Cidadania Elementar: como 2 minutos podem mudar o país
“Elementar, meu caro Watson“. Em “O signo dos quatro“, para testar as notórias habilidades dedutivas do detetive Sherlock Holmes, o pobre Dr. Watson lhe entrega um relógio de bolso que acaba de ganhar e pede que Holmes opine sobre o caráter e hábitos do antigo dono. A dedução é devastadora:
“Ele era um homem de hábitos desordenados — muito desordenados e descuidados. Iniciou a vida com boas perspectivas, mas desperdiçou as oportunidades, viveu algum tempo na pobreza, com intervalos ocasionais de prosperidade, e por fim, entregando-se à bebida, faleceu“, deduz Holmes, simplesmente analisando o relógio de bolso.
Watson fica consternado, não menos porque o antigo dono do relógio era seu falecido irmão mais velho. A riqueza de detalhes só poderia significar que o detetive havia “decerto andado fazendo indagações sobre a história de seu infeliz irmão, e agora fingia ter deduzido de um modo abstruso aquilo que já sabia“.
Sherlock Holmes logo se desculpa, mas assegura que até então desconhecia que Watson tinha mesmo um irmão. Era apenas a aplicação de seu raciocínio dedutivo:
“O que lhe parece estranho o é apenas porque você não acompanhou a linha do meu pensamento nem observou pequenos fatos dos quais se podem tirar grandes deduções. Por exemplo, comecei por certificar-me de que seu irmão era descuidado. Observando a parte inferior da caixa desse relógio, notará que ela não está gasta apenas em dois lugares, mas está toda amassada e arranhada: conseqüência do hábito de guardar objetos duros, tais como chaves ou moedas, no mesmo bolso. Decerto, não é grande façanha supor que um homem que trata tão desdenhosamente um relógio de cinqüenta guinéus seja um homem descuidado. Também não é muito rebuscada a dedução de que uma pessoa que herda um objeto de tamanho valor não esteja bem provida noutros sentidos“.
E continua:
“Nas casas de penhor da Inglaterra é muito comum gravarem o número da caução, com um alfinete, na parte interna da tampa. É mais prático do que uma etiqueta, e não há perigo de que o número seja trocado ou perdido. Há pelo menos quatro desses números visíveis para a minha lente, no interior dessa tampa. Dedução principal: seu irmão via-se freqüentemente em apuros financeiros. Dedução secundária: ocasionalmente melhorava de vida, pois, do contrário, não poderia resgatar o penhor. Finalmente, peço-lhe que olhe para a tampa interna, onde fica o buraco da chave. Veja os milhares de arranhões em torno dele… são marcas deixadas pela chave, ao escorregar. A mão firme de um homem sóbrio nunca teria feito esses sulcos. Mas podem-se vê-los sempre no relógio de um bêbado. Quando lhe dá corda, à noite, tem a mão insegura“.
É fácil admirar a perspicácia de um detetive como Sherlock Holmes, mas a triste verdade é que Holmes é um personagem de ficção. A feliz verdade é que na vida real existem exemplos ainda mais impressionantes de perspicácia.
Na Segunda Guerra Mundial, por exemplo, estimar quantos tanques de guerra os nazistas estavam fabricando era algo crucial para decidir estratégias de guerra. Não seria impressionante se, analisando apenas um tanque de guerra nazista, um “Sherlock Holmes” da vida real conseguisse elaborar uma série de deduções fantásticas do inimigo?
Pois o que aconteceu foi que analisando dois tanques nazistas capturados, analistas aliados conseguiram estimar que os alemães estavam produzindo 270 tanques ao mês. O Ricardo Bittencourt lá no blog Caixa Azul explica em Matemática x Tanques de Guerra os detalhes de como estatística foi usada para esta incrível dedução. Ao final da guerra, após verificar os registros de produção dos próprios alemães, descobriu-se que o número de tanques produzidos naquele mês foi de… 276.
De Sherlock Holmes a tanques de guerra, estes nexos foram para chegar às eleições:
[youtube_sc url=”https://www.youtube.com/watch?v=wQEsHOqXP9s”]
Cito aqui o “Você Fiscal“:
Apesar do que é divulgado, a urna eletrônica brasileira tem falhas gravíssimas de segurança. Ninguém da sociedade civil tem acesso aos detalhes de como os votos são contados pelo software da urna.
Os últimos testes em 2012, mesmo limitados e curtos, quebraram o sigilo do voto com facilidade. O TSE suspendeu a realização de novos testes depois disso.
E o que nós fazemos agora? Bem, podemos aproveitar uma oportunidade única de sermos detetives, ou melhor, fiscais, de verdade, do principal evento de cidadania em nosso país. E não é nada complicado ou burocrático.
Não tão diferente de como os aliados, analisando apenas um par de tanques, puderam estimar a produção de todos os tanques alemães, nós podemos fiscalizar com surpeendente efetividade os resultados das urnas registrando apenas alguns Boletins de Urna. Com um simples celular.
O Você Fiscal é um aplicativo que permite a qualquer eleitor fiscalizar a urna em que votou, registrando o Boletim de Urna (BU) ao fim da eleição para detectar fraudes através de amostragem colaborativa.
O Você Fiscal é iniciativa do Prof. Diego Aranha, da Unicamp, pesquisador respeitado nas áreas de segurança computacional e criptografia. Tudo colaborativo, transparente e simples.
[youtube_sc url=”https://www.youtube.com/watch?v=3sIE6AxJKkU”]
Podemos duvidar das pesquisas eleitorais, podemos questionar a confiabilidade do processo eleitoral, mas mais do que isso, podemos de verdade fazer algo para garantir que o processo eleitoral seja mais transparente e com isso, válido. Fotografar um punhado de boletins de urna pode não parecer fazer muita diferença, mas com muito menos alguns dos segredos mais guardados pelos nazistas foram revelados.
E, veja, pelos riscos no seu celular podemos deduzir que você pode dedicar o que talvez sejam os minutos mais bem gastos de cidadania.
Nossa experiência com a Editage, serviço de tradução acadêmica
Editage é uma empresa de comunicação científica que visa a derrubar barreiras de linguagem em benefício da divulgação da ciência. Globalmente, a iniciativa anuncia ter atendido mais de 38 mil clientes, revisando mais de 156 mil artigos científicos, contando com uma equipe de tradução e revisão de textos composta por mestres e doutores nativos em Inglês com larga experiência nas mais diferentes áreas de conhecimento e publicações próprias em revistas de alto impacto.
Nós fizemos um test-drive deste novo serviço com uma tradução acadêmica, e o processo de tradução do artigo foi incrivelmente rápido. O texto de aproximadamente 30 páginas em português foi submetido no site para a tradução e 14 dias depois foi entregue totalmente traduzido para o inglês. O texto na versão em português era composto de introdução, materiais e métodos, resultados, discussão, conclusão e legendas de figuras para compor um artigo científico. Acredito que o que facilitou foi o fato de que o português estava escrito de modo conciso, de fácil leitura e interpretação, com ortografia e semântica revisada.
Apesar de o texto possuir uma palavra raramente utilizada pela literatura da área, o sentido geral não foi perdido. No entanto, ainda há necessidade de revisão pelo profissional da área, para adequação do vocabulário. A tradução foi clara, de fácil leitura e com semântica usual de artigos científicos.
No entanto, o serviço não foi apenas de tradução restrita da versão em português para o inglês. O serviço também incluiu a construção de um texto fluído e conciso, com a utilização de advérbios e conjunções em frases chaves que deram sentido mais completo e profissional ao texto. Expressões normalmente perdidas por autores falantes nativos de outras línguas.
Com o surgimento cada vez mais rápido de técnicas e abordagens científicas, a utilização de um serviço de tradução e revisão de textos para profissionais que não possuem o inglês como primeira língua é fundamental. Principalmente quando feitos por empresas familiarizadas com o setor acadêmico e artigos científicos.
O serviço prestado pela Editage será fundamental para a aceleração do processo de submissão do artigo, provavelmente dispensando a revisão do inglês, pedido tão comum de referees e editores de jornais acadêmicos.
Uma experiência positiva, de um anunciante oferecendo um serviço relevante para nós e nosso público. Recomendado!
(Confira também nosso primeiro teste com este serviço)
Lançamento “Cérebro e Crença” de Michael Shermer: Conheça o autor e concorra ao livro!
“O objetivo do ceticismo é entender como o mundo funciona. O mundo sempre será como ele é; não importa como queremos que ele seja. O problema é que nosso cérebro está programado para estabelecer crenças e reforçá-las como verdades absolutas, e não é assim que o mundo funciona. O objetivo da ciência é tentar superar essa tendência cognitiva a acreditar, essa tendência a acreditar em coisas nas quais queremos acreditar mesmo quando não existem evidências.”
As palavras são de Michael Shermer, diretor-executivo da Skeptics Society (Sociedade dos Céticos), colunista da revista Scientific American e professor da Claremont University, na Califórnia. De um cristão fervoroso na juventude até a mudança da faculdade de Teologia para Psicologia e Biologia, a diversificada história de vida de Shermer foi decisiva para que ele abordasse os mesmos questionamentos sob outros ângulos. Atualmente, o escritor norte-americano divulga suas ideias pelo mundo através de palestras e escreve livros que rapidamente se tornam best-sellers.
Para o lançamento de seu terceiro livro no Brasil, “Cérebro e Crença” (tradução de The Believing Brain), através da JSN Editora, Shermer participará nesta quinta-feira (30/08) de uma noite de autógrafos e um bate-papo na Livraria da Vila, no Shopping Higienópolis, em um evento promovido pelo Fronteiras do Pensamento.
O evento é gratuito, e você ainda pode concorrer a um exemplar de “Cérebro e Crença“, em uma cortesia da JSN Editora! Basta retweetar até o final do dia 29/08:
“RT Lançamento de ‘Cérebro e Crença’ de Michael Shermer nesta quinta! http://t.co/h0okECYb“
Cinco perfis serão sorteados e anunciados na manhã de quinta-feira, e os ganhadores poderão receber — e autografar — seu livro no evento! Não perca!
Atualização 30/08/12: E os ganhadores foram @luizbento @hofnik @eltonmanoel @rmtakata @uoleo! Enviamos mensagens através do Twitter com instruções, e vocês também podem confirmar como receber enviando uma mensagem ao email kentaro.mori@gmail.com. Obrigado a todos!
Autógrafos e bate-papo com o autor de “Cérebro e Crença”: Michael Shermer
Quando: 30 de agosto de 2012 das 19h30 às 21h30
Onde: Livraria de Vila, Shopping Higienópolis, São Paulo
Evento gratuito, sem tradução
Deus Morreu. Viva o Higgs!
“E que vilão! O maior de todos os tempos! Há, acreditamos, uma presença nebulosa em todo o universo que dificulta nossa compreensão da verdadeira natureza da matéria. É como se algo, ou alguém, quisesse nos impedir de alcançar o conhecimento último. Essa barreira invisível que nos distancia da verdade é o campo de Higgs. Seus tentáculos gélidos alcançam todos os cantos do universo, e suas implicações científicas e filosóficas dão intensos calafrios aos físicos. E o campo de Higgs opera sua magia negra através de – o que mais? – uma partícula. Essa partícula é chamada de bóson de Higgs. (…) Ele é tão central ao estado da física hoje, tão crucial à nossa compreensão final da estrutura da matéria, e no entanto tão furtivo, que eu lhe apelidei de “God Particle” [Partícula de Deus, em inglês]. (…) O editor [deste livro] não deixou que nós a chamássemos de “Goddamn Particle” [Maldita Partícula], embora esse fosse um título mais apropriado, dada sua natureza maliciosa e o trabalho que está dando”. – Leon Lederman, “A Partícula de Deus” (1993)
O próprio Peter Higgs, um ateu, é bem mais cauteloso e manifestou reprovação ao apelido do bóson que recebe seu nome pela possibilidade de que ofenda pessoas religiosas.
Se o apelido infame foi um tino publicitário da editora interessada em vender livros, e se explicar toda a origem e impropriedade de chamar o bóson de Higgs de partícula de deus ocupar muito espaço, podemos ficar com a sacada do físico Sean Carroll:
“Podemos parar de chamá-la de partícula de Deus agora que há prova de que ela existe”.
Brincadeiras à parte, Lederman não cometeu um sacrilégio tão grande ao conceder aos desejos de sua editora e publicar um livro com o título de “partícula de deus”. Como o jornal Sensacionalista bem noticia, “Cientistas descobrem algo muito importante, mas ninguém consegue explicar o que é”.
“Milhões de jornais do mundo inteiro publicaram a notícia, embora os jornalistas não tenham entendido rigorosamente nada. Os repórteres apenas digitaram o que foi dito pelos cientistas, que por sua vez se mostraram incapazes de explicar ao homem comum para que servia a experiência.”
Isso é rigorosamente verdade, e continuará simplesmente impossível que o homem comum tenha uma noção básica do que a descoberta significa e para quê pode servir sem que o homem comum tenha uma compreensão elementar do que seja a ciência e de que forma ela explica o mundo em que vivemos.
Há quase meio século pisamos na Lua, e o homem comum pouco compreendeu o que aconteceu. Ele sentiu o que aconteceu – homens pisando no grande círculo que sobe ao céu – mas sem a compreensão, apenas o sentimento permaneceu e deu margem para a dúvida, principalmente quando grandes filmes também são capazes de despertar fortes emoções. Não são poucos que pensam hoje que o projeto Apollo foi apenas um grande filme.
Hoje, a descoberta do bóson de Higgs – ou pelo menos o primeiro passo sólido do estudo do campo de Higgs – é um marco científico e tecnológico tão grande quanto a ida à Lua, mas não só a compreensão falta ao homem comum, como o sentimento. É algo muito importante, mas ninguém consegue explicar ao homem comum o que é.
Sem essa compreensão, o bóson de Higgs bem pode ser a partícula de deus. O deus das lacunas, o que é gravíssimo quando as lacunas são de conhecimento que já foi alcançado, mas permanece nas mentes de muito poucos.
“Acabei de explicar o bóson de Higgs ao meu amigo apesar de não entender o que ele é. Ele ficou bem convencido. Aposto que é assim que as religiões começam”. @RobDenBleyker
Veja tudo que já foi publicado no ScienceBlogs Brasil sobre Higgs.
Negros
Por acaso ou não, meu leitor de feeds aproximou as duas imagens e as duas histórias. São dois americanos em fotografias associadas ao esporte.
Um deles é Trayvon Martin, que no final do mês passado foi comprar um pacote de doces para o irmão mais novo em uma loja, durante o intervalo de um jogo. “Pela forma como caminhava ou se parecia”, comentou o chefe de política local, Martin chamou a atenção de George Zimmerman, líder de uma patrulha da vizinhança, que o considerou suspeito e passou a segui-lo.
Martin notou que estava sendo seguido, questionou Zimmerman, e então se seguiu uma luta. Zimmerman tinha uma arma calibre 9mm. Martin tinha um pacote de doces. Zimmerman atirou em Martin. Martin, o garoto da foto à esquerda, morreu aos 17 anos de idade.
A outra foto é a de Neil DeGrasse Tyson. Astrofísico, Tyson tem hoje 53 anos de idade, é diretor do Planetário Hayden e um dos maiores comunicadores de ciência da atualidade.
As histórias por trás das imagens aprofundam em seu contraste tanto a tragédia da imagem que não tem mais futuro quanto as conquistas daquela que teve um futuro tão brilhante. Mas por si só, são apenas duas imagens de dois americanos em fotografias associadas ao esporte. Negros. [via TDW, GAS]
Science Nation Army
O já clássico “Seven Nation Army” do White Stripes, recriado inteiramente com sons de instrumentos do laboratório de explosões no Imperial College em Londres.
Como se trabalhar em um laboratório onde se exploram os efeitos das explosões já não fosse interessante, ainda passaram uma tarde fazendo rock.
No lado sério, essa repetição de explosões para “extrair uma história coerente de biomecânica” a partir de uma montanha de dados não é muito diferente do trabalho de um músico afinando instrumentos e repetindo performances até obter um resultado consistente.
A equipe responsável pela obra expressa melhor do que ninguém a mensagem:
“O resultado final de uma investigação científica, como uma música, é inevitavelmente o resultado de dias de prática, experimentação e colaboração. Um cientista pode ter uma ideia de como quer que sua investigação soe ao final, mas o processo científico irá expor desafios, testar a criatividade e de vez em quando revelar melodias completamente novas”.
O curioso é que o videoclipe original de “Seven Nation Army” também tem seu lado de curiosidade científica.
Não fiz os cálculos (alguém se dispõe?), mas de vídeos similares explorando fractais em zooms infinitos, aposto que ao final o zoom foi tão grande que a imagem inicial do clipe tem um tamanho maior do que o Universo observável. [via BB]
O arranha-céu e o caminhão de cocô
Menos de uma década depois que John F. Kennedy anunciou que iríamos à Lua e faríamos outras coisas “não porque são fáceis, mas porque são difíceis”, Neil Armstrong deu seu pequeno passo e seu grande salto para a Humanidade.
Em apenas 10 anos, imagens aéreas registram o progresso espetacular de Dubai neste vídeo criado para promover o TEDxDubai 2011. Sobre a areia do deserto onde no século 19 mal viviam pouco mais de 1.200 habitantes, hoje floresce uma cidade moderna rumo a duas milhões de pessoas em torno dos mais altos arranha-céus do mundo.
Moderna, sim, mas assustadoramente moderna: Kate Ascher, autora de um livro sobre os arranha-céus de Dubai, contou em uma entrevista à NPR:
“TERRY GROSS: Então você escreveu que em Dubai eles não têm uma infra-estutura de saneamento que suporte arranha-céus como esse. Então o que eles fazem com o esgoto?
KATE ASCHER: Alguns prédios por lá podem acessar o sistema municipal, mas muitos deles em verdade usam caminhões para levar o esgoto dos prédios individuais e então esperam em fila para jogá-lo na usina de tratamento. Então é um sistema bem primitivo.
GROSS: Bem, esses caminhões podem esperar horas e horas na fila.
ASCHER: É verdade. Disseram-me que podem esperar até 24 horas antes que cheguem ao final. Agora, há um sistema municipal que está sendo desenvolvido e presumo que irão conectar todos esses prédios altos em algum ponto no futuro, mas eles certamente não estão sozinhos. Na Índia muitos prédios são responsáveis por fornecer seu próprio sistema de água e remoção de esgoto. Então é realmente – somos muito afortunados neste país [EUA] de que podemos contar com o fato de nos conectarmos a um sistema urbano que possa lidar com qualquer esgoto que um prédio produza. Esse não é o caso por todo o resto do mundo.
GROSS: Bem, ele realmente ilustra um dos paradoxos da vida moderna, que temos essas estruturas que alcançam o céu e então em um lugar como Dubai você tem uma fila de 24 horas de caminhões esperando para jogar for o esgoto desses prédios.
ASCHER: Isso. É preciso lembrar que um lugar como Dubai realmente emergiu nos últimos 50 anos. Era uma sonolenta cidade beduína há meio século. E o que você faz quando traz os mais sofisticados arquitetos e engenheiros, você pode literalmente construir qualquer coisa, incluindo um prédio de 140 ou 150 andares. Mas projetar uma rede municipal de tratamento de esgoto é de algumas formas mais complexo. Certamente requer mais dinheiro e tempo para ser feito, então um pulou à frente do outro.”
A situação no Brasil está muito mais próxima de Dubai do que dos EUA, onde mais da metade do país não possui saneamento básico e mesmo nas maiores metrópoles urbanas vêem-se luxuosos empreendimentos milionários sendo construídos sem um tratamento adequado de seu esgoto.
O Brasil não surgiu há 50 anos, e sim há 500 anos, e os motivos para este paradoxo são outro ponto em comum com Dubai: a desigualdade social e a disponibilidade de mão-de-obra quase escrava.
Somos já há praticamente uma década líderes mundiais na reciclagem de alumínio, com taxas se aproximando de 100%. Um feito fabuloso se fosse resultado da conscientização popular sobre a redução do impacto ambiental e um sofisticado sistema de seleção de coleta de lixo.
Mas nosso recorde de reciclagem é resultado da conscientização da camada mais desfavorecida da população de que revirar o lixo em busca de latas de alumínio jogadas no meio de lixo orgânico, vidro e mesmo em sarjetas é uma das únicas formas disponíveis de subsistência. Uma multidão de catadores da latinhas que todos vemos ao andar pelas ruas responde pelo nosso recorde.
O futuro moderno onde vivemos é aquele onde temos arranha-céus quase quilométricos que dependem de filas quilométricas de caminhões cheios de cocô, dirigidos por motoristas de cocô pagos para ficar quase um dia inteiro esperando sua vez de despejar o cocô de pessoas mais ricas. Onde celebramos o recorde de reciclagem de alumínio, graças a uma multidão de catadores dispostos a revirar todos os lixos da cidade para coletar as preciosas latas que jogamos fora.
Deve estar claro que o recorde de arranha-céu mais alto do mundo ou o de taxa de reciclagem de alumínio não são indicadores muito confiáveis de desenvolvimento, de fato podem ser exatamente o oposto. E enquanto celebramos o tímido progresso econômico de nosso país e seu posicionamento entre as maiores economias do mundo, é bom lembrar que estes são apenas outros indicadores que vistos mais de perto podem revelar um caminho muito mais longo pela frente. [via BoingBoing]
O Ciclo da Água–Infográfico Animado
Estupendamente bem animado, ilustrando o processo do reservatório até sua casa, e de volta ao sistema de coleta e tratamento.
Como deveria ser, claro. [via DYT]
Pluralidade de Mundos
“Para ver um Mundo em um grão de areia e um Céu em uma flor selvagem, segure a Infinidade na palma de sua mão e a Eternidade em uma hora”. – William Blake [c.1793]
Há uma Infinidade de coisas ocorrendo no vídeo acima, onde gotas de oxigênio líquido dançam por uma superfície, devidamente registradas em câmera lenta estendendo a Eternidade de alguns segundos.
As gotas deslizam com quase nenhum atrito devido ao efeito Leidenfrost, onde o oxigênio líquido é vaporizado em contato com a superfície, produzindo uma camada de vapor isolante e com muito pouco atrito. Você pode ver este efeito aquecendo uma frigideira anti-aderente, deixando cair pequenas gotas d’água. O efeito não só diminui o atrito como também fornece isolamento térmico, o que você pode perceber pelo fato de que a gota deslizando pela frigideira pode levar muito mais tempo para evaporar do que deveria se estivesse em contato direto com a chapa. Motivo pelo qual a camada de vapor também explica como se pode mergulhar a mão em chumbo quente ou nitrogênio líquido sem sofrer queimaduras. Não é magia, não é bem um truque. É um efeito descrito por Johann Leidenfrost no século 18.
As gotas de oxigênio líquido se mantêm coesas em si mesmas graças à tensão superficial, e ao longo do vídeo a tensão e a dança das gotas são colocadas à prova devido a ainda outro efeito.
O oxigênio líquido é um material paramagnético, o que significa que não possui magnetismo próprio, mas é atraído por campos magnéticos. Por isso quando um ímã é colocado abaixo da gota, ela se achata, atraída, e uma série de eletroímãs consegue desacelerar e parar uma gota em movimento. Fazem isso, não sem que a forma das gotas seja distorcida devido à interação complexa entre a tensão superficial e inércia. E ainda o efeito Leidenfrost que garante o deslocamento da gota com pouco atrito enquanto ela evapora.
Tudo isso, ocorrendo com uma parte do ar liquefeita através do congelamento, manipulada pelo mesmo eletromagnetismo que responde pela luz que chega a seus olhos e mantém suas moléculas coesas, desenrolando-se em frações de segundo que passariam literalmente em um piscar de olhos.
Admirando aqui a poesia do vídeo de uma gota de oxigênio líquido deslizando sobre uma superfície magnetizada, pensei que nossa imaginação por vezes não faz jus ao mundo em que vivemos.
Então, sempre descobrindo que estou errado e esquecendo das coisas mais simples, me deparo com isso.
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Somos criaturas dotadas de uma imaginação mais do que adequada à Infinidade e à Eternidade, mas enquanto crescemos vemos esta potencialidade infinita limitada por barreiras não tão diferentes daquela que faz com que ao olharmos um grão de areia vejamos apenas um minúsculo ponto e não um Mundo.
Pois bem, Giordano Bruno foi o primeiro Renascentista a ver um Universo infinito em suas dimensões. Galileu Galilei daria outro passo gigante ao apontar o telescópio ao céu. Menos conhecido, Robert Hooke, através de sua Micrographia, mostrou por sua parte que há realmente um Mundo em um grão de areia, como há em flocos de neve e todos os objetos que perscrutou com seu microscópio. Um Mundo de fenômenos ocorrendo mesmo entre os cílios de nossos olhos. Em escalas muito maiores e muito menores do que aquela que podemos segurar entre nossos dedos, há uma pluralidade de mundos.
Uma pluralidade de mundos estendida há menos de quatro séculos através de instrumentos que estenderam nossos sentidos. Quatro séculos estendendo o Universo a bilhões de anos-luz e um grão de areia em moléculas, átomos e subpartículas.
Vivemos há poucos anos com novos instrumentos, antes apenas sonhados por visionários, estendendo nossa comunicação e retirando pouco a pouco as limitações que tão rapidamente encontramos à nossa imaginação. Imagine o que quatro séculos não poderão fazer com os hipopótamos da garotinha francesa.
“Assim, toda a incerteza e os enganos das ações humanas advêm seja da limitação de nossos sentidos, da ilusão de nossa memória, do confinamento de nossa compreensão, de forma que não é surpresa que nosso poder sobre as causas e efeitos naturais avance tão lentamente, dado que não apenas lidamos com a obscuridade e a dificuldade das coisas sobre as quais trabalhamos e pensamos, como mesmo as forças de nossas próprias mentes conspiram para nos trair. Sendo estes os perigos do processo da razão humana, os remédios a todos eles só podem proceder da filosofia real, mecânica, experimental, que tem esta vantagem sobre a filosofia de discurso e disputa, uma vez que onde esta almeja a sutileza das deduções e conclusões, sem muita consideração ao primeiro trabalho de coleta, que deve ser bem fundado nos sentidos e memória, a outra pretende ordená-las todas, tornando-as úteis uma à outra”. – Robert Hooke, Micrographia, 1665
[via Misterhonk, BoingBoing]
Nuclearoids: brinque de física nuclear
Um jogo online de reação em cadeia. Em Nuclearoids, seu objetivo é explodir todos os núcleos atômicos corretos em cada nível, clicando em apenas um deles para iniciar a reação.
A brincadeira é uma referência a reações nucleares em cadeia, onde um núcleo atômico instável pode ser bombardeado por um nêutron, por exemplo, e ao se desintegrar lança mais nêutrons que por sua vez desintegram outros núcleos. Conceito um tanto complicado de expressar e entender em palavras, mas que o joguinho online deve transmitir em questão de segundos. A reação de desintegração, ou fissão dos núcleos, se feita do modo certo se torna uma reação em cadeia até que todos os núcleos, ou boa parte deles, tenha se dividido. Em um material radioativo e com uma massa significativa, a reação pode rapidamente liberar enormes quantidades de energia, no que conhecemos como bombas atômicas.
No joguinho, inofensivo, as primeiras fases são bem fáceis. É porque a matéria está de certa forma próxima da “massa crítica”, na qual a reação em cadeia pode ocorrer mesmo espontaneamente. Clicando em praticamente qualquer núcleo se assiste a um show de luzes. À medida que as fases vão avançando, criar uma reação em cadeia vai se tornando mais difícil.
O jogo não é uma lição de física nuclear rigorosa, e inclui “nuclearoids” com comportamento muito diferente de qualquer núcleo atômico – não que aqueles mais comuns sejam realmente modelos fiéis de átomos reais. Além da diversão, contudo, têm toda essa bagagem mais intuitiva de conceitos mais complicados.
Nuclearoids se soma a outros joguinhos excelentes como Orbitrunner, que dá uma noção das leis de Kepler, e Starlight, ensinando algo de astronomia.