O Sr Burns e a Torre de Resfriamento

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No que você pensa ao ver a imagem acima? Talvez pense em usinas nucleares, talvez se lembre da usina nuclear do Sr. Burns da série Os Simpsons.

Springfield_Nuclear_Power_Plant_1

Esta outra imagem deve ser ainda mais parecida com a usina nuclear de Springfield:

Climate Showdown

Mas alguma coisa está errada. Se você reparar bem, essas duas usinas de energia do mundo real têm, além das torres hiperbolóides que associamos à usina colorida de Springfield, várias chaminés “clássicas”.

As chaminés denunciam como essas não são usinas nucleares. São algumas das usinas movidas a carvão mais poderosas do mundo – a primeira, a de Heilbronn na Alemanha, com capacidade de 950MW, e a segunda, a usina Scherer nos EUA, com capacidade superior a 3GW.

De certa forma é extremamente apropriado que a imagem que associamos a usinas nucleares não seja o reator nuclear em si – as partes laranjas da usina de Springfield – mas sua torre de resfriamento.

Porque o problema não é unicamente o reator nuclear, mas o próprio consumo de energia. Qualquer usina de geração de energia de grande potência realizará trocas de calor em grande quantidade e precisará de grandes torres de resfriamento. Mesmo quando alcançarmos o feito histórico da energia nuclear limpa a fusão, ainda precisaremos de torres de resfriamento. Que provavelmente terão uma aparência muito similar à eficiência das estruturas hiperbolóides tão associadas a usinas nucleares movidas a fissão.

As aparências enganam. A fumaça que surge dessas torres de resfriamento é apenas vapor d’água. Já as chaminés ao fundo podem não emitir fumaça visível, mas estão emitindo enorme quantidade de dióxido de carbono invisível, fazendo com que a usina Scherer seja a maior fonte individual de emissão de dióxido de carbono em todos os EUA, e uma das 20 maiores em todo o planeta.

De pouco adianta lutar contra usinas nucleares se elas são simplesmente substituídas por usinas movidas a carvão que, não por mera coincidência, têm uma aparência externa não muito diferente. E, no que é realmente trágico, podem liberar mais radioatividade ao ambiente e matar mais pessoas que a energia nuclear.

Este post foi inspirado por essa atraente propaganda de uma empresa de energia eólica:

É bem verdade que fazendas eólicas não têm torres de resfriamento. Infelizmente, isso ocorre justamente porque não produzem energia em grande densidade. A maior fazenda eólica do mundo produz menos energia que a usina de Heilbronn e ocupa 400 km2.

Não é possível destruir todas as torres de resfriamento do mundo, elas são consequência natural da termodinâmica e enquanto formos muitos precisando de muita energia, veremos torres de resfriamento.

O arranha-céu e o caminhão de cocô

Menos de uma década depois que John F. Kennedy anunciou que iríamos à Lua e faríamos outras coisas “não porque são fáceis, mas porque são difíceis”, Neil Armstrong deu seu pequeno passo e seu grande salto para a Humanidade.

Em apenas 10 anos, imagens aéreas registram o progresso espetacular de Dubai neste vídeo criado para promover o TEDxDubai 2011. Sobre a areia do deserto onde no século 19 mal viviam pouco mais de 1.200 habitantes, hoje floresce uma cidade moderna rumo a duas milhões de pessoas em torno dos mais altos arranha-céus do mundo.

Moderna, sim, mas assustadoramente moderna: Kate Ascher, autora de um livro sobre os arranha-céus de Dubai, contou em uma entrevista à NPR:

burjtrucks“TERRY GROSS: Então você escreveu que em Dubai eles não têm uma infra-estutura de saneamento que suporte arranha-céus como esse. Então o que eles fazem com o esgoto?

KATE ASCHER: Alguns prédios por lá podem acessar o sistema municipal, mas muitos deles em verdade usam caminhões para levar o esgoto dos prédios individuais e então esperam em fila para jogá-lo na usina de tratamento. Então é um sistema bem primitivo.

GROSS: Bem, esses caminhões podem esperar horas e horas na fila.

ASCHER: É verdade. Disseram-me que podem esperar até 24 horas antes que cheguem ao final. Agora, há um sistema municipal que está sendo desenvolvido e presumo que irão conectar todos esses prédios altos em algum ponto no futuro, mas eles certamente não estão sozinhos. Na Índia muitos prédios são responsáveis por fornecer seu próprio sistema de água e remoção de esgoto. Então é realmente – somos muito afortunados neste país [EUA] de que podemos contar com o fato de nos conectarmos a um sistema urbano que possa lidar com qualquer esgoto que um prédio produza. Esse não é o caso por todo o resto do mundo.

GROSS: Bem, ele realmente ilustra um dos paradoxos da vida moderna, que temos essas estruturas que alcançam o céu e então em um lugar como Dubai você tem uma fila de 24 horas de caminhões esperando para jogar for o esgoto desses prédios.

ASCHER: Isso. É preciso lembrar que um lugar como Dubai realmente emergiu nos últimos 50 anos. Era uma sonolenta cidade beduína há meio século. E o que você faz quando traz os mais sofisticados arquitetos e engenheiros, você pode literalmente construir qualquer coisa, incluindo um prédio de 140 ou 150 andares. Mas projetar uma rede municipal de tratamento de esgoto é de algumas formas mais complexo. Certamente requer mais dinheiro e tempo para ser feito, então um pulou à frente do outro.”

A situação no Brasil está muito mais próxima de Dubai do que dos EUA, onde mais da metade do país não possui saneamento básico e mesmo nas maiores metrópoles urbanas vêem-se luxuosos empreendimentos milionários sendo construídos sem um tratamento adequado de seu esgoto.

O Brasil não surgiu há 50 anos, e sim há 500 anos, e os motivos para este paradoxo são outro ponto em comum com Dubai: a desigualdade social e a disponibilidade de mão-de-obra quase escrava.

Somos já há praticamente uma década líderes mundiais na reciclagem de alumínio, com taxas se aproximando de 100%. Um feito fabuloso se fosse resultado da conscientização popular sobre a redução do impacto ambiental e um sofisticado sistema de seleção de coleta de lixo.

Mas nosso recorde de reciclagem é resultado da conscientização da camada mais desfavorecida da população de que revirar o lixo em busca de latas de alumínio jogadas no meio de lixo orgânico, vidro e mesmo em sarjetas é uma das únicas formas disponíveis de subsistência. Uma multidão de catadores da latinhas que todos vemos ao andar pelas ruas responde pelo nosso recorde.

O futuro moderno onde vivemos é aquele onde temos arranha-céus quase quilométricos que dependem de filas quilométricas de caminhões cheios de cocô, dirigidos por motoristas de cocô pagos para ficar quase um dia inteiro esperando sua vez de despejar o cocô de pessoas mais ricas. Onde celebramos o recorde de reciclagem de alumínio, graças a uma multidão de catadores dispostos a revirar todos os lixos da cidade para coletar as preciosas latas que jogamos fora.

Deve estar claro que o recorde de arranha-céu mais alto do mundo ou o de taxa de reciclagem de alumínio não são indicadores muito confiáveis de desenvolvimento, de fato podem ser exatamente o oposto. E enquanto celebramos o tímido progresso econômico de nosso país e seu posicionamento entre as maiores economias do mundo, é bom lembrar que estes são apenas outros indicadores que vistos mais de perto podem revelar um caminho muito mais longo pela frente. [via BoingBoing]

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