Cinquenta tons de cinza, uma abordagem evolutiva
O inegável fenômeno editorial Cinquenta tons de cinza, de E. L. James, tem batido recordes de vendas. Seu sucesso, em especial entre as mulheres, é, no entanto, previsível. Ele reflete a natureza humana com precisão. O livro é recheado do que há de mais adequado ao papel sexual feminino desde muito antes do surgimento do Homo sapiens.
Sempre me interessei por literatura erótica, descobrir um título novo me chamou a atenção logo no início. Me adiantei e baixei na Amazon a amostra grátis para Kindle, ainda em inglês. Para quem ainda está por fora, a narrativa descreve o romance entre o bilionário-poderoso-autoritário-lindo-bem sucedido-e-perturbado Christian Grey e a jovem atrapalhada e inexperiente Anastasia Steele. Desde muito cedo na trama a jovem se sente atraída pelo galã, com quem inicia um relacionamento sadomasoquista cheio de reservas, mistérios e clichês.
Não sei se diria que se trata de um livro erótico, essa foi a primeira coisa que me surpreendeu. O livro começa em ritmo de comédia romântica à la Marian Keyes sobre o interesse crescente de Anastasia e suas dúvidas sobre a reciprocidade de Grey. Li até o sétimo capítulo, terminou a amostra à qual tinha direito no Kindle e nada da ação esperada para um livro dito erótico. Fiquei entre o desapontamento e a curiosidade (o primeiro mais forte do que o segundo, claro, senão teria comprado o e-book inteiro) até pegar emprestado com uma aluna a versão traduzida, aí tive minha segunda surpresa.
Surpreendi-me em seguida porque, depois de quarenta anos de revolução sexual, esperava que um livro erótico com tanto apelo para o público feminino tivesse sintonizado com as conquistas feministas. Cinquenta tons de cinza não relata aspirações feministas. Relata, sim, aspirações femininas. De todas as fêmeas, inclusive as que eu julgo entender melhor, que são as fêmeas não-humanas.
Anastasia Steele é uma fêmea jovem e fértil, apesar de ter dúvidas sobre sua qualidade enquanto parceira reprodutiva. Ela sabe do valor de seus gametas. Ah sim, óvulos preciosos e raros. Por isso, até os 21 anos, guardou-os muito bem, não confiando a nenhum macho de sua espécie a mais remota possibilidade de aproveitar-se deles. Ana sabia que seus óvulos valiam algo mais, eles deveriam trazer benefícios a ela. Foi aí que a mocinha conheceu Christian Grey.
Christian é um macho alfa: Poderoso, bilionário e sedutor. Ao primeiro contato ela percebe que aquele macho pode lhe prover todo o valor de seus caros óvulos. Ele sim tem muito mais a trocar do que os irrisoriamente baratos espermatozoides oferecidos pelos colegas de subemprego ou de faculdade. Fêmeas de babuíno trocam seus óvulos pela proteção do macho alfa contra agressões. Fêmeas de alguns algumas aranhas trocam seus óvulos por alimento de qualidade oferecido pelo macho. Fêmeas do peixe joaninha trocam seus óvulos por um lar que o macho construiu. Anastasia Steele trocaria os seus por tudo isso!

Presente nupcial, o objeto branco no abdômen da fêmea é um alimento nutritivo dado pelo macho que, assim, aumenta suas chances de acasalar. Fonte: abc.net.au
No entanto, machos opressores não são opressores só com os outros. Essa dominação se repete na alcova. Pássaros caramanchão repetem para suas fêmeas durante a corte o mesmo tipo de movimento agressivo que usam para intimidar rivais. Tubarões brancos mordem suas parceiras para se segurar a ponto de deixar lacerações profundas no dorso. Patos imobilizam a fêmea antes de copular. Bandos de golfinhos nariz de garrafa encurralam uma fêmea e se alternam em copular com ela. Christian Grey, quando finalmente começam as passagens picantes do livro lá pela centésima página, se diverte causando dor e subjugando suas parceiras. Ok, ela adora e consente tudo no clima de envolvimento em que se encontra. Ainda assim o custo da segurança que Grey oferece a Ana é a agressão.
Igualdade entre os sexos, qual o que? A Anastasia Steele que existe em cada leitora quer o mesmo príncipe encantado de sempre: poderoso, provedor e que a admira, mesmo que a subjugue de alguma maneira. Assim como todas as fêmeas do mundo animal, as de nossa espécie também buscam o merecido valor por seus caros gametas femininos, custe o que custar. Se animais pudessem ler, Cinquenta tons de cinza venderia muito mais, porque sua narrativa vai direto ao que as fêmeas esperam dos machos em qualquer espécie.
3º setor, Profissão Biólogo
Pedro de Sá – sócio e membro do departamento florestal da ONG Iniciativa Verde

Retransformar paisagens degradadas em ambientes íntegros é uma prestação de serviço à humanidade e também é Profissão Biólogo.
Atuo no terceiro setor em uma Organização Não-governamental chamada Iniciativa Verde. (www.iniciativaverde.org.br). No terceiro setor, aquele que compreende as ONGs e OSCIPs há muitas oportunidades de atuação para o biólogo. A ONG onde trabalho foi fundada por dois engenheiros, um biólogo e um designer. Atualmente somos 10 funcionários sendo que desses, quatro são biólogos. Dois trabalham na área florestal e dois na área de mudanças climáticas/inventário de emissões de gases de efeito estufa.
Cotidianamente tenho a exigência de uma formação solida principalmente em áreas como botânica e ecologia vegetal/florestal. É necessário também conhecer e entender a importância das florestas como provedores de serviços ambientais. Ter noções de direito ambiental é necessário também. Fora esta parte mais teórica/acadêmica eu tive que estudar e desenvolver um lado de gestor de projetos com o qual não tive contato na universidade. Essa parte de gestão não se encerra no acompanhamento físico-financeiro do projeto, pois exige também uma adequação de discurso inerente a um trabalho onde, em uma ponta você capta recurso com empresas e órgãos públicos e reporta resultados para estes, e na outra ponta você executa o projeto, com agricultores rurais, comunidades tradicionais, associações e ONGs locais, órgão ambientais e outros. Outra habilidade necessária é a criatividade para propor projetos inovadores. Este é sem dúvida um requisito básico para trazer projetos para a instituição.
Meu cargo é de coordenador florestal. Eu sou responsável por prospectar parceiros interessados em trabalhar com a Iniciativa Verde em projetos de restauração florestal. Parte do meu tempo então eu passo prospectando parceiros que queiram restaurar suas áreas de preservação permanente (APPs) ou que possuam projetos de restauração de APPs e necessitem de apoio financeiro e/ou técnico para realizar os projetos. Outra parte do tempo eu passo executando os projetos seja em campo durante os plantios e manutenções das florestas ou em escritório na confecção de relatórios e reportando os resultados para os nossos financiadores. Também despendo tempo escrevendo novos projetos e dando respaldo à equipe que busca novos financiadores.
Teoricamente minha carga horária é de 30 horas semanais, mas eu acabo sempre trabalhando mais que isso. Assim eu divido meu tempo em três semanas trabalhadas na iniciativa verde cumprindo 40 horas semanais e na semana restante dedico meu tempo a uma pequena empresa de consultoria na área ambiental que abri há um ano e em cursos complementando a minha formação.
O ambiente de trabalho é muito bom. A equipe é muito diversificada, tanto entre as formações específicas dos membros do grupo, quanto dentro das formações e nas experiências pretéritas (muitos se “fizeram” no serviço público outros em empresas, na acadêmica ou propriamente no terceiro setor) o que faz com que seja um aprendizado constante. É fato que isso exige muito de você e da equipe, pois nem todo mundo está acostumado a “falar” a mesma língua, mas eu considero o resultado final disso muito bom.
O fato de ser escutado pela diretoria nas decisões cotidianas da instituição também melhora o ambiente e faz você se sentir parte da instituição, o que é ótimo. Possuímos uma sede bem aconchegante em local central, com boa estrutura de serviços e de fácil acesso, o que torna o nosso cotidiano muito mais fácil na capital paulista.
Como eu disse anteriormente eu tive que aprender muito, e ainda tenho muito a aprender, sobre gestão de projetos e como fazer o aspecto técnico e gerencial caminharem conjuntamente. Além disse eu tive que correr atrás de várias coisas que não tive contato na universidade, ou se tive foi muito a “En passant” como o direito ambiental, sociologia e principalmente a discussão do papel do biólogo na sociedade. Eu creio que esses assuntos deveriam ser obrigatórios em todos os cursos de biologia. Mas o principal extra, e que eu carrego no meu dia a dia, foi aprender a adequar o discurso técnico e acadêmico a uma linguagem acessível e compreensível a um pequeno agricultor do interior do estado ao técnico ambiental de uma pequena cidade do Brasil e por aí vai.
Eu gostava muito das disciplinas ligadas às ciências naturais: Zoologia, Botânica e Ecologia, na graduação. Como eu passo boa parte do meu tempo no campo vendo plantas, bichos padrões e processos ecológicos não tem como não lembrar das disciplinas citadas acima.
Após me formar eu comecei a trabalhar com estudo do meio. Eu creio que essa etapa profissional foi fundamental pra praticar e entender a importância da adequação de discurso que falei acima. Um belo dia eu prestei um concurso para trabalhar com recuperação de áreas degradadas e fiquei por pouco de ser chamado. No tempo entre ser ou não ser chamado eu comecei a estudar sobre o assunto e vi que aquilo ia me completar naquele momento. Então eu comecei a dar as caras no meio, participar de congressos encontros e reuniões. Depois comecei a fazer um estágio na ESALQ com adequação ambiental de propriedades rurais, durante o estágio eu comecei a trabalhar como colaborador de uma ONG em Piracicaba, o Instituto Ambiente em Foco e foi ai que eu vi que queria trabalhar no terceiro setor. Fiquei um ano e meio no Ambiente em Foco e em janeiro de 2010 recebi o convite da Iniciativa Verde para integrar o Departamento Florestal. Em janeiro desse ano eu recebi um convite da diretoria para me tornar associado da instituição e hoje além de técnico sou um associado.
São duas principais coisas que me motivam: a primeira delas e plantar árvores. Segundo, e não menos importante, é saber que esse trabalho está causando um impacto positivo na vida de pessoas que vivem a quilômetros de distância e que podem ser elas que plantam a alface que eu vou comer hoje no almoço ou que ordenharam o leite que eu bebi hoje de manhã.
Existe certo preconceito com o terceiro setor no Brasil por conta dos escândalos de corrupção envolvendo ONGs. É justificável? Sim, mas também é necessário separar o joio do trigo. Outra dificuldade não é só restrita ao terceiro setor, mas à área ambiental como um todo. A área ambiental não é uma atividade fim e sim uma atividade meio. É um meio para se conseguir uma licença, é um meio de se melhorar a imagem coorporativa. Enfim são poucas as empresas/instituições dispostas a investir realmente em meio ambiente. Tudo isso torna árdua a captação de recursos para realização de projetos.
Eu acho que não serve só para a minha carreira, mas para todas. É fundamental, além de ser um profissional com uma formação sólida, se colocar no meio, através da participação de eventos, seminários e simpósios e uma vez nele não desistir quando os obstáculos aparecerem. Pode ter certeza que serão vários e de diferentes naturezas. Mas o principal mesmo é ir atrás do conhecimento e das ferramentas que a universidade não te ofereceu e isso só se faz vivendo. No meu caso ler Manoel de Barros é tão importante quanto fazer um curso de direito ambiental.
Pensamento de Segunda
“Sabemos de quase nada adequadamente, de poucas coisas a priori, e da maioria por meio da experiência.”
Gottfried Wilhelm Leibniz
A tesourinha complexada
Para minhas colegas de trabalho Alessandra e Jéssica

Torta, mas funcional. A forfícula dos machos é assimétrica para ajudar nas lutas. Fonte: www.sfsu.edu
Naquela manhã, no consultório psicanalítico…
A doutora abriu o consultório e por trás do balcão de atendimento a secretária lia um desses compêndios das piadas mais idiotas. Como era difícil encontrar uma boa funcionária, pensou a doutora. Ela nem contava que a secretária trocasse a revista de piadas pelos sonetos de Shakespeare ou O Livro dos Símbolos do Jung. Não a embaraçar na frente dos clientes já seria suficiente.
– Bom dia, vamos entrando. – Convidou a terapeuta.
O insetinho tinha uma compulsão quase irresistível pelas frestas, estava sentado num canto do sofá encolhido. Bem na hora em que se levantou e virou em direção à porta do consultório, a secretária disparou uma risada nada abafada em reação ao chiste, gargalhada dessas de mostrar obturação em dente siso. Imediatamente a tesourinha curvou os tergitos mediais do abdômen e grudou na parede. Correu para dentro do consultório com as lacínias tortas numa expressão inconfundível de quem foi ofendido.
– Doutora, ela riu de mim. – Sentenciou o animal desconfortavelmente enfiado entre duas dobras do divã.
– E o que há de engraçado em você, Sr. Anisolabis?
– Não é engraçado, é constrangedor! Doutora, nem tamanho de tesourinha que se preze eu tenho. Além disso, morro de vergonha de uma parte do meu corpo.
– O que há de errado com ela? – Instigou a terapeuta que já havia percebido a assimetria e a estatura diminuta do cliente.
– Ah, ela é feia, é pequena. E, doutora, o pior é que ela é mais torta de um lado que do outro. Por isso sua secretária riu de mim. Ela viu como sou horrendo.
– Mais torta para um dos lados, mas será possível? Você mostraria para mim?
– De jeito nenhum, você riria de mim como ela riu. Tenho vergonha. – Respondeu o inseto com o clípeo corado de vergonha.
– Sr. Anisolabis, eu sou uma profissional!
Ainda meio contrariado a tesourinha puxou lentamente seu abdômen de dentro das dobras de tecido do divã e expôs sua extremidade. Ali estava uma estrutura escura e alongada, um lado bem curvado, o outro mais aberto. Era mesmo torto, mas a analista tinha autocontrole e sabia do que se tratava.
-Não tem nada de estranho aí. Sua forfícula está dentro do tamanho padrão para a sua espécie. Além disso, o formato dela assim desigual é, na verdade, uma forma de você lutar melhor, você luta bem graças à sua forfícula torta.
– É verdade. Mesmo eu não sendo dos maiores, luto muito bem e sempre uso com habilidade minha forfícula.
– Você deveria se preocupar mais com a firmeza do aperto de forfícula do que com seu tamanho ou forma. – A analista sempre sabia como contornar uma situação constrangedora.
– Falando assim a senhora até parece minha mãe. – Respondeu o dermaptero.
– Chega de trasferência por hoje, Sr. Anisolabis! Vamos deixar sua relação com sua mãe para a próxima seção. Passar bem.
Nicole E. Munoz & Andrew G. Zink (2012). Asymmetric Forceps Increase Fighting Success among Males of Similar size in the Maritime Earwig Ethology DOI: 10.1111/j.1439-0310.2012.02086.x
Pensamento de Segunda
“O homem não é mais que um caniço, o mais fraco da natureza, mas é um caniço pensante.”
Blaise Pascal
Pensamento de Segunda
“Muitas coisas impedem o conhecimento, incluindo a obscuridade do tema e a brevidade da vida humana.”
Protágoras
Parabéns biólogos!
Em tempo, quero dar meus parabéns a todos os Biólogos. Aos Biólogos que são mais do que uma carteirinha do CRBio na carteira ou um diploma na parede. Aos Biólogos de fibra, mas de uma fibra mais nobre do que a fibra de celulose. Aos Biólogos que o atestam nas cicatrizes das viagens de campo e nas histórias impagáveis de laboratório. Aos Biólogos que, como eu, falam com fervor desse mal que lhes acomete, seja para seus jovens alunos, seja para sua tia-avó e queira ou não a plateia escutar. Aos Biólogos que só se sentem vivos mesmo em meio a tudo o que é vivo. A todos esses Biólogos, meu feliz dia do Biólogo!
Esse ano quero dar meus parabéns especiais a um grupo de Biólogos específicos em nome de todos os do país: a Gesivânia Pires, o Ângelo Manzotti, a Fabiana Freitas, a Tania Matsumoto, o Allan Crema, o Elias Lopes de Freitas, a Vivian Mendonça, o Fernando Nodari, a Karina Tatit, a Sarah Leandrini e todos os meus futuros entrevistados da série Profissão Biólogo. Vocês têm sido um sucesso de clicagem, obrigado pela participação e pela confiança. E aos visitantes, continuem acessando que ainda tem muito material até o fim do ano.
Pensamento de Segunda
“Não acredite em nada, não importa onde você o leia ou quem o diga, a menos que esteja de acordo com sua própria razão.”
Sidarta Gautama