Os Vestidos do Golden Globe: Saias, Barbas e Psico-história

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Moda (s.f.): estilo passageiro que dita o modo de vestir, viver, falar, etc.

Enquanto a moda comenta hoje os vestidos do Globo de Ouro, há mais de sete décadas atrás era publicado um estudo com o curioso título de “Três Séculos de Moda em Vestidos Femininos: Uma Análise Quantitativa” (Richardson, Kroeber, 1940). Sim, há ciência antropológica na moda! E as conclusões podem nos levar a barbas e ficção científica! Mas comecemos um nexo de cada vez.

Centímetros, não sentimentos

A moda tem seu aspecto pessoal, subjetivo, qualitativo. Ainda assim, e especialmente na moda de roupas, ela produz algo físico, objetivo, mensurável e quantitativo: uma peça de roupa pode ser medida em centímetros.

Foi justamente a partir desta sacada que em 1919 o antropólogo Alfred Kroeber encontrou a oportunidade para estudar a evolução da moda de forma objetiva. Não é que fosse um um especial apreciador de vestidos, mas é que folhear imagens de vestidos em revistas de moda feminina “fornece um conjunto conveniente e promissor de dados para um estudo de como mudanças estilísticas ou estéticas ocorrem quando são examinadas quantitativamente ao invés de intuição ou sentimentos subjetivos”. Um tanto o oposto do que se esperaria de alguém folheando revistas de moda.

Em 1940, Jane Richardson expandiu a pesquisa inicial de Kroeber e cobriu os três séculos de moda, analisando vestidos de 1605 a 1936 e é assim graças a Richardson e Kroeber que não precisamos vasculhar três séculos de moda para ter uma ideia dos dados e ao invés simplesmente apreciar seus gráficos.

Especialmente claro é o gráfico da medida da largura da saia de 1788 a 1936:

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Note um vale ao redor de 1810, com larguras de saia mais estreitas; um pico em 1860, saias mais largas; e um novo vale ao redor de 1910-1924, saias outra vez mais estreitas.

Uma das conclusões dos antropólogos é que a moda não é uma reviravolta tão livre quanto seus criadores costumam pintá-la: sim há flutuações que não podem ser previstas, especialmente em períodos de instabilidade, e a moda deste ano é diferente da do ano anterior. São os pontos no gráfico. Contudo, analisadas ao longo do tempo em uma média móvel de cinco anos – a linha sólida — as medidas dos vestidos mudam com uma certa inércia, e acabam produzindo uma curva mais suave de periodicidade.

O papel de indivíduos particulares em moldar o estilo básico de vestimenta é pequeno. A influência de indivíduos criativos ou importantes é provavelmente exercida em sua maior parte em acessórios de moda transitórios”, concluem os autores. Supostos grandes influenciadores da moda como Maria Antonieta eram mais provavelmente apenas representantes de movimentos culturais muito maiores a quem o crédito pela mudança foi atribuído.

Se estas conclusões – a de que a moda não muda no vácuo e apresenta inércia – parecem óbvias, e vasculhar três séculos de registros de vestidos parecer uma perda de tempo, é apenas porque elas parecem óbvias em retrospecto. Sem esses dados, seria apenas um palpite. Graças a Richardson e Kroeber, é uma conclusão apoiada em dados. É ciência!

Somatória de Barbas

Inspirado pelas conclusões e metodologia  de Richardson e Kroeber, o economista Dwight E. Robinson resolveu analisar 130 anos de barbas publicadas na revista Illustrated Longon News, de 1842 a 1972. Em “Moda no Barbear e Corte de Barbas: os Homens da Illustrated London News, 1842-1972”, encontramos estes excelentes gráficos de predominância de costeletas, bigodes e barbas ao longo dos anos:

 

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Como pode ser notado no último gráfico acima, a somatória de todos os tipos de barba mostra um padrão maior ainda mais claro. Ao redor de 1880 quase todos usavam algum tipo de barba, em 1970, quase ninguém. E, de forma intrigante, barbas em particular apresentam uma grande correlação com a largura de vestidos:

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Ou seja, enquanto mais homens usavam barbas, mais mulheres usavam saias largas. De novo, pode parecer óbvio em retrospecto, basta lembrar de um típico casal vitoriano, mas observar a suavidade e concordância destas curvas se estendendo por mais de um século é fantástico.

Psico-história

Hari Seldon desenvolveu a psico-história modelando-a na teoria cinética dos gases. Cada átomo ou molécula em um gás se move aleatoriamente, de forma que não podemos saber a posição ou velocidade de qualquer um deles. Ainda assim, usando estatística, podemos descobrir as regras governando seu comportamento coletivo com grande precisão. Da mesma forma, Seldon quis descobrir o comportamento coletivo das sociedades humanas ainda que as soluções não se aplicassem ao comportamento de seres humanos individuais”. – Isaac Asimov

Analisar grandes movimentos históricos estatisticamente para prever o futuro como uma ciência é ficção científica – e, como Osame Kinouchi me apontou, ficção inspirada pela ciência, ainda que fosse e ainda sejam sonhos científicos. É assim fascinante descobrir que enquanto Asimov escrevia sobre a psico-história já havia estudos como o de Kroeber e Richardson analisando de forma quantitativa a história de movimentos estéticos. Nada tão imponente quanto prever a ascensão e queda de civilizações, mas analisar o comprimento de vestidos já é um começo.

Se isso é ciência, contudo, qual é seu poder preditivo? Podemos prever o futuro da moda, o comprimento dos vestidos e das barbas das gerações futuras?

Em um estudo mais recente, “Mudança Estilística e Moda em Vestidos Femininos: Regularidade ou Aleatoriedade?” (1984), John e Elizabeth Lowe revisam o trabalho de Richardson e Kroeber, comparando cinco anos de sua série com novos dados e estendendo-a com dados até 1983. Além de confirmar as principais conclusões do estudos anterior, os Lowe vão além e formulam um modelo para explicar medidas no passado e sua evolução futura! Esta equação explicaria os vestidos do Golden Globe deste ano e de todos os outros?

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A resposta é negativa. “Uma vez que o modelo é estocástico, isto é, ruído ou imprevisibilidade é uma parte inerente do processo, a capacidade de projetar valores futuros decai rapidamente com o passar o tempo”, notam os autores. “A conclusão central é que o processo de moda de vestidos femininos é predizível, mas apenas escassamente”.

A psico-história da moda de vestidos e barbas ainda não enxerga muito longe… pelo menos com dados de “apenas” três séculos de moda em revistas e ilustrações. O que cientistas do futuro poderão fazer com as bilhões de fotos de moda em redes sociais desde o início deste século 21, talvez só Hari Seldon poderá dizer.

[via Flowing Data, ver também Measuring Time with Artifacts e Analyzing Visual Data]

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