Entrevista com John Alcock

Enfim esse post que eu estava devendo desde o encontro de etologia em Novembro do ano passado. Espero que vocês apreciem a simpatia desta personalidade da etologia. Meus agradecimentos especiais à camera-woman de emergência, Lucélia Nobre Carvalho.

 

 

Ciência à Bessa – Prof. Alcock, obrigado por esta oportunidade ótima de se dispor a conversar conosco, assim como por vir produzindo este livro texto maravilhoso há tantos anos e que vem inspirando tantas gerações de etólogos pelo mundo. Então vamos começar perguntando o que te fez escrever este livro? O que te levou a deixar de lado um pouco do seu trabalho no laboratório e investir tanto esforço em um livro para estudantes? E quanto você acha que este livro contribuiu para o ensino da etologia?

John Alcock – Antes de qualquer coisa, eu gostaria de agradecer o seu interesse em traduzir meu livro e o esforço em me trazer para participar deste evento grande e bem sucedido. A respeito da produção do livro, eu vinha ensinando em um curso de comportamento animal, entre outras coisas, e os únicos livros-texto disponíveis para nós eram livros sobre etologia clássica, que não traziam em seu conteúdo os conceitos mais novos da ecologia comportamental. Então, para oferecer aos meus estudantes este material mais novo eu decidi escrever o livro-texto. Naquele momento eu não fazia idéia de quanto trabalho daria, mas à medida que eu trabalhava percebi que se você escrever algumas páginas por dia, eventualmente o trabalho fica pronto. E foi um grande sucesso! O livro foi usado por meus alunos e muitos outros. Na mesma época outro título muito bom foi produzido, de qualquer forma nossos dois livros lançados em 1975 foram os dois primeiros livros a apresentarem o conteúdo novo da ecologia comportamental aos estudantes. Então, olhando para trás, a importância desse trabalho, independente do trabalho que deu, hoje me parece bastante óbvia.

CAB – Bom, outra coisa sobre a qual você escreveu, além do Comportamento Animal: uma abordagem evolutiva, foi sobre sociobiologia. Quanto tempo faz mesmo que você escreveu?

JA – Eu não me lembro direito, acho que foi em 2003, por aí. Já faz alguns anos que escrevi esse livro.

CAB – Pelo que você acha que a sociobiologia tem passado ultimamente? Quer dizer, as pessoas têm muito interesse nesta área. Será que elas também estão mais tolerantes com a idéia da sociobiologia, o público em geral, digo?

JA – Acho que ainda há resistência entre o público geral e os cientistas sociais sobre as idéias da sociobiologia. Mas são umas idéias meio batidas que foram emprestadas dos críticos da sociobiologia que eram muito veementes no começo deste campo. Veementes, mas incorretos. Então eu escrevi meu livro para tentar, junto com muitos outros, defender a sociobiologia. Eu honestamente acho que, apesar de ser menos discutida nos dias de hoje, ela está sempre em pauta atualmente na forma da ecologia comportamental. Então, todas as pessoas que tem usado os princípios da teoria evolutiva para estudar o comportamento social, que originalmente se intitulavam sociobiólogos, atualmente continuam usando os princípios da teoria evolutiva para estudar o comportamento e se chamam de ecólogos comportamentais. Então o campo de estudo floresceu!

CAB – Um outro termo que foi muito criticado, embora seja uma constante no seu livro, é o programa adaptacionista. Qual parte da teoria evolutiva não é adaptacionista? Já que tudo o que tem inspirado as idéias sobre evolução são adaptações.

JA – Bem, eu acho que tudo na teoria evolutiva, como Darwin nos explicou de forma muito astuta e precisa, é o programa adaptacionista tentando explicar como adaptações complexas e altamente funcionais surgiram. E as afirmações de Darwin, baseadas na teoria evolutiva, eram de serem produtos da seleção natural. Mas havia este outro componente da teoria evolutiva de Darwin que era a descendência com modificação no qual ele argumentava que, ao compreender o histórico de características que encontramos hoje em termos de uma cadeia de pequenas modificações ligando o que havia no passado com o que há no presente. Isto de certa forma é a responsável pelas coisas serem como são. Então eu sinto que a teoria darwinista é de fato dividida em duas partes. Uma parte é adaptacionista e a outra parte é a história evolutiva. É claro que elas estão correlacionadas, mas o programa adaptacionista é a abordagem fundamental baseada na teoria da evolução por seleção natural. Os adaptacionistas são os verdadeiros darwinistas!

CAB – O que te chamou tanto a atenção para o comportamento animal? Por que estudar comportamento?

JA – Hum, eu sou um biólogo essencialmente de campo. Eu comecei minha carreira no campo fazendo observação de aves, eu adoro observação de aves. Então eu comuniquei meus amigos em uma idade bem tenra de que eu seria um observador de aves profissional. De fato eu conheço vários etólogos que muito cedo decidiram que observação de aves, ou algo do gênero, seria a profissão deles…

CAB – Pode me incluir nessa lista, mas com observação de peixes.

JA – Ok, Observação de peixes, observação de aves, o que quer que seja, observação de morcegos. O que quer que tenha levado as pessoas para o campo e tenha lhes dado contato com os animais é muito gratificante, mesmo que para uma minoria. Então, assim que eu descobri que havia uma maneira de me tornar um observador de aves profissional, sim, porque meus primeiros trabalhos foram feitos sobre aves. Assim que eu descobri isso eu me dediquei a tornar-me um professor em comportamento animal.

CAB – Muito obrigado pela atenção.

JA – Obrigado, Eduardo.

 

Alcock e Bessa

Eduardo Bessa de mediador e o tradutor Max em excelente companhia, Bill Hamilton (no slide) e John Alcock

Diário de Viagem – 4 de março, terremoto no Chile

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Chegamos no aeroporto e enquanto esperava a bagagem na esteira me chegavam apressadamente as notícias do grande terremoto através de um funcionário. Em Concepción não se via uma casa em pé, setenta aldeias haviam sido destruídas e uma onda gigante havia varrido as ruínas da cidade. Logo o boato tornou-se real com provas em abundância, toda a costa estava coberta de móveis, destroços flutuantes, eletrodomésticos, como se as Casas Bahia houvessem sido abduzidas por alienígenas e depois disppersas na praia. O comércio também perecia, sendo saqueado e arrombado, nas ruas jaziam sacos de mantimentos rasgados, mercadorias valiosas no chão. Passeando próximo à orla percebi fragmentos de rochedos onde estavam aderidos seres de mais de 1,80 m que certamente haviam emergido das profundezas.

A própria ilha que eu olhava agora havia sido consideravelmente encolhida pela terrível força do terremoto, a praia devorada pela imensa onda resultante. Formavam-se fendas no sentido Norte-Sul que atingiam 1 m de largura. Enormes massas de terra já haviam desmoronado sobre a praia e os habitantes estavam certos de que assim que chovesse massas ainda maiores desmoronariam. Mais impressionante ainda era a quantidade de fraturas em rochas extremamente duras, elas deveriam ser restritas à camada mais superficial ou neste momento em todo o Chile não restaria uma rocha inteira. Tenho certeza que este tremor de alguns instantes foi mais responsável pela diminuição da ilha de Quiriquina do que séculos de erosão pela água e pelo tempo.

No dia seguinte tomei uma van para Telcahuano e Concepción. As duas cidades apresentavam o espetáculo mais horrível e, ainda assim, o mais interessante que meu espírito naturalista poderia conceber. Os escombros estavam na mais completa confusão e era difícil acreditar que outrora aquele fosse um local habitável. Caso o terremoto tivesse ocorrido à noite, e não às 16 h, em lugar de menos de mil, haveria morrido a maior parte da população, salvou muitos o gesto instintivo de sair à rua ao primeiro sinal de tremor. Em Concepción enxergava-se fileiras do que antes foram casas, mas em Telcahuano, devido à onda, nada mais se enxerga do que um tapete de telhas e tijolos. O primeiro abalo foi logo o mais drástico, o funcionário do aeroporto que veio conversar comigo reportava que a primeira coisa que lhe ocorreu após o início do terremoto foi ver a si e sua moto derrubados imediatamente no asfalto. Levantava-se apenas para ser novamente atirado ao chão. Foi o pior terremoto que o Chile jamais registrou, e inúmeros tremores menores se seguiram ao principal, somaram-se 300 de diferentes magnitudes e em diferentes locais nos dias subsequentes.chile2

O tsunami me foi descrito como uma linha de até 6 km de comprimento e até 7 m de altura que varreram as praias arrancando tudo à sua frente. Um carro forte de 4 toneladas foi arrastado por 5 m e diversos barcos do atracadouro foram parar no seco. No entanto, a onda deve ter avançado lentamente, já que muitos habitantes fugiram dela a pé para as áreas mais altas da cidade. Era possível identificar a direçào de onde haviam vindo as vibrações pelas paredes que haviam ruído ou ficado de pé e pelas estantes que haviam perdido seu conteúdo ou não.

A Ilha de Santa Maria, que se localiza mais ou menos sobre o centro dos abalos, está agora situada cerca de três vezes acima do resto do litoral que a cercava. O efeito mais surpreendente do terremoto foi este, a elevação do terreno entre 60 e 90 cm. Quem sabe esse não seja um efeito, mas a causa do terremoto. Na Ilha de Santa Maria, por exemplo, a marca da maré foi parcialmente apagada pelo tsunami, mas habitantes locais podiam me jurar que a rocha costeira estava elevada. Mais relevante do que isso foi que conchas que só existem na linha d’água, conchas de fato muito semelhantes a outras encontradas fossilizadas em picos a 3900 m nos Andes, foram encontradas após os tremores a 3 m da linha d’água pelo Capitão Fitzroy, Aparentemente pequenas alterações acumuladas por intervalos longos de tempo podem resultar em mudanças dramáticas na paisagem.

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Tradução poetica e livremente alterada dos diários de Charles Darwin a bordo do Beagle, a 4 de março de 1835, mas bem que poderia ter sido escrito dia 4 de março de 2010 por alguém visitando exatamente a mesma região.

Crédito das imagens: www.lanacion.cl e www.cepresperu.org

Pensamento de segunda

– E depois que a gente morre, Emília?
– Ah, Visconde, depois que morre a gente vira hipótese.