Bio-robôs

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“Quando alguém pensar que nosso gênero humano não tem salvação, sempre pode lembrar da história de Alexei Ananenko, Valeriy Bezpalov e Boris Baranov, os três super-heróis de Chernobyl, de quem se diz que salvaram a Europa ou ao menos um ou outro milhão de pessoas a milhares de quilômetros ao redor, num frio dia de abril. Foram à morte conscientemente, deliberadamente, por responsabilidade e humanidade e sentimento da honra, para que o resto de nós pudesse viver”.

Em um fantástico artigo original de Yuri que acabamos de traduzir e publicar em CeticismoAberto, “Os Três Super-Heróis de Chernobyl”, conhecemos um pouco da história dos liquidadores que remediaram o pior acidente nuclear e foram as únicas vítimas diretas de uma explosão que expôs a céu aberto um núcleo ardente de material radioativo. E de toda a história, um dos detalhes que mais me impressionou foi que os liquidadores chamassem a si mesmos de bio-robôs.

Robota

A palavra “Robô” em si mesma foi introduzida por Karel Capek no início do século 20, em uma peça sobre os dilemas de pessoas artificiais servindo aos senhorios humanos. Capek teria considerado inicialmente chamar as criaturas, que podiam pensar como nós, de labori, mas insatisfeito com o termo pediu uma sugestão de seu irmão, que sugeriu “roboti”. Todos esses termos estavam relacionados ao trabalho, à servidão. E foi assim que os robôs, popularizados em larga escala anos depois por escritores como Isaac Asimov, adentrariam o imaginário popular.

As primeiras histórias de Asimov sobre robôs foram todas desenvolvidas sobre a questão de que os robôs, como as mais sofisticadas ferramentas criadas pelo homem para servi-lo, também enfrentavam o dilema entrevisto por Capek entre criador e criatura, por sua vez presente desde a história de Frankenstein. Para resolver estes dilemas Asimov cunhou a ciência da “robótica”, com suas três famosas leis ditando que:

“I – Um robô não deve ferir um ser humano, ou pela inação, permitir que um ser humano seja ferido;
II – Um robô deve obedecer às ordens recebidas de seres humanos, exceto quando estas entrarem em conflito com a Primeira Lei;
III – Um robô deve proteger sua própria existência enquanto esta proteção não entrar em conflito com a Primeira ou Segunda Leis.”

Depois de estabelecer estas leis, Asimov automaticamente passava a questionar e mesmo a transgredi-las; a maior graça de suas histórias é lidar com os furos e paradoxos que as leis podem produzir. Posteriormente Asimov introduziria a Lei 0 da robótica, com a qual brincaria ainda mais:

“0 – Um robô não deve causar mal à Humanidade, ou por inação, permitir que a Humanidade seja prejudicada”.

Bio-robôs

Uma das principais aplicações aos robôs então puramente fictícios de Asimov era em trabalhos de alta periculosidade, incluindo trabalhos no espaço envolvendo alta radiação. Com o desastre em Chernobyl, os robôs fictícios de Asimov tornaram-se realidade. Ainda que o ano fosse 1986 e a tecnologia fosse primitiva em relação àquela que conhecemos hoje, equipamentos por controle remoto já haviam sido usados na prática desde a Segunda Guerra Mundial, e foram colocados em ação nas ações de limpeza essenciais.

Mas aqui estava algo que talvez nem a ficção pudesse antever. Asimov sugeriu que os delicados cérebros positrônicos de seus robôs poderiam ser também vulneráveis a altas doses de radiação. Talvez não esperasse que mesmo os não tão delicados cérebros eletrônicos dos primitivos robôs por controle remoto iriam falhar com as doses extremas de radiação recebidos do contato direto com partes do núcleo do reator expostas.

No vídeo abaixo vemos os equipamentos eletrônicos falhando.

E com a falha dos robôs eletrônicos, entraram em ação os bio-robôs. É uma ironia histórica que os próprios liquidadores talvez apreciassem como uma grande piada em meio à tragédia que ao invés de se chamarem de super-heróis, de atribuírem a si mesmos nomes grandiosos como Messias ou simplesmente Salvadores, eles chamassem a si mesmos de bio-robôs. Simplesmente versões biológicas dos robôs mecânicos que apesar de representar o que de mais avançado a tecnologia podia oferecer então, acabaram mostrando-se de utilidade muito limitada. Com objetivos imediatos simples, os bio-robôs foram por vezes, e como na história de Ananenko, Bezpalov e Baranov, sem esperar retorno cumprir suas missões.

Violaram a terceira lei da robótica, ainda que não tenham sido ordenados à morte, ainda que a tenham encarado para cumprir a prioridade da primeira lei e preservar vidas humanas, e acima de tudo, a lei zero em favor de toda a humanidade.

Não foi em figuras míticas ou em lendas milenares que estes heróis representando o melhor que podemos encontrar em todos nós se inspiraram. Foi na retidão do dever e coragem frente à responsabilidade que um robô, ao mesmo tempo ferramenta e espelho representa que chamaram a si mesmos de bio-robôs.

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“1. Podem as máquinas comportarem-se como humanos?
2. Podemos nós?” – Matt Harvey

– – –

*Mais de duas décadas depois de Chernobyl, poderíamos ter criado robôs muito mais avançados, capazes de suportar doses de radiação para que nenhum ser humano precisasse se sacrificar para salvar outros seres humanos. Robôs avançados capazes de reproduzir toda a destreza de mãos humanas, mas ainda muito longe da sofisticação que nos faria pestanejar duas vezes antes de sacrificá-los em favor de uma pessoa. Infelizmente, não foi o que aconteceu mesmo no país mais automatizado do mundo. Nosso heroísmo individual acaba servo diluído do engessamento burocrático e econômico que falha em perceber e discutir as maiores prioridades.

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