Sobre enzimas e evolução
Confie em mim, eu sou uma acetil-transferase
Como encontrar virtudes em uma enzima
Science Notebook por Terence Kealey
The Times 7 de agosot de 2006
EM SUA OBRA, “A Riqueza das Nações”, Adam Smith mostrou como o crescimento econômico era dependente da especialização: um homem, sozinho, podia fazer somente 20 alfineites por dia, mas uma equipe de homens, cada um com um serviço especializado, um fazendo o corpo do alfineite, outro afiando a ponta, outro fazendo a cabeça, e por aí afora, podiam montar 4.800 alfineites por dia.
Assim é a Natureza. Experiências mostram que uma sopa primordial que imite as condições da jovem Terra (uma solução de amônia, cianeto e outras substâncias químicas tóxicas), quando aquecida e eletrocutada, faz aparecer uma substância chamada RNA [nota do tradutor: RNA = ácido ribonucleico. A descrição é algo exagerada: aparecem alguns aminoácidos que compõem o RNA, não um RNA pronto] . O RNA é notável porque, tal como o DNA [N.T: DNA = ácido desoxirribonucleico, a “dupla-hélice” do código genético] ele pode codificar sua própria reprodução (o que é a própria definição de vida) [outra N.T: outra afirmação simplista e exagerada – um vírus é capaz disso, mas não está, exatamente, vivo] e é, também, um catalizador que pode dirigir reações químicas. Portanto, presumivelmente a vida primitiva tinha como base o RNA que servia tanto como molde para reprodução, como de catalizador para esta reprodução.
Mas o RNA, de certa forma, é como o solitário fabricante de alfineites. Ele não é um bom molde para a reprodução (ao contrário do DNA, ele é instável), nem um bom catalizador (proteínas são melhores). Uma vez que o RNA pode servir de código para o DNA, e como o RNA também pode ligar aminoácidos em proteínas, a vida evoluiu de uma forma que o DNA se especializou em herança, enquanto as proteínas, tais como enzimas, se especializaram em catálises de alto desempenho. O RNA é um mero mensageiro entre os dois.
A vida continuou a se especializar. As células de animais e plantas mais evoluídos contém organelas tais como mitocôndrias (que se especializaram em usar o oxigênio) que uma vez foram bactérias livres. Eles agora coabitam com nossas células ancestrais, mas mantém seu próprio DNA como prova de seu estado independente anterior.
Igualmente, os próprios animais e plantas surgiram quando as células se juntaram em organismos multicelulares. Todas as nossas células atualmente se especializam – elas não são mais auto-suficientes e, quando isoladas do corpo principal, morrem – mas o que elas perderam em auto-suficiência, ganharam com a cooperação com outras células no complexo do corpo de um animal ou planta.
Em outra de suas grandes obras, “A Teoria dos Sentimentos Morais”, Adam Smith mostrou que as equipes de seres humanos só podem sobreviver se forem embasadas em um sistema de confiança que impeça a trapaça. Igualmente, a cooperação entre as células depende do policiamento da trapaça ou do individualismo, ou vai surgir uma auto-destruição, tal como o câncer.
Em um fascinante artigo, publicado na Nature, Gregory Velicer, do Instituto Max Plank em Tübingen, Alemanha, pode ter identificado uma primitiva química de confiança. Myxococcus xanthus é uma bactéria do solo que, quando o alimento é escasso, se engaja em um ato de auto-sacrifício altruístico. Cerca de 100.000 indivíduos se fundem em um esporo que alimenta, com os restos dos 100.000, uns poucos indivíduos, permitindo sua sobrevivência.
Porém existem cepas trapaceiras de M xanthus que simplesmente invadem os esporos altruísticos e roubam a comida, levando os altrístas à morte. Aparentemente, as trapaceiras são mais espertas do que as altruístas. Entretanto, elas são suicídas, bem como assassinas, porque quando as cepas trapaceira e altruísta são misturadas, sob condições de inanição, todas as bactérias morrem, porque as trapaceiras matam as altruístas sem ter uma estratégia de sobrevivência própria.
Porém, Velicer mostrou, agora, que as trapaceiras são realmente espertas porque, sob estas condições, elas próprias podem, algumas vezes, evoluir por mutação espontânea em altruístas. Assim, na verdade, elas podem sobreviver, uma vez tendo matado as altruístas originais, se tornando elas próprias fabricantes altruístas de esporos. E Velicer mostrou, agora, que o gene que sofre a mutação para promover o altruísmo é um que codifica uma proteína chamada acetil-transferase. Em resumo, acetil-transferase é uma enzima virtuosa. Como? Isso Velicer ainda não sabe.
Mas a acetil-transferase tem ainda outro truque na manga, porque ela assegura que as novas cepas altruístas resistam à invasão por outras trapaceiras. Isto é esperteza, porque a cooperação que fica restrita aos membros de uma comunidade é o segredo do sucesso, não somente entre as bactérias. Empresas de especialistas de fabricação de alfineites podem triunfar sobre fabricantes solitários de alfineites, da mesma forma que, na política, as democracias podem suplantar as tiranias porque seus cidadãos cooperam mais eficientemente. Como Velicer mostra agora, a base para o sucesso dos grupos provavelmente reside em uma classe de enzimas que nós compartilhamos com as bactérias, a classe das acetil-transferases, cujo impacto sentimos da Bolsa de Valores, até o Parlamento.
Boas novas!… Parece que o mau-caratismo é mesmo anti-natural. Comparem com o artigo Cooperação Forçada, neste mesmo Blog.
Discussão - 3 comentários
oi joão carlos,achei interessante mesmo! mas meio forçação de barra do autor atribuir altruísmo/mau-caratismo às bactérias. elas podem se transformar de uma em outra dependendo das condições, então pra mim parece um sistema que evoluiu assim, valores humanos não se aplicam. mas é chute meu.olha, acho que os pedaços de rna aparecem prontos mesmo na sopa primordial, isso é o fantástico. se fossem os componentes não haveria nada de especial, a questão é que eles se organizam.e concordo com você que a definição de vida não é assim tão simples.estou aprendendo sobre rna, parece que ele tem muito mais funções do que se acreditava, e não é assim tão limitado como fabricante de alfinetes.abraço.
não tenho certeza de que mandei direito, então vai de novo. oi joão carlos,acabo de tentar mandar este comentário, mas deu algum erro. vou tentar escrever de novo...achei o artigo interessante, mas meio forçado isso de atribuir altruismo e mau-caratismo às bactérias. me pareceu, pela descrição, que o sistema evoluiu dessa forma, e não que algumas são mal-comportadas... enfim, chute meu.quanto à sopa primordial, pelo que entendo são mesmo pedacinhos de rna que surgem. se fosse seus componentes não haveria muito de especial, a questão é que eles se organizam.concordo com você que a definição de vida não é assim tão simples.o rna é muito interessante, andam descobrindo que ele não é assim tão mau como fabricante de alfinetes...
Maria,muito obrigado por ter comentado (eu precisava mesmo do referendo de alguém com autoridade no assunto).Seus (e de qualquer outra pessoa) comentários só aparecem depois que eu for notificado e liberar (por isso, parecia que o primeiro não tinha chegado). É chato, mas eu tive que ativar a "moderação de Comentários", depois que algumas pessoas resolveram trocar insultos, em lugar de discutir o assunto.