A Primavera Silenciosa da Nature (parte II)

“Houve outrora uma cidade no coração da América onde toda a vida parecia viver em harmonia com o ambiente. Então uma estranha moléstia avançou sobre a área e tudo começou a mudar. Um feitiço maligno foi lançado sobre a comunidade. Por todo o lugar se via a sombra da morte.

Fazendeiros falavam de muitas doenças em suas famílias. Na cidade, os doutores ficaram mais e mais intrigados por novos tipos de moléstias aparecendo em seus pacientes.

Havia uma estranha calmaria. Os pássaros, por exemplo, para onde teriam ido? Os poucos vistos estavam moribundos, tremiam violentamente e não podiam voar. Aquela era uma primavera sem vozes. Pelas manhãs, que outrora haviam vibrado com o coro dos papos-roxos, dos tordos-dos-remedos, dos pombos, dos gaios, das corruíras e de vintenas de outras aves canoras, não havia agora som algum, somente o silêncio pairava.

Nas fazendas, os galos cruzavam mas os pintinhos não chocavam. As macieiras floresciam mas nenhuma abelha voava entre as flores, não havia polinização e não haveria frutos.

Nas sarjetas e nas calhas, entre as telhas, um pó branco granulado ainda podia ser visto. Algumas semanas antes ele havia caído como neve sobre os telhados e jardins, os campos e rios. Nenhuma bruxaria, nenhuma ação inimiga havia silenciado o renascimento de uma nova vida naquele mundo golpeado pela morte. Fora o povo, ele próprio, que fizera aquilo”.

Com esta assustadora “Fábula para Amanhã” começa a “Primavera Silenciosa” (1962) de Rachel Carson, saudado como um dos marcos iniciais do movimento ambientalista. Aproximando-se dos 50 anos desde sua publicação, você pode jamais ter lido o livro de capa verde, mas sem dúvida já escutou alguma versão desta fábula apocalíptica, e é bem possível que o cenário do silêncio dos pássaros e das doenças misteriosas causadas por produtos químicos sintéticos façam parte de seus temores mais primordiais.

Como contou um amigo, quando o aluno comentou, “Bah, o Shakespeare é um clichê atrás do outro!”, o professor respondeu, “Claro, foi ele que criou eles”. A “Primavera Silenciosa” de Carson, com seus alertas sobre o abuso de componentes sintéticos, a manipulação do público incauto pela grande indústria e a delicada teia da vida em que vivemos pode soar como um amontoado de clichês ecológicos.

Claro, foi em grande parte este best-seller ainda lido em escolas que os levou a milhões de mentes. Primavera Silenciosa foi eleito recentemente como um dos 25 maiores livros de ciência pelos editores da Discover Magazine.

“Biocidas”

Em meio à poesia, havia sim ciência: com a comoção popular, o presidente John Kennedy ordenou que seus cientistas investigassem as alegações de Carson. Quando em maio de 1963 o relatório foi finalmente divulgado, nada menos que a própria Science opinaria como:

“O tão esperado relatório sobre pesticidas do Comitê de Assessoria Científica do presidente foi divulgado na semana passada, e embora seja um documento moderado, mesmo em tom, e cuidadosamente equilibrado em seu julgamento de riscos versus benefícios, ele se soma a uma vindicação razoavelmente completa da tese da Primavera Silenciosa de Rachel Carson”.

A tese do livro, novamente hoje um clichê, era realmente simples. O uso irresponsável e irrestrito de pesticidas exterminava não apenas insetos, como afetava animais como pássaros e mesmo seres humanos. Carson argumentava como não seriam “pesticidas”, e sim “biocidas”, porque sua ação não se limitava às pestes e sim se estendia a toda a vida. O DDT em particular podia ter uma ação muito restrita a insetos, mas por ser lipofílico e não se degradar facilmente, tendia a se concentrar cada vez mais na gordura de animais no topo da cadeia alimentar, com efeitos não desprezíveis por exemplo em algumas espécies de pássaros como o falcão peregrino.

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Mais do que seus efeitos colaterais, o próprio sucesso do DDT seria também seu fracasso, porque a evolução é literalmente uma força da natureza. Quase todos os insetos eram exterminados pelo DDT, mas os pouquíssimos indivíduos que por pequenas mutações eram mais resistentes ou mesmo imunes passavam então a se proliferar sem rivais. Enfatizando as ideias de Darwin para o desenvolvimento de resistência a pesticidas por insetos, Carson nota como “a guerra química nunca é vencida, e toda a vida fica encurralada no fogo-cruzado”. Insetos e pesticidas só se tornariam mais tóxicos e resistentes até que realmente não houvesse mais pássaros cantando pela manhã.

Dez anos após sua publicação, o DDT foi banido nos EUA e o uso e aplicação de pesticidas passou a ser melhor regulado por todo o mundo. A Convenção de Estocolmo, um tratado global do qual o Brasil faz parte e em vigor desde 2004, limita o uso de Poluentes Orgânicos Persistentes, incluindo além do DDT substâncias como as dioxinas.

Mas não há nada tão óbvio e ponderado que não possa ser distorcido para se transformar em algo abominável. A figura feminina de Rachel Carson e sua prosa repleta de referências poéticas seria transformada por alguns em um dos maiores males do último século, responsável pela morte de milhões.

No próximo texto.

A Primavera Silenciosa da Nature (parte I)

Imagine uma poção mágica capaz de aniquilar insetos transmissores das mais perniciosas doenças, salvando centenas de milhões de vidas. Jogue a poção mágica, e pouco tempo depois veja uma montanha de insetos caídos no chão. Talvez isso provoque o temor de que a poção pesticida seja altamente tóxica, afinal se mata insetos, o que mais pode matar? Mas imagine ainda que essa poção mágica tenha uma ação bem limitada aos insetos, e que seja tão segura que você poderia ingerir uma colher diariamente, sem nenhum efeito colateral significativo.

Não seria fantástico? O que é mais fantástico é que esta poção mágica já existe, e você talvez a conheça pelo nome de DDT, Dicloro-Difenil-Tricloroetano. A poção mágica foi contudo banida a partir da década de 1970 e desde então tem seu uso restrito inclusive no Brasil. Entender melhor por que isto aconteceu é entender algo das raízes do movimento ambientalista e de questões que foram e continuam sendo cruciais para o nosso bem-estar e o da vida no planeta.

Uma colher de sopa

Que o DDT é um pesticida de grande eficácia é um fato incontroverso: utilizado inicialmente para controlar vetores e surtos de doenças como malária e tifo durante a Segunda Guerra Mundial, durante a década de 1950 foi saudado literalmente como a poção mágica que erradicaria tais doenças por completo em todo o mundo e sozinho duplicaria a produtividade da agricultura, livre das pragas de seis pernas. Milhões de vidas foram realmente salvas e em várias áreas doenças foram efetivamente erradicadas após campanhas de dedetização. Em português, o DDT tornou-se mesmo verbo e profissão, ainda que hoje dedetizadores já não usem mais o Dicloro-Difenil-Tricloroetano.

Gordon.EdwardsSeria o DDT seguro à saúde humana? O entomologista americano J. Gordon Edwards dedicou sua vida a provar que sim, e de forma particularmente simples e corajosa. Edwards pegava uma caixa de DDT, enfiava uma colher de sopa no pesticida em pó e… botava goela abaixo, com alguns goles de água. A palestra que proferia depois sobre a segurança do DDT à saúde humana sem dúvida se tornava um tanto mais empolgante. Ao lado, uma fotografia de Edwards ingerindo mais uma colher de DDT ilustrando um artigo notório da revista Esquire em 1971.

J. Gordon Edwards faleceu em 2004, aos 84 anos de idade, enquanto escalava uma montanha com sua esposa. A causa da morte foi um ataque cardíaco.

Este, no entanto, é apenas o começo da história, e você não deve sair por aí tomando colheradas de DDT. A Primavera Silenciosa de Rachel Carson e os motivos muito razoáveis para o banimento do DDT, no próximo texto.

Vida

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“Aceitamos que satélites, planetas, sóis, o universo, não, sistemas de universos inteiros sejam governados por leis. Mas o menor dos insetos, nós desejamos que tenha sido criado por um ato especial” – Charles Darwin

Ainda sobre a variedade sempre surpreendente da vida, dois outros achados no Reader. Primeiro, um sapo do tamanho de um ervilha, com pouco mais de um centímetro de tamanho.

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É o Microhyla nepenthicola, encontrado por cientistas na ilha de Bornéu, e o menor sapo do Velho Mundo. Ele foi achado pelo seu coachar, e você confere o som desta ervilha anfíbia cantante clicando na imagem.

Outro animal inusitado é o peixe-tripé (Bathypterois grallator), que pode ficar literalmente de pé sobre três apêndices longos, de até mais de 30 centímetros, esperando suas presas. Assista no vídeo capturado a 1.443 metros de profundidade:

[via BoingBoing, Neatorama, pya]

GIFs animados de mecanismos

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A tampa de uma panela com água fervendo começa a pular: é uma máquina a vapor. Pode parecer rústica ao extremo, e realmente é, mas no GIF animado acima você confere o princípio de funcionamento da primeira máquina a vapor prática inventada por Thomas Newcomen em 1712, que não é muito diferente.

O vapor de uma caldeira levanta um pistão, isto nós reconheceríamos de praticamente qualquer motor. Mas a parte que hoje parece bizarra ocorre para que o pistão desça. Água fria é jogada a fim de que o vapor se condense, e o processo se reinicie.

Com o aquecimento e resfriamento do mesmo pistão a cada ciclo, a máquina a vapor era extremamente ineficiente – e foi justamente aperfeiçoando esse projeto que James Watt revolucionou o mundo impulsionando a Revolução Industrial. Mas podemos apreciar a simplicidade da idéia de uma máquina a vapor que é essencialmente uma tampa de panela gigante resfriada com baforadas de água fria a cada ciclo.

Na continuação, alguns outros GIF animados curiosos indo dos mistérios da máquina de costura aos canhões de um encouraçado.

 

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Mola Maluca

Pode não ser uma máquina de movimento perpétuo, mas é sem dúvida hipnotizante. Confira outras máquinas fascinantes de robotjim1951 em seu canal no Youtube.

Por aqui, o assunto do post é mesmo o “Slinky”, “Lazy Spring” ou “Mola Maluca”. Inventado por acaso pelo engenheiro naval americano Richard James durante a Segunda Guerra Mundial enquanto desenvolvia uma sistema de estabilização para instrumentos em navios sacolejantes, uma das molas caiu da estante e fez seu hoje conhecido malabarismo, caindo por uma série de degraus de livros, uma mesa até o chão. Com alguns ajustes para fazer a mola “andar” melhor, e vendida inicialmente logo após o fim da guerra, mais de 300 milhões de unidades já foram produzidas desde então.

A Mola Maluca é fascinante por sua simplicidade. É geralmente usada em sala de aula para demonstrar a propagação de ondas, principalmente a diferença entre ondas transversais e longitudinais. Mas há experimentos mais complicados.

Por exemplo, o que acontece com uma Mola Maluca suspensa em microgravidade? Tente adivinhar, é um tanto óbvio. Abaixo, a mola inicialmente sob efeito da gravidade, e então na microgravidade de um avião em um arco parabólico:

O que não é tão óbvio é curiosamente o que acontece sob efeito da gravidade. Em “A Slinky Problem”, o matemágico Martin Gardner pergunta: “Se você segurar uma extremidade de uma Mola Maluca, deixando o resto pendurado, e então soltá-la, o que acontece?”. Novamente, tente imaginar o experimento. “Estudantes dificilmente adivinharão a resposta e serão surpresos pela demonstração”, notou Gardner.

Bem, você confere o resultado no vídeo abaixo:

Axt, Bonadiman e Schmidt, da Universidade Regional do Noroeste do Rio Grande do Sul, explicam o que acontece em um ótimo artigo sobre “O Uso de uma espiral de encadernação como mola” (PDF):

“Por estar ela esticada pela ação do próprio peso antes de ser solta, existem tensões internas no seu sistema de elos. Ao ser deixada cair, durante o breve intervalo de tempo em que a espiral recobra seu comprimento original, as tensões internas fazem com que sua extremidade superior se mova para baixo com aceleração maior do que g. Enquanto isso, a extremidade inferior permanece temporariamente contida no espaço. De qualquer modo, durante a queda, o centro de gravidade da espiral se move com a aceleração g da gravidade”.

Maluca mesmo.

Ilustrando o Grande Colisor de Hádrons (LHC)

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Em busca do Bóson de Higgs. Para uma abordagem mais informativa, confira nosso post de 2008: LHC Smörgåsbord: que, como, quando, para onde?

O Sistema Solar em 30 Megapixels

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O artista francês Licoti criou uma embasbacante ilustração do sistema solar com 30.000 pixels de largura. Acima, você confere um minúsculo trecho, clique para baixar o arquivo completo de 18Mb na Wikimedia, ou navegue pelo infinito e além através do vídeo abaixo.

[via Byte que eu gosto]

A Garota Afegã em 3D

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A Garota Afegã é uma das mais famosas e celebradas fotografias modernas, capturada pelo fotógrafo Steve McCurry em junho de 1984 em um campo de refugiados, enquanto o Afeganistão era ocupado por forças soviéticas. Como capa da revista National Geographic e a imagem mais reconhecida da história de mais de 100 anos da publicação, a menina só foi identificada por nome e localizada quase vinte anos depois como Sharbat Gula, já uma mulher de 30 anos vivendo sob o regime fundamentalista Talebã.

Nesta bela imagem de enorme contexto histórico, o detalhe é que o que vemos aqui não é uma fotografia. É uma recriação digital realizada por computação gráfica pelo artista Hyun Kyung Up. Ele utilizou os programas Z-Brush, 3D Max e Photoshop para “expressar as singulares obras de arte [de McCurry]”, que vem fazendo um tour e passou inclusive pelo Brasil.

Abaixo, algumas capturas de tela do processo de modelagem:

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A recriação é imensamente bela e quase perfeitamente acurada, mas admirei ainda mais o relance parcial de seu rosto visto de frente – ainda que sem os poderosos olhos verdes. Esta outra visão de Sharbat Gula tem grande significado porque, como se descobriu, Gula só foi fotografada três vezes em toda sua vida. A primeira justamente aos doze anos, no que se tornou o registro icônico. Apenas ao redor de 2002 a busca por ela pôde ser empreendida, e como parte da procura ela foi fotografada uma segunda vez, identificada, para então ser finalmente clicada novamente por McCurry. Ela mesma só viu seu famoso retrato em 2003.

Hyun Kyung Up pode ter recriado outra visão de uma beleza jovem e também perturbadora que estaria do contrário perdida para sempre.

Vinte e seis anos depois, tanto mudou, e no entanto, tão pouco. No ocidente, especialmente nos EUA, onde antes uma beleza perturbadora chamou atenção ao sofrimento de refugiados por todo o mundo durante uma ocupação soviética, agora uma outra revista publica em sua capa um retrato chocante de outra bela jovem afegã, mas desta vez, horrivelmente desfigurada. Desta vez são os próprios EUA que ocupam o Afeganistão, e a mensagem que se pretendeu transmitir foi bastante diferente.

Não é minha intenção afirmar aqui qualquer posicionamento político simples sobre a ocupação do Afeganistão, os EUA, ou mesmo a URSS e o Talebã. Se 26 anos depois tanto mudou, mas tão pouco mudou, é porque as questões não são nada simples. Mas ao partilhar esta reinterpretação fabulosa de uma fotografia belíssima e repleta de significado precisava mencionar ao menos alguns dos nexos políticos que esta arte pode inspirar. Até porque o título deste post pode soar como uma versão superficial e de puro entretenimento para uma fotografia tão séria.

“A Garota Afegã em 3D” e a arte digital, como arte, podem e devem provocar reflexão. Com ZBrush, Max e Photoshop.

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[Sugestão de Paulo Dias na Ciencialist. Arte apresentada no fórum ZBrushCentral]

A Humanidade não merece ir à Lua (parte VI)

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Reconhece a imagem acima? É a olhada mais profunda no Universo já conseguida, contendo aproximadamente 10.000 pontos luminosos, quase todos, e cada um deles, uma galáxia completa, estendendo-se no espaço e tempo a 13 bilhões de anos ao passado. Tudo isso, em uma fatia minúscula do céu, menor do que a largura de seu dedo mínimo com o braço estendido – dividida por seis, em verdade.

Começamos esta série de textos em fevereiro deste ano com um reflexo resumindo nosso gigantesco avanço tecnológico, do Flyer dos irmãos Wright ao traje lunar de Neil Armstrong, e encerramos esta série com um outro reflexo. Isto porque a Hubble Ultra Deep Field (HUDF) acima foi capturada pelo telescópio espacial Hubble, o famoso e e venerável instrumento lançado há vinte anos, com um espelho refletor primário de 2,4m de diâmetro.

O telescópio Hubble foi lançado após o fim da Guerra Fria, o período único na história humana que levou a corridas tecnológicas absurdas, incluindo aí o avião supersônico Concorde, em uma espécie de dilema do prisioneiro em escala global. No caminho, demos um salto gigantesco ao pisarmos na Lua, mas ao custo de deixar de lado visões e projetos mais grandiosos e racionais de conquista e exploração espacial. No penúltimo texto desta série, comentamos por fim como “a humanidade não merece ir à Lua. Ciência e tecnologia nos oferecem o Universo infinito, mas como macacos nos preocupa muito mais o que outros macacos andam fazendo. Acabamos todos prisioneiros do poço gravitacional terrestre”.

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O telescópio Hubble ainda é uma demonstração desta triste constatação, não por si mesmo, mas por um detalhe pouco conhecido. O diagrama que você vê acima não é um projeto do instrumento astronômico que contribuiu tanto para a ciência e tornou-se sinônimo de fonte para algumas das imagens mais profundas, incluindo literalmente a imagem mais profunda do Universo já capturada. O diagrama acima é uma concepção do que se acredita ser a série de satélites espiões Keyhole KH-11 classe Kennan. Um total de nove satélites da classe KH-11 foram lançados entre 1976 e 1988, e eles eram praticamente idênticos ao telescópio espacial Hubble.

Ou melhor, se você se lembrar de que o Hubble foi lançado em 1990, o inverso é verdade: um dos mais conhecidos instrumentos científicos da história recente é basicamente uma versão civil de um projeto militar. Até mesmo o tamanho do espelho refletor do Hubble foi determinado pelo tamanho exato dos espelhos usados inicialmente nos satélites espiões. Uma das únicas diferenças é que enquanto os satélites militares espionavam a Terra, mirando mísseis nucleares, bases militares e conflitos pelo mundo, o Hubble passou a mirar… o céu.

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Há um trecho no romance “Contato” de Carl Sagan onde, e aqui estrago algo das surpresas da história, com a destruição de uma Máquina ao custo de bilhões de dólares, descobre-se em uma reviravolta considerada por muitos inverossímil que uma segunda Máquina havia sido construída secretamente. “Por que construir uma quando você pode ter duas pelo dobro do preço”, brinca o personagem Sol Hadden na versão cinematográfica.

A realidade é ainda mais absurda: considerando que o telescópio Hubble custou em torno de U$2,5 bilhões, contando em verdade com tecnologias já desenvolvidas para os satélites espiões secretos, pode-se ter uma vaga ideia do custo do programa Keyhole ao desenvolver e lançar nada menos que nove satélites equivalentes. No mais completo segredo.

E o programa de satélites espiões americanos não parou aí, como não começou aí. Enquanto astrônomos lutam por frações do tempo de observação do Hubble há vinte anos, com descobertas que alteraram nosso conhecimento da origem e futuro do Universo e tantos outros conhecimentos esperando para serem desvendados, satélites ainda mais potentes, com espelhos refletores ainda maiores, estão disponíveis neste exato momento para uso militar e secreto. É absurdo, mas aparentemente – é tudo muito secreto – há pelo menos dois satélites mais potentes que o Hubble orbitando o planeta neste exato momento. Mas, ao invés de mirar o céu, miram a Terra. “Como macacos nos preocupa muito mais o que outros macacos andam fazendo”.

No penúltimo texto prometemos que aqui encerraríamos a série com as esperanças de que mereçamos voltar à Lua e consigamos alcançar as estrelas. Há, sim, e apesar de tudo, muita esperança. Você que se aventurou até aqui, em um mergulho profundo e talvez deprimente, deve desculpar este desvio: não planejei toda a série de textos de antemão, como talvez possa ter ficado claro, e não resisti complementá-la com este nexo. Se há alguma dúvida sobre as loucuras de que somos capazes, a exploração espacial, com seus custos literalmente astronômicos e suas possibilidades literalmente infinitas as demonstram com uma clareza cristalina.

Porém, encontrar esperança para encerrar a série em um tom positivo não é difícil. E os meses de espera entre as primeiras partes e este encerramento vieram bem a calhar. No próximo e final texto.

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Confira as partes anteriores:

Tributo a Escher: Escadas Interativas

Nico Roig criou este fascinante panorama interativo baseado na obras “Stairs” de M.C. Escher. Clique para apreciar em tela cheia, usando a scrollwheel do mouse para zooms. [via cgr 2.0]

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