu modelo em chamas”.
Alain Etchegoyen, filósofo: “A República não está ameaçada por estas fagulhas de curta duração que acendem os fogos. Estas são cenas terríveis em palcos improvisados, mas o que ocorre nos bastidores é muito mais preocupador”.
“A ditadura de curto período vai produzir uns poucos anúncios que serão seguidos de discussões semânticas”.
“A miopia ameaça nossos governantes. Os assessores ministeriais sabem que não sabem coisa alguma acerca da vida diária dos distritos problemáticos. A maior parte de nossos intelectuais está melhor informada sobre a Chechênia do que sobre Clichy-sous-Bois”.
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Eu acredito que a melhor colocação foi feita Alain Duhamel, acima. A arrogância francesa não consegue adimitir que alguém, seja lá quem for, possa discordar da “evidente superioridade” do modelo gaulês. O igualitarismo republicano funciona assim: todos os homens são iguais – iguais aos franceses, é claro!… Se não forem, que tratem de se tornar!
E o pior é que essa megalomania foi a responsável pelas sucessivas derrotas francesas na Segunda Guerra Mundial e no esfacelamento do império colonial. Mas, como eu sempre me repito: o pior nos imbecís é que eles são imbecís…
O mais assustador, no entanto, é a acusação feita ao Partido Socialisata por Senni: repetir chavôes marxistas, quando na oposição; se comportar como qualquer outro direitista, quando no poder. A versão dublada em pt-br está sendo exibida atualmente em Brasília, para desespero dos multi-étnicos brasileiros…