Dez livros que marcaram a minha vida

Com muito tempo livre e sem ter algo mais construtivo para fazer, Rafael e Ana me incluiram numa corrente de Facebook. Com ainda mais tempo livre e com menos algos construtivos a fazer, eu aceitei o convite indicação intimação praga elo (porque é uma corrente, sacou? Hã? HÃ!?). Seguem as instruções.

Consiste em fazer uma lista com os 10 livros (ficção ou não-ficção) que tenham me marcado. A ideia não é gastar muito tempo, nem pensar muito. Não precisam ser grandes obras, apenas que tenham sido importantes pra mim. Eu tenho que marcar 10 amigos que vão gostar da brincadeira. E eles me incluírem quando fizerem suas listas para que eu possa ver a lista deles e conferir boas dicas.

O parágrafo acima está em Comic Sans porque é um trecho copiado. Eu jamais começaria uma frase com “consiste em”. O “e eles me incluírem” também não é da minha safra. Mas se vocês passaram mais que dois minutos no Facebook ultimamente sabem do que se trata. Então vamos aos livros:

1) Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa – Aurélio Buarque de Hollanda Ferreira. Não somente para consulta. Eu o li de capa a capa e esse exercício em inutilidade foi bom para o desenvolvimento do meu pedantismo.

O primeiro Aurélio

Eu já lia Aurélio antes de virar Aurélio.

2) Bíblia Sagrada, Nova Versão Internacional – vários. Esta versão em especial é importante porque foi escrita por gente que sabe “tu” e “vós” saiu de voga há muito e que palavreado rebuscado é apenas uma forma de arrebanhar a massa ignorante que mal sabe escrever o nome direito, quanto mais conjugar verbos irregulares em segunda pessoa ou entender que está sendo ameaçado por um aproveitador da ingenuidade alheia. Também lida de capa a capa, me fez entender o sentido da palavra “hipocrisia” e descobrir que muito “religioso de verdade” jamais leu uma só linha do que tanto gosta de impor aos outros.

A seção de fantasia da minha biblioteca

A seção de fantasia da minha biblioteca.

3) Cândido – Voltaire. Me ensinou que otimista só se lasca. E que se você for bonzinho vai se lascar mais ainda.

4) Breve História de Quase Tudo – Bill Bryson. Num dia frio e solitário, numa biblioteca centenária de um país muito, muito distante, este livro reacendeu minha paixão por aprender – coisa que o Sistema Formal de Ensino (SiFodE) me havia estripado anos antes. O universo (ou natureza) é uma coisa massa. Ultramassa. Quem acha que não, ou nunca chegou a ser apresentado ao conceito, ou não gosta de pensar.

Nota-se que ele já foi bem amado. Tem muita informação já ultrapassada, mas continua sendo excelente.

Nota-se que ele já foi bem amado. Tem muita informação já ultrapassada, mas continua sendo excelente.

5) O Médico e O Monstro – Robert Louis Stevenson. Quando li este, ainda criança, notei como somos ruins em traduzir títulos. E quando digo “ruim”, uso no sentido de “aquele que gosta de fazer ruindade”, porque “Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde” não chocaria ninguém.

6) Coleção Descobrir – Editora Globo. Competiu bravamente contra o já mencionado SiFodE pela dominação da área da curiosidade no meu cérebro[1]. Perdeu, no entanto. Mas ainda guardo boas lembranças (apesar das instruções para montar uma “armadilha para fantasmas” que vieram em um dos fascículos).

Stevenson, Conan Doyle e King. LeCarre apareceu de gaiato na foto.

Stevenson, Conan Doyle e King. LeCarre apareceu de gaiato na foto.

7) The Meaning of Liff – Douglas Adams. Mais um dicionário, desta vez escrito por Douglas Adams. Fui ameaçado de expulsão da biblioteca supracitada se não conseguisse controlar minhas convulsões gargalháticas. Sofri dores abdominais por uma semana por causa do livro.

8) Dicionário Filosófico – Voltaire novamente. Terceiro dicionário. Poderia roubar e incluir um quarto, o Dicionário do Diabo, de Ambrose Bierce, mas este é bem parecido com aquele, o Filosófico sendo melhor. Me ajudou a entender que sarcasmo, ironia, desconfiança e chacota são armas mais poderosas que dogmas ou ameaças termodinamicamente impossíveis na criação de caráter.

Foto tirada em frente à biblioteca anteriormente aludida

Foto tirada em frente à biblioteca anteriormente aludida.

9) O Cão dos Baskervilles – Arthur Conan Doyle. Olá, ceticismo. Tudo bem? Meu nome é Igor Santos, prazer conhecê-lo.

10) O Homem que Confundiu Sua Mulher com um Chapéu – Oliver Sacks. Ninguém é normal mas ninguém demonstra saber disso. Apenas alguns não conseguem esconder.

Oliver Sacks, mais um médico que sabe escrever.

Oliver Sacks, mais um médico que sabe escrever.

Quase entrou na lista: Uma Breve História do Tempo, de Hawking; Deus Não É Grande, de Hitchens; Deus, um Delirio, de Dawkins; uma coleção de contos de Lovecraft; Quatro Estações, de Stephen King; WWZ, de Max Brooks; A Vida na Terra, de Attenborough; um livro de Chico Anísio com o mais negro dos humores (Telefone Amarelo, talvez?), e a trilogia da distopia: 1984, Admirável Mundo Novo e Fahrenheit 451.

Melhores que a Escolinha do Professor Estereótipo.

Melhores que a Escolinha do Professor Estereótipo.


Ateus malditos! Por que precisam escrever tão bem?

Ateus malditos! Por que precisam escrever tão bem?

Só não entraram na lista porque não têm nome, autor ou editora: minhas apostilas de música.

Não entraram porque não são exatamente livros mas deveriam fazer parte da lista: Enciclopédia Koogan Larousse, blogs de ciência, meus livros de culinária, a revista Scientifc American (que, por incrível que pareça, foi minha porta de entrada no mundo dos podcasts), o roteiro do último episódio jamais produzido de Caverna do Dragão, a coleção de cromos do chocolate Surpresa, os rótulos das coisas, encartes de discos, uma enciclopédia/dicionário (mais um) da história da música (não encontro, devo ter perdido), a Constituição Federal, também lida na íntegra, e uma coleção da Reader’s Digest chamada Faça Você Mesmo.

Já lia DIY antes de virar sigla.

Já lia DIY antes de virar sigla.

Não entrou porque não lembro do nome: um de antropologia, que me fez perceber que somos todos macacos; um de histórias das religiões, que me fez perceber que somos todos macacos; um tratado filosófico, que me fez perceber que somos todos macacos metidos, e; um pdf de psicologia. Mas aí eu já sabia que somos todos macacos.

Alguns macacos são mais metidos a besta que outros.

Alguns macacos são mais metidos que outros.

Mas o livro que me marcou mais profundamente foi um de Lair Ribeiro que continha um CD que, fato desconhecido por mim, tende a explodir quando queimado.

Menção honrosa: A Divina Comédia. Primeiro livro que não consegui ler todo. Me ajudou a entender a bossalidade, especialmente daqueles que dizem tê-lo lido mas que sabem apenas da existência dos nove círculos do inferno, de Beatriz e Virgílio.

O "-pedia" em "Wikipedia".

O “-pedia” em “Wikipedia”.

Leiam também a lista da minha mulher e entendam porque me casei.

E a sua lista, como seria?

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[1] Eu sei que isso não existe, mas o SiFodE quis me ensinar o contrário.

A Wikipédia em português e a panelinha editorial pseudocientífica

Eu já contei um pouco da minha história com a Wiki-PT no meu outro blog então não vou repetir que já fui editor logo no começo mas desisti porque minhas edições (baseadas em evidências e com links corroboráveis) eram sistematicamente deletadas pelos editores da panelinha ideológica da qual eu me recusava a fazer parte. Dito isso que eu disse que não repetiria, hoje eu fui ver o que a Wikipedia original (regulada por pessoas menos investidas emocional e monetariamente com seus assuntos favoritos) tinha a dizer da milenar [1] técnica da dedada oriental, conhecida no oeste por shiatsu.

Qual não foi minha surpresa ao constatar que, em inglês, o verbete atual de shiatsu cabe em apenas um screenshot

Clique para a versão completa.

Clique para a versão completa.

…enquanto o verbete na Wiki-PT é consideravelmente mais extenso! Em todos esses anos nesta indústria vital, esta é a primeira vez em que isso me acontece!

O que primeiro me chamou atenção após os cinco pagedowns necessários para ler o texto completo (tá, o que me segundo chamou atenção) foi isso aqui:

wiki-estilo

Para os não-iniciados, isso significa que quem escreveu o artigo o fez sem consultar as regras (ou sem se importar com o conteúdo) que regem a enciclopédia. Ou seja, alguém escreveu o que achava que deveria ser escrito, publicou e… ficou por isso mesmo. Há mais de um ano e meio.

Uma das genialidades da equipe de Jimmy Wales (comparem aqui o tamanho e a qualidade dos verbetes em inglês e português do fundador da Wikipedia) foi ter embutido no sistema uma ferramenta antifraude na forma de um histórico impossível de ser editado ou manipulado e que registra cada mudança mínima numa página.

Isso nos permite verificar que o maior contribuidor individual do verbete é Arnie rj, login de Arnaldo V. Carvalho, criador do Portal Verde e que, segundo seu currículo naquela mesma página, tem (sic) “Capacitação em Medicina Tradicional Chinesa e Naturopatia, em seus segmentos shiatsu (tradicional, ohashiatsu, shiatsu emocional, zen shiatsu e Express), massagem sueca, thai massagem, ramma, sei-tai, lomilomi, drenagem linfática manual, recepção ativa, correção postural postural, aromaterapia, fitoterapia, reeducação alimentar, cromoterapia, relaxamento e controle mental“. Ele também dá cursos de shiatsu emocional (é até proprietário de um blog sobre isso). Ou seja, poucas pessoas seriam mais beneficiadas do que o próprio editor pela inclusão da seção Validação e Produção Científica que diz, muito dissimuladamente e sem qualquer sombra de evidência (sic): “A Ciência vem se interessando em conhecer os mecanismos de ação do Shiatsu, e avaliar sua eficácia em diversos tratamentos. Atualmente há milhares de artigos científicos sobre o tema. Segundo o Conselho Nacional de Desenvolvimento e Pesquisa Tecnologica, (CNPq), 356 dos pesquisadores cadastrados na Plataforma Lattes, incluindo 49 doutores, possuem algum tipo de formação em Shiatsu.[2]

Esses supostos “milhares de artigos” são frutos de buscas simples no PubMed, SciELO e Google Scholar pelo termo “shiatsu” (evidenciado pelas notas de rodapé da edição, já que as da versão atual estão desencontradas e completamente confusas, mostrando o nível nascôxa de qualidade de edição) e não uma análise qualitativa. Aliás, até quantitativamente é mentira, porque eu acabei de fazer a mesma busca no PubMed e obtive 758 resultados que, até onde eu saiba contar, é menos de mil. O SciELO me devolveu incríveis dois (02) resultados e o Google Scholar mostra qualquer coisa remotamente relacionada ao nome “shiatsu”, incluindo livros (que não são publicações acadêmicas), entrevistas (idem anterior), patentes (menos ainda), citações (“o mundo é como o shiatsu: vive de dar dedada nos outros” é uma citação) e etc. Acho pouco provável que o editor do verbete tenha lido um por um. Esse “segundo o CNPq” é igualmente uma busca no site do Conselho. Então não tenho como saber de onde ele tirou essa citação factual do CNPq.

E finalizar com “49 doutores” é só apelo a autoridade. E já sabemos que isso não é exatamente confiável. Especialmente eu tendo achado no Lattes 3236 doutores em “cocô” e 47 em “bosta”. Só 3 em urinoterapia, no entanto.

(Já sabemos que argumento de autoridade não é confiável, não é? Vocês sabem disso, né? Bom, ótimo, vamos em frente.)

Agora, qual editor incluiu essa seção pela primeira vez, mais especificamente às 14h53min de 31 de julho de 2012? Isso mesmo, Arnie rj. Aliás, a versão atual tem links tanto na nota de rodapé quanto na bibliografia para a página do editor, o Portal Verde anteriormente aludido e que lhe é fonte parcial de renda.

"Não estou dizendo que é shiatsu, mas..."

“Não estou dizendo que é shiatsu, mas…”

Em abril de 2012 uma edição se desfez do seguinte trecho, nunca mais citado (sic): “O Shiatsu não é recomendado para infecções, doenças contagiosas, fraturas, varizes ou como terapêutica única do câncer(…)”. E sabem quem fez essa edição? O financeiramente envolvido Arnie rj.

Ele não é de todo mau (aliás, nem acho que ele seja particularmente maligno, apenas equivocado e desprovido de pensamento crítico – a culpa maior sendo dos editores seniores da Wiki-PT), já que tirou também o trecho que recomenda shiatsu como coadjuvante no tratamento do câncer.

Sempre lembrando que shiatsu é somente uma massagem com os dedos (exclusivamente em gente branca, a julgar pelos resultados do Google Imagens. Credo) e nada mais que uma massagem com os dedos.

Se o verbete começasse com “o shiatsu é somente uma massagem inventanda num-sei-quando num-sei-onde que relaxa as pessoas e causa forte tendinite nos terapeutas…” eu não teria problema algum com isso. Eu passo a ter no momento em que o site mais acessado do mundo usa linguagem evasiva e informações ambíguas dissimuladas para tentar dizer que shiatsu é uma ciência e que deve ser vista e aceita como tal. O nome disso é “pseudociência”, palavra que parece não fazer parte do vocabulário da Wiki-PT. Ou até faz, mas parece merecer um grau mais alto de escrutínio sequer aludido na página discutida:

pseudociencia-wiki

Enquanto o único pecado do verbete de shiatsu é não estar formatado num padrão específico, o de pseudociências não cita fontes suficientes, usa dados duvidosos e não é considerado neutro.

Não usaram a mesma régua aí.

O Lexus LS 600h tem um banco com bolsas de ar que simula shiatsu. Não dizem, mas acho que ter um carro desses também serve como 'shiatsu emocional'.

O Lexus LS 600h tem um banco com bolsas de ar que simula shiatsu. Não dizem, mas acho que ter um carro desses também serve como ‘shiatsu emocional’.

Existe um grupo chamado Ceticismo de Guerrilha na Wikipedia que tenta melhorar a qualidade do conteúdo de certos verbetes que serviriam como propaganda para profissionais das pseudociências. O problema é que esse grupo não tem boa representação no Brasil ou em Portugal e, ainda por cima, quando tentam melhorar um artigo na Wiki-PT acontece o que acontecia comigo em 2006/07. Porque a cúpula ideológica da Wikipedia lusófona não admite que outros venham corrigir o que eles acreditam ser o correto.

Não sei qual canal devo acionar para tentar corrigir esse problema. Talvez já seja tarde demais para nós, que florescemos tardiamente no Lácio.

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[1] Mentira, shiatsu tem nem 100 anos.

[2] O que faz dele um especialista em shiatsu, que é exatamente o que a Wikipedia pede e incentiva. Ele só não é especialista em ciência. Ou sequer em procurar resultados num site de busca.

Homeopatia, evangelhoterapia, teoria da harmonia energética e eu.

Ontem eu recebi dois emails. Recebi vários, na verdade (a maioria deles sendo de pessoas que acham que meu endereço é algum tipo de âncora ou registro oficial para todo e qualquer Igor Santos), mas com algum tipo de importância foram só dois.

E quando qualifico importância como “algum tipo”, quero dizer “sem a menor importância para qualquer ser vivo”. Porque o primeiro dos aludidos veio com o assunto “Colaboração” e com o título (sim, título, pois é como se fosse uma cópia de um panfleto qualquer) “Teoria da Harmonia Energética“.

Agora vocês vão ver porque estou perdendo meu tempo com isso. O email começa (sic):

A energia é essencialmente harmônica e as formas organizadas de energia, como é o caso da matéria, que é uma organização de energia percebida por nossos sentidos, tendem a voltar a ser energia.

Em primeiro lugar, o que significa “essencialmente harmônica”? Porque são necessárias pelo menos duas coisas para existir harmonia entre elas. Da mesma forma como não pode existir nado sincronizado individual não posso afirmar que A energia é harmônica. Falta um outro agente aí. Mas vamos ignorar esse erro conceitual básico e passar para outro; “matéria é uma forma organizada de energia”.

É? E a energia é, ao mesmo tempo, harmônica e desorganizada? Mas calma! Olhem o que vem a seguir:

Esta volta à energia é estimulada por ações desarmônicas, ou seja, que contrariam a harmonia energética. Assim sendo, ações poluidoras, por exemplo, desencadeiam processos destrutivos da matéria.

Eu vou organizar as afirmações em uma só linha para facilitar a visualização. “A energia é essencialmente harmônica, a matéria é uma organização de energia e tende a voltar a ser energia estimulada por ações desarmônicas”. Ou seja, o ^jênio^ que não consegue escrever duas linhas coerentes entre si acha que a matéria volta a ser harmônica por um processo de desarmonia. É como dizer que passar com o carro por cima de um violão bem afinado faz com que ele volte a ser afinado pelo fato de ter sido destruído. Ou algo assim, esse email me deixou confuso.

No nosso organismo, ações perturbadoras da harmonia desencadeiam reações, agravadas por novas intervenções perturbadoras da harmonia inicial.

Eu adoro frases como “desencadeiam reações”. Me lembra uma pichação que vi numa mesa da faculdade onde alguém escreveu com corretivo “a molécula do átomo”. A frase acima parece dizer muita coisa mas não sobrevive à mais superficial análise, como outra frase já discutida aqui. Sério, leia lá de novo e pense a respeito.

stephen%20fry

Na sociedade humana, decisões desarmônicas como, por exemplo, concentração de recursos financeiros em determinadas pessoas, contrariam a harmonia social, que é um aspecto da harmonia energética.

Harmonia social é um aspecto da harmonia energética? Então essas ações socialmente desarmônicas são desejáveis, já que foi estabelecido que a desarmonia traz harmonia. E é harmonia que queremos, não?

Portanto, sigam o conselho do email e concentrem seus recursos financeiros em mim! Vamos atingir o máximo de harmonia possível!

A Teoria da Harmonia Energética permite o entendimento da individualidade harmônica, mesmo sem substrato físico…” Opa, peraí! Preciso interromper aqui. Qual dos dois é: energia sendo harmônica em si mesma ou indivíduos (necessariamente materiais) são harmônicos mesmo não tendo forma física? Essa deve ser mesmo uma teoria de lascar porque só seus preceitos já estão em outro plano de existência.

Continuando:

…pois ela se aplica a um conjunto organizado de princípios harmônicos, orientados para pintura, arquitetura, artesanato, invenções úteis, música, magistério, verso, prosa, e tantas outras formas de ações harmônicas que encantam nossos sentidos e melhoram a qualidade de vida. Quem age segundo a harmonia energética preservará a individualidade, não importa sob que forma esteja atuando.

Pintura, arquitetura, artesanato, música, magistério, verso e prosa, essas invenções inúteis… Sem falar do magistério, esse grande encantador dos sentidos. Não passa um só dia sem que minha propriocepção e minha percepção temporal não sejam estimuladas pelo magistério.

E, novamente, por que devemos preservar a individualidade? Ela existe? Como “a energia” pode ser harmônica sendo desarmonizada pela matéria descondensada enquanto indivíduos sem substrato físico poluentes e músicos? Hein?

No parágrafo a seguir há um destaque por minha conta. Vamos ver quem consegue perceber o motivo.

Corruptos, corruptores, maus administradores, criminosos, assassinos, mistificadores, ladrões, demagogos, parasitas e tantos outros que agridem a harmonia social, simplesmente desaparecerão com a desencarnação, pois estavam em desacordo com a harmonia energética.

Todos desaparecerão. Seja por desencarnação, inumação, falecimento, vencimento do prazo de validade ou qualquer outro eufemismo ridículo que se queira usar. Mas deixando o galopante e relinchante óbvio de lado, volto a perguntar: se estamos procurando harmonia, por que devemos nos preocupar em manter a “harmonia social, que é um aspecto da harmonia energética” se a “volta à energia é estimulada por ações desarmônicas” e a “energia é essencialmente harmônica“? Eu quero harmonia! E, para isso, segundo as diretrizes da teoria, preciso ser desarmônico.

Esta singela, e despretensiosa, teoria permite que se entenda o que somos e o que seremos na eternidade., inexistindo qualquer julgamento, mas sim harmonia ou desarmonia energética.

E sabem por que não existe julgamento? Porque é impossível entender uma coisa que não faz sentido por ser apenas uma série de contradições. E o sujeito ainda quer entender a eternidade? #comôfas?

Vou suprimir o nome do remetente para preservar… não sei o que. Ia dizer “preservar seu bom nome” mas não fui eu que enviou o email. Email que, aliás, veio com o assunto “colaboração” apesar de nenhuma outra palavra a esse respeito ter surgido. Talvez ele queira que eu colabore com a desarmonia.

Tamos aí.

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O segundo email, recebido nos últimos minutos do dia (certamente para algum outro Igor Santos que ainda não aprendeu como emails funcionam) é de um médico. *suspiro*

Infelizmente, como eu já disse aqui, homeopatia é uma especialização em medicina no nosso querido território político federativo brasileiro. Por mais imoral que isso seja, continua sendo verdade. Falando em imoralidades, eu sempre tremo um pouco quando ouço que o mesmo indivíduo se qualifica como pediatra e homeopata. Como é o caso desse próximo remetente que, apesar de se qualificar também como escritor, refere-se a si mesmo na terceira pessoa e acha que campo de assunto de email não precisa de pontuação, acentuação ou ortografia em geral, já que esse veio como “saude homeopatia e evangelho“. Sic, sempre lembrando.

"Eu sei o que estou fazendo, não se preocupe!"

“Eu sei o que estou fazendo, não se preocupe!”

Desta vez eu vou deixar o nome porque, apesar de tudo, nada do que ele escreveu para mim é considerado errado no querido território supracitado e infrapodal (mais sobre pés daqui a pouco).

Gilberto Ribeiro Vieira é médico pediatra e homeopata e escritor. Além disso, é professor do curso de medicina da Universidade Federal do Acre – UFAC e possui diversos livros publicados que abordam saúde, homeopatia e Evangelho. A conciliação desses dois temas rendeu diversas publicações.

Er, quais dois? Você citou três assuntos que, se tentassem, não poderiam ser mais opostos. Mantendo sempre em mente que homeopatia não é saúde, mas bruxaria e xamanismo, coisa que o evangelho rejeita fortemente (ver 2 Crônicas 33, por exemplo).

O objetivo principal é mostrar a possibilidade de obter benefícios ao se reunir conhecimento e espiritualidade, mesmo quando se caminha com relativa independência entre as religiões organizadas do cristianismo. Seu trabalho tem múltiplas faces.

Eu juro que li aquela última palavra como “faeces” mas talvez seja culpa de um viés involuntário meu. Falando em involuntário, viram ali como ele separou claramente “conhecimento” de “espiritualidade”?

E, para um escritor, ele até é meio ruinzinho em evitar ambiguidades. O que significa “relativa independência”? Minha interpretação é que ele é dependente de algumas religiões cristãs mas não tanto quanto alguém que pratique somente uma.

Discorrendo sobre as múltiplas fæces do seu trabalho, ele continua:

Na primeira predomina a ciência e o raciocínio. A jornada começa pela análise detalhada de alguns casos de cura do Cristo no Evangelhoterapia – a Ciência de Amar, juntamente com a descrição sucinta das virtudes divinas na criação – em Deus Radiografia Simples.

Faltou só incluir ciência e raciocínio ali. Especialmente no lugar de “virtudes divinas na criação“.

Em seguida, é conduzido um estudo rigoroso das palavras e contradições de Jesus em O Evangelho Dialético. Por fim, o autor tem o privilégio de apresentar a abordagem homeopática num enfoque inédito e contemporâneo em Homeopatia e Saúde: do reducionismo ao sistêmico, publicado por coedição pelo Conselho Regional de Medicina do Acre e a Editora da UFAC.

Novamente, cadê a ciência e o raciocínio? O que o estudo das palavras do Hércules judaico tem a ver com ciência? Porque já sabemos que homeopatia tem exatamente zero ciência e/ou raciocínio atrelados.

E, se o Conselho de Medicina do Acre for igual ao daqui, qualquer médico tem apoio editorial para lançar qualquer livro. Ou gravar um disco, pintar um quadro, expor fotografias, etc. O CRM gosta de incentivar médicos em suas perseguições artísticas. Então citar o CRM/AC como parceiro não é medalha de mérito.

Na segunda etapa prevalecem o sentimento e a fé.” <= Na primeira também, amigão.

Com esse enfoque, surgem crônicas repletas de ternura e criatividade em Os Filhos de Deus. Ao mesmo tempo, nasce um novo entendimento da relação íntima e profunda entre o Eu e o Pai em DeuS, graças à análise meticulosa dos versículos do Novo Testamento.

É sempre interessante quando um escritor se refere a si mesmo como criativo. Especialmente quando isso leva à frase “graças à análise meticulosa dos versículos do Novo Testamento”. Eu só queria dizer, já que estamos firmemente no mundo das pseudociências, que Freud mandou lembranças.

Por fim, o autor descortina o significado original dos chacras desde os pés – cidadania – ao mais elevado do homem – intuição – no instigante Poema das Moradas.

Isso está escrito desse jeito. Ele descortinou o significado original dos chacras. E, melhor ainda, o chacra da cidadania reside nos pés. Por isso que eu fiz aquele trocadilho lá em cima, sacaram? Não? Nem eu. Especialmente porque o chacra “mais elevado do homem” é a intuição.

E A P°яя4 DA CIÊNCIA, CADÊ!?

"chacras"

Uma terceira vertente é exposta em um livro que aborda dois temas: Adole*sente, publicado pela Secretaria de Estado de Saúde do Acre, une-se ao Adole*santo e mistura informação científica e reflexões cristãs, em linguagem direcionada aos adolescentes e às pessoas que se relacionam com eles.

Queria muito saber o teor e a qualidade dessa informação científica que o autor cita. Principalmente ajustando a linguagem para adolescentes.

(Vocês viram os títulos? Eu consigo até imaginar o quão estufado ficou o peito do autor ao pensar nesses excelentes jogos de palavras.)

E, encerrando os trabalhos, A Fraternidade em Movimento, obra que contém as experiências e opiniões do autor sobre um dos amores de sua vida, o Movimento da Fraternidade, iniciativa espiritualista de amor ao próximo, gerada em Belo Horizonte em meados do século XX. Alguns livros estão em edição e serão publicados em breve e, portanto, ainda não se encontram disponíveis. O preço de lançamento é promocional juntamente com o frete grátis por tempo limitado.

Eu gostaria de reiterar que quem escreveu isso tudo aí em itálico foi o próprio autor, através de seu email pessoal.

Lembram das profundas análises dos evangelho pelo autor? E lembram do 2 Crônicas, capítulo 33 lá em cima? A página pública do perfil do Facebook do autor mostra que, entre seus favoritos, está o Pai Toninho de Xango.

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Pensamento fantástico, delírios místicos, dissonância cognitiva, dificuldade de autoanálise, negação do óbvio, teorias conspiratórias. Pseudociências vêm em várias embalagens diferentes. E boa parte delas custa dinheiro.

Boa noite.

1 Macaco e Meio, um filme com Luisa Mell sobre a invasão do Instituto Royal que ninguém quer ver

O portal G1 fez uma matéria entrevistando Mayana Zatz, geneticista de renome (termo relativo, mas…) e sua meio-prima Marina Zatz, ativista ambiental que invadiu (nada de relativo aqui, invasão é crime, vide artigo 202 do Código Penal) o Instituto Royal e que prefere o codinome “Luisa Mell” ao seu nome real.

A “ativista” (que não será chamada de terrorista aqui porque ainda não definimos legalmente o termo) aparenta ser também malabarista de ideias, se utilizando do expediente já tão conhecido dos pseudocientistas (homeopatas, auto-hemoterapeutas e outros xamãs) de contar apenas a verdade que lhe convém completando os buracos com informações falsas e mentiras esteticamente bonitinhas.

(Recomendo que leiam a matéria já linkada lá em cima. Assim minhas citações do que Marina diz, entre aspas e italizadas, farão mais sentido.)

A primeira parte da pergunta sobre a possibilidade da extinção de testes em animais é respondida com “[é] possível e é necessário” enquanto a segunda parte, sobre quais seriam as alternativas, jamais é sequer lembrada. Marina não quer alternativas, apenas o fim do status quo. Desde que os avanços científicos que permitem que ela faça luzes nos cabelos e use batom e base matificante não sumam, obviamente.

Imagem retirada de blog da Jovem Pan

Imagem retirada de blog da Jovem Pan

Marina Zatz (você deve preferir “Luisa Mell” mas, em não concordar com o uso de animais para o benefício da humanidade, não acho justo usar o “mel” do seu nome), se você sabe com tanta propriedade como é possível, por que não mostra a alternativa? Se é tão necessário, por que o maior poder do universo (a Economia) continua tolerando e preferindo tais métodos? Talvez você não saiba ou prefira esquecer que um dia soube, mas testes em animais são a etapa mais cara de uma pesquisa antes de chegar nos humanos. Se “testes científicos em animais não são um sistema de teste robusto” e existe alternativa (e “vasta literatura a respeito” – mais sobre isso daqui a pouco), por que a Big Pharma, que adora sarrabuiar em dinheiro, continua desperdiçando notas altíssimas fazendo testes em animais?

Você afirma que a “indústria farmacêutica tem mais fracassos (…) do que sucessos” e que “nove em dez drogas experimentais falham em estudos clínicos (…) com base em estudos laboratoriais e animais“. Se testes em animais erram a previsão 90% das vezes como você diz, qual outro método tem um grau de acerto melhor? Você inclui estudos laboratoriais. Você quer que deixemos de usar animais E deixemos de usar laboratórios também? Como vamos testar eficácia e segurança então? Em pedras ao ar livre? Porque pela sua própria admissão os animais que “[p]ossuem características relacionadas evolutivamente” a nós já não servem e, mais para frente, diz que humanos também não podem ser envolvidos, como vamos criar compostos para salvar mais vidas? Vidas até desses mesmos animais que você quer ver saudáveis e saltitantes fora dos laboratórios.

Você diz ainda que esses erros “não são revelados por motivo óbvio: mercado“. Se eles não são revelados… como você sabe deles? E o que o mercado tem a ganhar com uma taxa absurda de erros dessa?

Voltando ao seu uso de “vasta literatura a respeito“. Onde você encontrou essa vasta literatura? Na Vogue ou na Marie Claire? Porque se você descobriu essa mina de informação em periódicos científicos, no momento em que você diz que “Cientistas partem do pressuposto errôneo” você está criando um paradoxo onde você, ao mesmo tempo, acredita no que os cientistas escrevem na literatura E sabe, com uma propriedade ímpar que seu curso de direito a conferiu, que eles estão errados.

Mas não, o que está acontecendo aqui é que você prefere acreditar na informação que mais lhe seja confortável. Isso tem vários nomes; viés de confirmação, seleção discriminatória, falácia do atirador e etc, mas todos se resumem apenas a desonestidade intelectual. Você desacredita completamente na ciência e faz questão de tentar sujar o nome dos cientistas mas usa tanto dados científicos quanto o bom nome de qualquer cientista que você acha que concordam com seu ponto de vista enviesado. Só isso.

Ou você sabe que está errada e está sendo vilmente desonesta, ou não sabe que está esfericamente errada e está sendo hiperesfericamente ignorante.

Vários médicos e cientistas americanos já são contrários a experimentos com animais, não pela ética, mas sim por isso atrapalhar a ciência!“. E por que você acredita logo nessa minoria? Porque cita apenas um “ex-secretário de Serviços Humanos e de Saúde dos EUA” e não as dezenas de outros? O que esses poucos equivocados (não sei porque você incluiu médicos ali, sinceramente) têm de tão especial para você, fora o fato de seu equívoco ser o mesmo deles?

A segunda pergunta é meio mal feita e supõe várias coisas baseadas em achismos, mas sua resposta, Marina, é ainda pior. Você diz que não é ético usar animais para beneficiar humanos. Você só não definiu o que entende por “ética”, porque a alternativa, baseada na pergunta, pode ser resumida como “é ético não beneficiar humanos”. Você misturou humanos e demais animais no mesmo bolo e tentou sambar com palavras fortes como “instrumentalizar”, “mero meio”, “ser dotado de inteligência, consciência, projetos” (características humanas que você trouxe para o picadeiro por conta própria e está misturando cretinamente numa discussão sobre animais). E sinto informar, mas com essa linha de argumento é você que está convertendo “seres vivos complexos em mero instrumento para nossos desejos e necessidades“. Quando o “desejo” é o de melhorar a vida humana (e animal, graças a remédios e tratamentos, nunca esqueça disso) e o “instrumento” é uma prática controlada e constantemente refinada para justamente se aproximar cada vez mais desses “direitos mais básicos” pelos quais você clama, suas palavras não parecem mais tão apocalípticas assim, né?

Você finaliza sua resposta com “além de injusto, é imoral“. Muito mais imoral é deixar alguém morrer de tuberculose, muito mais injusto é alguém perder uma perna por falta de insulina. Mas isso é apenas uma opinião minha. Talvez você não concorde com a minha definição de moralidade e justiça.

A terceira pergunta (algo como “é melhor assumirmos o bem-estar animal como prioridade, em detrimento à nossa saúde”, mais ou menos) é até um tanto pior que a segunda em grau de direcionamento da resposta, mas você consegue enfiar os dois pés na boca mesmo assim.

Você, Marina, afirma que testes animais são uma metodologia equivocada (evidências?) que visam “atender uma necessidade exclusivamente humana“. Sério? Você conhece a história da ararinha-azul (que, aliás, muito ironicamente perdeu habitat para abelhas melíferas, Luisa Mell)? Especialmente o pedaço sobre a luta para a restauração da espécie? Recomendo uma leitura a respeito, textos estando disponíveis em periódicos científicos. Ah, e você sabia que seu bichinho favorito no momento, o beagle, pode sofrer uma morte horrível por causa de uma entidade conhecida por “doença do carrapato”? Você acha que o cachorro prefere o bem-estar de uma doença sanguínea natural, provocada por outro animal, ou outro estilo de bem-estar que envolve uma coleira vermelha e atóxica? Novamente, minhas definições conflituam com as suas.

Você cita “Dr. John Pippin (diretor acadêmico do Comitê de Médicos pela Medicina Responsável, nos EUA)” e completa com “[i]sso não é ciência, é bruxaria“.

Esse comitê do qual Pippin é diretor é o mesmo Physician’s Committee For Responsible Medicine (PCRM) que o Conselho Nacional Contra Fraudes na Saúde diz ser “uma associação sem fins lucrativos que alega promover uma ‘dieta ideal para a prevenção de doenças’, que diz não haver evidências de que os seres humanos tenham um requisito dietético específico para proteínas e ensina que ‘muita proteína de origem animal na dieta é prejudicial à saúde’ e que “seu líder, Neal Barnard, médico, foi identificado como consultor médico da organização radical pelos direitos dos animais, PETA, que também substancialmente financia o PCRM.”

O Conselho completa a introdução da análise com: “Na nossa visão, o PCRM é uma máquina de propaganda cujas coletivas de imprensa são teatros para disfarçar de notícia sua ideologia.” Mas tem mais nessa análise. Muito mais.

Você confia absolutamente na palavra desse comitê pelo simples fato de que sua ideologia é compartilhada com a dele. Nada além disso. Com a mesma veemência, você acusa o FDA de cometer fraude “por causa de dinheiro” enquanto suas evidências são somente as palavras que saem das bocas de pessoas de rabo preso ideológica e financeiramente com organizações radicais como a sua. Você faz parecer que o FDA financia testes em animais, o que não é verdade.

A quarta pergunta tenta comparar animais usados em pesquisa com animais criados para consumo.

Marina, sua resposta é pouco mais que um desabafo que visa deixar claro o quanto você sofre, por procuração, pelos animais, tipificado por “uma das inúmeras e terríveis formas de exploração animal“. Mais uma vez você escolhe certas definições que na sua boca parecem muito mais graves do que realmente são. Nem toda “exploração” é “terrível”, vide a produção de mel, que deixa bilhões de abelhas felizes (você atropomorfiza, então também posso) e permite a você, vegetariana, se deliciar com tomates e amêndoas. Ou você acha que tomateiros e castanhas se polinizam sozinhos? Ou acha que outros animais que não abelhas conseguem polinizar tomates e amêndoas?

Por outro lado, você também mostra como pensa por procuração através dos explorados quando diz “tão errado quanto criá-los para abate por questões tão frívolas como hábito, tradição ou conveniência“. Quem é o criador de gado que você conhece que tem um rebanho de milhares de cabeças por hábito? Onde é essa avícola que insemina milhões de perus por tradição? Qual é o agricultor que usa um boi para puxar um arado para plantar feijão por conveniência? Marina, ou você é completamente desconectada da realidade e delirante ou refinou e sintonizou seu discurso precisamente para pintar uma humanidade muito mais macabra e sombria do realmente é (logo eu tentando defender os humanos, quem diria) nos fazendo parecer monstros que matam, mutilam e torturam animais por prazer. Ou, pior, porque sim.

Você prega que animais são “criaturas biográficas que percebem o mundo à sua volta e interagem com ele” e, guess what? Nós também somos! E parte dessa interação, parte dessa biografia que nos permitiu “parar de pensar como humanos da era paleolítica” foi justamente a interação do nosso sistema digestivo com proteína de origem animal e a interação das nossas necessidades (fome e abrigo) e desejos (parar de sentir fome e frio) com a inteligência inferior de bestas maiores, mais fortes e mais peludas que nós. Nosso cérebro só serve para dar entrevistas porque nossos ancestrais paleolíticos o cultivaram com mais e melhor nutrição e mais tempo para usá-lo. Não se iluda, absolutamente nenhum item que você consome é animal free; das minhocas que limpam as raízes do alface aos jegues atropelados que viram a cola que segura as pedras dos seus anéis e brincos. E se você, através de seus atos (vide foto abaixo), aceita esse uso “natural” de animais, por que não o igualmente natural ato de consumí-los?

Imagem retirada da Wikipedia

Imagem retirada da Wikipedia

É justamente por não pensarmos paleoliticamente que usamos animais da forma como usamos, ao invés de correr atrás de rebanhos em direção a penhascos.

A última pergunta da matéria é sobre um suposto acordo para acabar com o uso de animais em pesquisas e seu prazo de cumprimento.

Quase sensatamente, Marina diz que mudanças precisam de prazos e discussões e que “[e]ssa discussão (…) deve existir“. E existe. Desde décadas atrás, especialmente entre os cientistas, que são os mais habilitados/atingidos/interessados a ter essa discussão.

Eu disse “quase” porque ela completa dizendo que a discussão deve envolver “especialistas em ética e ciência, junto à opinião imprescindível do público leigo“. Por que a opinião do “público leigo” (diferente de qual outro público?) é tão necessária e imprescindível? O que um público que, pela sua própria admissão, não sabe do que está falando teria tanto a contribuir que não desinformação, equívocos e noções destoantes da realidade, como as suas, Marina?

Motivo do título:
twitter-luisa-mell

Sua comida à luz da… bem, da luz.

Fotão (ou fóton, se você acha que existe palavra em português acabando em N) é uma partícula elementar que carrega a energia eletromagnética. Isso é uma forma didática de dizer “luz é um tipo de energia”.

O termo “eletromagnética” não ajuda a simplificar as coisas, mas depois que se vence esse obstáculo linguístico a coisa fica mais fácil porque luz é uma coisa que se vê. E se sente. E se ouve. E, principalmente, se come.

Não estou falando daqueles loucos do respiratorianismo (sim, esse nome existe) que acham que podem ~viver de luz~ sem comer ou beber coisa alguma, apenas absorvendo luz solar. [1]

Você já vive de luz, fia. Só não do jeito que pensa.

Você já vive de luz, fia. Só não do jeito que pensa.

Semelhante à forma como porcos são fabulosas máquinas de transformar milho em bacon, plantas são organismos que transformam luz solar em alimento, através da famosa fotossíntese. E isso não é mágica, é apenas transdução de energia eletromagnética em energia química.

No entanto, você não é planta nem doente da cabeça, então aquele alimento que você não consegue produzir ainda não lhe pertence. Mas você já pode ver aquele caju vermelho e suculento só esperando um maribondo para lhe beber do néctar. [2]

Usei caju no exemplo acima porque arroz não é muito apetitoso quando está na árvore. Ou na rama. Nunca vi um pé de arroz.

“E por que usaria arroz?”, você pergunta, em tom intrigado. Porque muitos aprenderam a fazer risoto assistindo a programas de culinária.

“Hein!?”, é a próxima indagação, já com subtons de irritação. Porque tem gente que faz risoto em forno de micro-ondas.

“E o que isso tem a ver com as calças?”, vem a inevitável e sardônica pergunta. Ora, risotos são melhores consumidos enquanto ainda estão quentes, óbvio!

“E… o que… diabos…” você tenta articular, com o ódio lhe bloqueando a garganta. Existe coisa mais bonita do que um prato de risoto bem guarnecido com folhinhas de salsa ou coentro?

“…” é uma reação de confusão mental e descrença alheia com a qual estou bem familiarizado. Apesar de criada na ensolarada Itália, o arroz da receita vem da Ásia, onde é colhido há séculos por trabalhadores que usam aqueles tradicionais chapéus de palha.

Ah, então isso é um pé de arroz! Não é tão soberbo quanto eu achava...

Ah, então isso é um pé de arroz! Não é tão soberbo ou garboso quanto eu imaginava…

Falando em sêmen (que é uma palavra perfeitamente cromulente em português acabando em N ), o arroz é uma semente que, tecnicamente, contém também o fruto. Diferente do caju, que é um pseudofruto.

“Adeus.” Calma, peraí. Eu estou explicando desde o começo, você que não prestou atenção.

O sinal da TV por onde você aprende a receita, as micro-ondas do forno, o calor do risoto, a cor das ervas no prato, o bronzeamento e consequente envelhecimento precoce da pele dos colhedores de arroz e até a longa data de validade do produto são efeitos da luz.

Os fotãos podem vibrar em várias frequências, que vão de ondas de rádio (transmissão do sinal de TV), passando por micro-ondas (que vibram as moléculas de água, esquentando comidas), infravermelho (calor é, basicamente, luz infravermelha), luz visível (vermelho, laranja, amarelo, verde, azul e violeta – desculpe Newton, mas anil não é cor), ultravioleta (a parte do espectro que danifica sua pele, que tenta se defender escurecendo), raios-x e, finalmente, raios gama. Estes dois últimos são usados num processo de preservação de alimentos chamado “irradiação” ou “pasteurização fria“.

Você a luz quando ela está entre o vermelho e o violeta do arco-íris. Você sente a luz quando está com calor ou com uma queimadura de sol. Você ouve a luz quando ondas de rádio são traduzidas em ondas sonoras. E, principalmente, você come a luz quando ingere qualquer produto vegetal que transformou luz em energia química ou qualquer alimento que tenha sido aquecido ou tenha um prazo de validade razoável.

LUZ-42

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[1] Assim como todos os cogumelos são comestíveis – alguns apenas uma vez, é possível viver sem comer ou beber – só não por muito tempo.

[2] Não, isso não é um eufemismo.

Coisas que não sei: panela de pressão

Quem me lê há anos talvez não lembre que às vezes eu uso o 42. como um mecanismo de busca orgânico (faz um tempinho que não pergunto nada aqui, maldito seja o Facebook) e a pergunta a seguir está me corroendo desde que aprendi a usar tal utensílio culinário.

A pressão criada numa panela de pressão atua diretamente no alimento?

Se você lembra desse jogo, sua infância foi há muuuuuito tempo.

Se você lembra desse jogo, sua infância foi há muuuuuito tempo.

Explico: eu notei que cozinhar batatas na pressão faz com que elas fiquem consideravelmente mais firmes do que aquelas cozidas ao ar livre. Desde que eu deixe a panela esfriar e perder pressão ao seu próprio ritmo. Se levantar o pitoquinho (ou “válvula de escape”, para os não-potiguares) fazendo a pressão residual cair rapidamente, os tubérculos estouram como uma espinha inflamada antes de um encontro romântico.

É notável também que carnes cozinham até o ponto em que se desmancham como algodão doce em boca de cachorro mas continuam a manter o formato (novamente, desde que a pressão se equilibre com a ambiente naturalmente).

Eu entendo que, ao ferver sob pressão, a água muda de estado mais calmamente e não forma bolhas tão violentas (um alô para os laboratoristas!), mas a manutenção do formato da carne e da consistência das batatas se dá só por isso? Ou a pressão em si influencia o resultado, segurando as fibras/amido no formato/consistência original?

Minha dúvida é a seguinte: já que geralmente essas coisas estão submersas num líquido não-comprimível, a pressão tem influencia direta sobre as comidas ou apenas o aumento da temperatura explica os fenômenos descritos?

Quantas cores cabem no seu cérebro?

O registro hidráulico do meu banheiro está vazando água numa frequência estalactítica. De fato, “vazando” talvez não seja o termo adequado, visto que o escape de água é tão lento que as poucas gotas que se projetam para a parede evaporam antes de escorrer mais que um ou dois centímetros.

Cada gosta carrega consigo uma quantidade ínfima de algum metal oxidado (que suponho seja proveniente da rosca de metal do próprio registro, provavelmente cobre) e, por causa da lentidão do processo, água suficiente evapora no mesmo lugar a ponto de deixar um rastro metálico azulado que vem crescendo ao longo do último ano e meio e já deve ter uns dez ou doze centímetros.

Verde ou azul?

O registro silenciosamente me julgando…

Ontem, numa explosão de iniciativa, eu resolvi passar um quadrado de papel higiênico transversalmente ao rastro para identificar se a situação pode ser remediada apenas com material absorvente ou se vou precisar passar uma lixa na porcelana (não, isso não é um eufemismo). E qual não foi a minha surpresa, constatando a fresca umidade do material desconhecido, ao notar que o papel ficou sujo com uma substância verde, e não azul como eu supunha que ficaria. Vendo que o papel estava verde, olhei novamente para o rastro anteriormente azulado e, desde então, não consigo ver outra cor que não verde.

Como na ilusão da bailarina, a permanência e imutabilidade física do objeto mudaram sob meu vigilante olhar. O rastro acusador de descuido mudou de azul para verde.

Algum tempo atrás, Kentaro demonstrou como nosso cérebro é inútil quanto à objetividade cromática. Mais praticamente, várias línguas ao redor do mundo tratam verde e azul pelo mesmo nome.

Consideravelmente mais confuso, no entanto, é o tratamento que Homero dá à cor do céu no livro 17 da Ilíada (tradução minha, já que as que encontrei são ainda mais confusas e ainda mais difíceis de traduzir para um português mais modernamente acessível):

Os troianos, por sua vez, também falavam uns aos outros: “Amigos, mesmo que não sobre um só de nós ao lado deste corpo, não nos deixemos temer a luta.”

Tais palavras os animaram e eles lutaram e lutaram, um ressoar de ferro subindo, pelo ar vazio, ao céu de bronze.

Homero provavelmente sofria de algum problema visual (ou mental, algo como Síndrome da Extrapolação Poética Exagerada), já que se refere ao mar como tendo cor de “vinho escuro”. Ovelhas também têm essa cor para o autor. Mel, por sua vez, era um verde igual ao dos rostos furiosos dos combatentes.

Ou não. Ele descreve eventos que ocorreram alguns séculos antes do seu tempo, lá pelo ano 1260 AEC que é também, mais ou menos, quando o tanachco livro de Jó foi escrito (PDF – página 37). Livro em cujo capítulo 37, versículo 18, o céu é comparado a um “espelho de bronze”.

Será que por volta do século -12 o céu era realmente abronzaiado? Ou apenas a palavra “azul” (e, portanto, a sua percepção) ainda não existia?

E no x-burguer abaixo, qual tom de verde você diria que a alface apresenta?

O pão e o queijo são amarelos mesmo? E a carne é cor-de-carne?

O pão e o queijo são amarelos mesmo? E a carne é cor-de-carne?

Porque, na verdade, a imagem acima não contém cor alguma que não tons de vermelho e de cinza (incluindo o fundo “preto”).

Como a prova do que eu estou dizendo não existe mais no ar, dirija-se ao Wayback Machine mais próximo e confira.

(Alternativamente, neste link você vê um zoom do quadrado evidenciado.)

Finalizando, um dos meus desenhos favoritos, já em domínio públio e na íntegra, Beety Boop em “Pobre Cinderela”:

Notou as cores? Notou quantas existem?

Desenhos de Betty Boop sempre foram produzidos em preto e branco, exceto o exemplo acima, onde o preto foi substituido pelo vermelho e o branco pelo verde (ou seria azul?). Tecnicamente, o desenho acima contem o mesmo número de cores que seus antecessores P&B. Seria algo como “256 tons de marrom verde-avermelhado”.

E então, o rastro oxidado no meu banheiro é azul? O desenho de Betty Boop é verde? O céu é bronzeado? A alface é verde?

Segundo o meu resultado deste teste (mostrado abaixo), minha discriminação de cores é até boa (melhor quanto mais perto do zero, pior quanto mais perto de mil) mas nem isso me ajuda a distinguir um verde-azulado de um azul-esverdeado.

cores

Tudo Bem: Lulu Santos traduzido

Este texto foi adaptado de um que seria publicado no meu blog sem censura. Aqui neste link vocês poderão ler minhas outras traduções de músicas populares (mas, cuidado, o conteúdo é fortemente não recomendado para pessoas com restrições linguisticamente morais e/ou menores de idade).

———

Esta música de Lulu Santos, lançada em 1986 somente em compacto, discorre acerca das mazelas que afetam os indivíduos. Umas físicas, outras mentais e outras ainda sociais. É uma canção de denúncia, com nuances de confissão. Segue:

Já não tenho dedos pra contar / Hanseníase é uma doença séria que afeta milhares de brasileiros e que, apesar de ser facilmente tratável, ainda mata e aleija vários cidadãos anualmente por falta de informação sobre tratamento.

De quantos barrancos despenquei / O problema da moradia urbana ainda é grave em praticamente todo o país. Os governos municipais, estaduais e federal ainda têm uma séria dificuldade em criar (e impor) padrões e limites para construções clandestinas. Os desvalidos da nossa terra muitas vezes se veem obrigados a construir barracos em áreas de deslizamento. Muitas vezes sem a noção real do risco que estão correndo.

E quantas pedras me atiraram, ou quantas atirei / Muitos tentam ignorar mas ainda há, em pleno 2013, um problema gravíssimo de violência causada e incentivada pelas religiões. Aqui, Santos chama atenção especificamente para o islamismo, que considera adúlteros como criminosos passíveis de pena de morte por apedrejamento.

Tanta farpa, tanta mentira. Tanta falta do que dizer / As farpas aqui citadas se referem ao sentido figurado da palavra, significando “ataque pessoal, difamação”. Lulu denuncia claramente as muitas mentiras e “farpas” que líderes religiosos precisam usar para atacar aqueles que consideram como ameaça às suas posições de poder. E se utilizam de subterfúgios dessa espécie justamente pela “tanta falta do que dizer”, pois quem não tem argumentos precisa se valer de ataques para denegrir a imagem do adversário, como as fotos abaixo demonstram (notar os nomes dos autores na capa e suas respectivas posições na Igreja Católica):

Reforma agrária é anti-católico

Bispos contra os pobres

Nem sempre é “so easy” se viver / Não é fácil viver num mundo comandado, pelo menos em parte, pela cegueira ideológica da religião e seus preconceitos congelados no tempo. Mas a busca pelo conhecimento (explicitamente demonstrada pelo trecho bilíngüe, que tem a intenção de fazer o ouvinte se interessar em expandir sua mente para o aprendizado, começando pelo de outros idiomas) pode ajudar a mudar isso, futuramente.

Hoje eu não consigo mais me lembrar / Esta parte, incrivelmente bem pensada e aplicada, diz respeito a três áreas simultaneamente. Em primeiro lugar, é uma ligação entre o antiquado e ultrapassado (tão antigo que é difícil lembrar) modo de pensar do homem primitivo – que dá abertura às atitudes bárbaras das passagens anteriores, com a modernidade diagnóstica que nos permite caracterizar um certo conjunto de sintomas como Alzheimer, uma doença progressiva e – até o momento – incurável, que faz com que seu portador passe a ter dificuldades de memória, tanto piores quanto mais avançada.

O trecho ainda, ao mesmo tempo, liga a modernidade e religiosidade previamente citados a outro diagnóstico, causado pela situação a seguir.

De quantas janelas me atirei / Continuando poeticamente o tema “doenças”, essa frase faz referências múltiplas (de uma genialidade rara para o mesmo autor de “garota eu vou pra Califórnia viver a vida sobre as ondas”) à cidade de Praga. Nos anos de 1419 e 1618, dois eventos ficaram conhecidos por “defenestração de Praga”, quando líderes religiosos defenestraram (ou seja, atiraram pela janela) líderes políticos de quem discordavam. Hoje, graças aos avanços da Ciência e da Medicina, sabemos que a causa mortis seguida de queda é geralmente traumatismo cranioencefálico ou sangramento interno de órgãos e tecidos. E ainda mantém o tema central da canção por “praga” ser sinônimo de “doença”.

E quanto rastro de incompreensão eu já deixei / A incompreensão citada faz alusão à ignorância a respeito da Teoria Microbiana das Doenças (TMD). Antes de Semmelweis na Áustria, Pasteur na França e Koch na Inglaterra, achava-se que doenças eram transmitidas por mau cheiro (teoria miasmática).

Durante a época em que a TMD estava sendo aperfeiçoada, o médico John Snow identificou uma fonte de água como centro de uma epidemia de cólera na Inglaterra. E é em clara referência ao estado incontinente e fedorento de alguns acometidos pelo vibrião colérico que o autor da canção usa a expressão “quanto rastro (…) eu já deixei”.

Tantos bons quanto maus motivos, tantas vezes desilusão / Chamando atenção para o problema crescente do transtorno maníaco-depressivo, o roqueiro nos remete ao tempo em que doenças psiquiátricas eram tratadas, via de regra, como casos de possessão ou influências malignas de toda a sorte. Os “bons motivos” eram os que levaram a tentativas de exorcismo por piedade, visando curar a pessoa. Já os “maus” eram guiados somente pelo ódio e medo, pela vontade de destruição dos taxados como “súditos do demônio” e que levariam, inexorável e inescapavelmente, às infames caças às bruxas e cruéis execuções por afogamento ou queimamento. Este último celebrado ainda hoje em dia nas regiões menos abastadas e desenvolvidas do país (e, por isso, mais “tradicionalistas”) sob a inofensiva alcunha de fogueira junina. E isso causa, em todos nós, uma sensação de desengano e frustração; ou, desilusão.

Quase nunca a vida é um balão / Concordo em parte. Acho que Lulu Santos não foi longe o suficiente. Eu diria que a vida nunca é um balão.

Por mais úteis que sejam, acho que a comparação da vida com Erlenmeyers não foi das mais adequadas. Tudo bem que ambos podem ser descritos, em alguns casos, como “ambiente para cultura de micro-organismos” e o balão tenha sido criado na mesma época da TMD, mas acho uma comparação infeliz e exagerada.

Notem que Pasteur não utilizava balões em sua bancada.

Mas o teu amor me cura de uma loucura qualquer / Continuando no subtema psiquiátrico, o tratado melódico entra aqui no ramo do charlatanismo. Justificavelmente retirada da quarta versão do DSM em 1994, a condição conhecidas por séculos como “neurose” não passa de um termo impróprio que evoca agentes etéreos e esotéricos para explicar o que hoje se conhece como ansiedade. Dois dos piores reducionistas comportamentais que, misteriosamente, são também dois dos mais influentes nomes da psicologia, Jung e Freud, deram eminência ao termo sempre numa esfera de “problemas da mente fraca”, uma não-explicação mística que abriu caminho para muitos tipos de pseudociências que alegam ter o poder de curar essa “loucura qualquer”, os quais incluem: terapia genital da neurose, influenciada por A Função do Orgasmo, de Reich (discípulo de Freud) que também é responsável pela neuro-vegetoterapia, uma forma de pseduoterapia por expressão corporal; psicoterapia do amor próprio, derivada da obra de Fromm, A Arte de Amar (fortemente influenciada pelo Talmud); terapia primal, descrita no livro O Grito Primal de Janov; terapia de regressão, uma recombinação eufemística da terapia de vidas passadas de Blavatsky e do já citado volume de Janov; e culminando na mais vil e destrutiva espécie de pseudotratamento, a terapia de conversão, criada por extremistas religiosos cristãos e que alega ter o poder de transformar a identidade sexual do submetido (para heterossexual, mais especificamente, já que religiosos consideram homossexualismo como doença), denunciada na música pelo uso do pronome “teu”, forma possessiva arcaica largamente utilizada na Bíblia. O trecho “teu amor me cura”, portanto, é uma clara referência a Êxodo 15:26.

É encostar no seu peito e se isso for algum defeito, por mim, tudo bem / Ligando os temas e subtemas da letra e arredondando a poesia, ligando o final com o começo numa espécie de Ouroboros lírico, Lulu Santos mais uma vez mergulha na bíblia e pesca a afamada citação em Êxodo 4:6 que conta que, ao “encostar no peito” a mando do “deus de Abraão”, Moisés fica com a mão leprosa, ou com “algum defeito”. Mas “por mim, tudo bem”, pois hanseníase é facilmente tratada hoje em dia.

Recheada de fatos históricos e salpicada com lições de pensamento crítico, esta é, certamente, uma das letras mais rebuscadas da música popular brasileira.

Energia escura; o lado negro da Força trabalhando

De acordo com o as melhores informações que temos hoje (que são inúmeras, então se você quiser questionar a validade do corpo científico de evidências a esse respeito, comece a juntar provas contrárias de hoje e volte aqui em 2113), existe um negócio no universo chamado Energia Escura que, como muitas outras coisas em física (raios-x, Big Bang, etc), tem um nome ridículo porque físicos têm mais o que fazer (como criar acrônimos, por exemplo).

Esse negócio esquisito não interage com a luz e está empurrando as coisas para longe lentamente. Ela também ocupa mais ou menos 70% do Universo. E 70% de tudo é muita coisa, vá por mim.

"Eu lembro quando tudo isso eram galáxias..."

“Eu lembro quando tudo isso eram galáxias…”

O adjetivo “escuro” vem do fato dela não ser luciferamente detectável. E, por estar realizando trabalho (empurrando as coisas), o outro termo, “energia”, surge. A etimologia é a parte simples.

A parte complicada é saber o que diabos é isso. Alguns chamam até de “anti-gravidade” porque seu efeito é exatamente o oposto desta força fundamental. [citation needed] Após alguns bilhões de anos, tudo estará tão afastado do resto que nenhuma estrela será visível a partir de nenhuma outra, tornando o Universo um lugar impossivelmente escuro. Mas ela não para aqui; a Energia Escura vai continuar a expandir o Espaço até que a matéria comece a se desintegrar, molécula por molécula, átomo por átomo, quark por quark. A esse cenário, dá-se o nome Big Rip.

E agora, graças ao cosmólogo teórico George Lucas, podemos ter uma ideia de como essa energia veio a existir.

George Lucas

Em Guerra nas Estrelas (ou Uma Nova Esperança), primeiro filme de uma série duvidosamente razoável, Lucas nos apresenta ao conceito de Força.

Obi-Wan “Ben” Kenobi diz: “A Força é o que dá poder ao Jedi. É um campo energético criado por todos os seres vivos. Ela nos circunda e nos penetra. É o que une toda a galáxia.

Em seguida, Darth Vader, Lord dos Sith diz: “Não tenha tanto orgulho desse terror tecnológico que você construiu. A habilidade de destruir um planeta é insignificante perto do poder da Força.

Como vimos, a Força é algo que permeia todo o universo desde muito tempo atrás (premissa inicial dos filmes) e que viaja a velocidades altíssimas, talvez até instantaneamente, emprestando mecanismos de emaranhamento quântico.

Nós sabemos da velocidade com a qual a Força se move por causa de outra frase de Kenobi, no momento em que a Estrela da Morte (o “terror tecnológico citado acima) destrói o planeta Alderaan em Uma Nova Esperança. Ele diz: “Senti um grande distúrbio na Força… como se milhões de vozes de repente gritassem de terror e fossem silenciadas imediatamente. Temo que algo terrível tenha acontecido.

Em outro momento, no episódio 5, O Império Contra-Ataca, o Imperador Galáctico surge para Vader em forma de holograma e fala de um “distúrbio na Força”, ao qual este responde: “Também senti” (Vader está em seu destróier, num campo de asteróides, enquanto o Imperador está num planeta distante, e ambos notam o súbito distúrbio).

Estou também supondo que os hologramas ao vivo sejam transmitidos pela Força.

Estou também supondo que os hologramas ao vivo sejam transmitidos pela Força.

Na película seguinte, o Mestre Yoda elucida ainda mais a permeabilidade da Força: “Pelo meu tamanho não me julgue, pois meu aliado é a Força. E um poderoso aliado a Força é. A vida a cria, a faz crescer. Sua energia nos circunda e nos une. Seres luminosos nós somos, e não esta matéria imperfeita. Você deve sentir a Força ao seu redor; aqui, ali, entre você, eu, a árvore, a pedra, em todo lugar, sim. Até entre o chão e a nave.

"Não tente. Faça ou não faça. Não existe tentar."

“Não tente. Faça ou não faça. Não existe tentar.”

Energia que circunda e une? Isso reitera o que foi dito por Obi-Wan, junto com “criada por todos os seres vivos”. Mas notem que ele não diz “criada apenas pelos seres vivos”. A vida faz parte dessa energia, que aumenta proporcionalmente àquela, mas não a limita. Isso fica ainda mais claro no episódio 3, A Vingança dos Sith, quando Yoda diz: “Morte é uma parte natural da vida. Regozige-se pelos que estão à sua volta que se transformam na Força”.

É bom ter em mente que, até agora, só discutimos o lado “claro” da Força. O lado “do bem”, o lado que busca a união. O lado negro, por outro lado, é o perfeito oposto, o lado “do mal” que busca afastar e desunir. É como se a Força Clara fosse a gravidade (que é diretamente proporcional à massa, logo, a quantidade de seres vivos influi na “força” gravitacional) e a Força Negra fosse uma anti-gravidade, funcionando de forma semelhante a que observamos a Energia Escura se comportar.

Mas como isso pode se dar?

Ainda no episódio 3, Yoda revela a Obi-Wan que “um velho amigo” descobriu o “caminho para a imortalidade”. Este amigo é Qui-Gon Jinn, mestre de ambos, que após estudar o “segredo da Velha Ordem dos Whills” (responsáveis, entre outras coisas, por relatar os acontecimentos da galáxia numa espécie de enciclopédia, fonte das descrições nos inícios dos filmes), aprende como voltar do mundo dos mortos e “reter sua consciência, talvez até sua aparência física”.

Então temos confirmação de que é possível, com o auxílio da Força, permanecer vivo eternamente, inclusive mantendo a própria consciência.

Bu!

Bu!

O Imperador é o manipulador da Força mais poderoso. Isso é flagrante pelo fato de que ele consegue esconder sua identidade real (Senador Palpatine) até dos mais fortes Cavaleiros Jedi, que jamais suspeitam dele. Ele também consegue, sozinho, manter viva a proibida Ordem dos Sith, desde a morte de Darth Maul até o recrutamento, vários anos depois, de Anakin “Vader” Skywalker.

Em O Império Contra-Ataca, é mencionado que o Imperador previu que seria morto por Luke Skywalker. Isso é confirmado em O Retorno do Jedi pelo próprio Imperador, que diz: “É inevitável. É o seu destino. Você, como o seu pai, agora é meu!”.

Lord Bento dos Sith

Lord Ratzo dos Sith

Se ele realmente era tão poderoso a ponto de ter poder de previsão, como excelente manipulador que era, sem dúvida ele sabia de que forma iria morrer. E por ser tão bem treinado, é possível supor que ele também tivesse conhecimento do truque da Ordem dos Whills de voltar do submundo dos mortos.

Traído por seu pupilo em proteção do filho, o Imperador é jogado no reator de energia da máquina mais terrível e poderosa de todas; a Estrela da Morte.

(Ele planejou usar Luke para provocar Anakin a ponto de ser jogado no reator e se dissipar pelo Universo)

A ordem dos Sith é guiada, de certa forma, pelo ódio (“Ódio, medo, agressão. Eles são o lado negro.” – Yoda, episódio 6). O imperador foi traído em seus últimos momentos de vida, o que possivelmente aumentou seu ódio e, proporcionalmente, o seu poder, já o maior de todos. Ele está também usando o ataque mais poderoso que a Força proporciona, o raio-força.

Finalmente, o Imperador Sidious, Mestre Lord Sith Dooku, cai no reator num pico de energia absoluto. Ele é, então, atomicamente desintegrado pelo reator.

Como sabemos, isso aconteceu numa galáxia muito, muito distante, há muito tempo. Desde então, o Imperador encontrou o caminho para a imortalidade, mantendo sua consciência com seu desejo de vingança e poder. Ao invés de se reconstituir em sua forma física, ele vem espalhando sua influência pelo Universo, lentamente. Ele vem usando a Força para criar trabalho, que é a definição de energia. O Imperador Sidious fez a Força Negra (Dark Force) criar a Energia Escura (Dark Energy).

Imperador caindo

No episódio 2, Ataque dos Clones, Yoda está conversando com o senador Palpatine, alter ego do Imperador, e apesar de ser o Jedi mais bem treinado, não desconfia que o senador seja um Sith. No entanto, uma frase sua é profética. Cientificamente profética.

O Lado Negro obscurece tudo. Impossível de ver, o futuro é.

Assim como impossível de ver será o Universo em seu estado final, o Big Rip.

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Em português meu trocadilho fica péssimo. Este deveria ler “Dark Energy; the Dark Force at work“.

Profissões do futuro – endocronologista

Endocronologista: profissional que se especializa nas secreções internas e regressões progressivas dos tecidos temporais; estudioso dos fenômenos responsáveis pelo crescimento e prolongamento da massa temporal, reprodução de eventos, comportamento e pelo fluxo de substratos e minerais nas épocas adequadas para manutenção da homeostase física do Universo; praticante do ramo da Cosmedicina que cuida dos transtornos das “glândulas” endocronológicas.[1]

A endocronologia é a atividade que tem como finalidade o entendimento completo das consequências de secreções intertemporais no fluxo da corrente não-linear dos éons.

Sonic scrwedrivis!

Sonic scrwedrivis!

Os endocronologistas são especialmente treinados para reconhecer e tratar problemas temporais, ajudando a restabelecer o equilíbrio natural entre causa e consequência. Alguns endocronologistas também trabalham com pesquisa básica, para desvendar os segredos do funcionamento da seta do tempo, e desenvolvem novas mediações e tratamentos para os distúrbios da continuidade. A pesquisa é importante para ajudá-los a aprender as melhores maneiras de tratar falhas no espaço-tempo.

Segundo o Professor Urban Chronotis, as respostas são "sim, não e talvez", nesta ordem.

Segundo o Professor Urban Chronotis, as respostas são “sim, não e talvez”, nesta ordem.

O campo de atuação do endocronologista é extremamente vasto, visto que o cone de luz regula praticamente todas as funções orgânicas, inorgânicas e energéticas, e portanto as alterações de causa podem provocar cataclismos dos mais variados, envolvendo o Universo como um todo.

Interessante notar que as descobertas científicas mais recentes mostram que praticamente todos os momentos do tempo secretam algum tipo de energia. Até mesmo aquelas ocasiões que se acreditava ter funções únicas bem definidas, tais como supernovas e gravidade. Até buracos negros secretam energia.

Se velocidade é medida em espaço dividido por tempo, ao alcançar 88mph a velocidade continua aumentando mesmo quando o carro está indo de volta no tempo?

Se velocidade é medida em espaço dividido por tempo, ao alcançar 88mph a velocidade continua aumentando mesmo quando o carro está indo de volta no tempo?

São de atribuição do endrocronologista o tratamento de condições como retrobetes [2], hiperandroidismo [3], brevidade [4], cronesterol [5], transtornos de crescimento [6], menopausa e/ou qualquer outra pausa envolvendo incrementos temporais (semanopausa, anopausa, onipausa, etc) [7], dentre outros que ainda serão descobertos.

A Sociedade Intercontemporânea de Endocronologia e Metabooleanologia será criada numa data inespecífica para reunir aqueles profissionais com o intuito de fortalecer e proteger a categoria e agrupar simpatizantes interessados em formar grupos de re-flexão.

"Todo o tempo é relativo. A hora do almoço é duplamente relativa."

“Todo o tempo é relativo. A hora do almoço é duplamente relativa.”

[1] Neste contexto, “glândulas” são momentos que secretam energia. Preferível ao neologismo arcaico “pré-póstula”.

[2] Síndrome metabooleana caracterizada pelo movimento retrógrado do tempo. Do grego retrobainein “ir para trás”, de ρετρο– “para trás, retrógrado” + βήτης– “ir”.

[3] Situação envolvendo um número excessivamente indesejado de indivíduos auto-sencientes não-humanos pós-revolução metaindustrial.

[4] Condição psicológica com sintomas agudos causados pela sobrepercepção das diferenças entre um momento e o anterior (ou anterior).

[5] Distúrbio proveniente de falhas de continuidade individual onde o indivíduo percebe o tempo diminuindo até quase parar completamente. Do grego χρόνος– “tempo” + στερεός– “sólido, rígido”.

[6] Alguns dos transtornos de crescimento conhecidos são causados quando o viajante extrapola certos limites temporais, vendo-se em momentos como o Período Inflacionário, muito próximo ao Big Rip ou até após a morte térmica do Universo.

[7] Latim menopausis, do grego μήν– (genitivo μήνας) “mês” + παύση– “cessação, pausa”.

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