Corais Bioconstrutores – A criptozoologia que existe
Há diversos animais fantásticos tão grandes que são capazes de abrigar toda uma população humana sobre si. O que mais me lembro é a Serpente de Midgaard, ou Jormungand, da mitologia nórdica, que cresceu tanto que mordeu seu próprio rabo e circunda toda Midgaard. Além desta, há também a lenda de que a Terra repousa sobre o casco de uma tartaruga cósmica gigante, comum a muitos indígenas norte-americanos.
A despeito disso, nações inteiras podem existir sobre um animal. Ok, não sobre UM animal, mas sobre milhões deles, os recifes de coral. Cada pólipo de um antozoário não mede mais do que alguns milímetros, mas eles são capazes de fixar sais de cálcio da água do mar em seus esqueletos. Ao longo de muitos séculos essa deposição poderá formar uma superfície firme acima da linha d’água. Ilhas inteiras têm essa origem e algumas delas abrigam países no Pacífico Sul. É o caso, por exemplo, de diversos atóis que formam as Ilhas Cook.
Muito do folclore, incluindo os mitos de animais descomunais sobre os quais pessoas vivem, está ameaçado de extinção pelo massacre cultural que vivenciamos na modernidade. Da mesma forma, essas nações que existem sobre os corais Anthozoa estão ameaçadas pelo aumento do nível dos mares e acidificação da água decorrente das mudanças climáticas.
Sacculina-A criptozoologia que existe
Um apocalipse zumbi é uma das mais comuns fantasias de fim do mundo da contemporaneidade. Mal sabemos que isso não é lá tão ficcional assim. Recentemente a ciência têm demonstrado uma importante atuação dos parasitas na modulação do comportamento de seus hospedeiros. Já durante a graduação um exemplo disso me impressionou muito numa aula de Zoologia do saudoso Prof. Carlos Rocha, as cracas parasitas do gênero Sacculina.
Essas cracas em nada se parecem com aquelas que vemos no costão rochoso, em cascos de navio ou sobre baleias (aliás, as que se assentam sobre baleias são mais uns caroneiros chatos do que parasitas mesmo). Só é possível saber que a Sacculina é uma craca por causa da fase larval. A anatomia do adulto é única entre os crustáceos e se divide num saco reprodutivo externo e um rizoma interno que permeia todo o corpo do hospedeiro, em geral caranguejos ou lagostas.
Ao encontrar um hospedeiro, a larva da Sacculina irá invadir seu corpo através de uma junta do exoesqueleto do hospedeiro. Ali a parasita fêmea se desenvolverá até irradiar por todo o corpo do hospedeiro e produzir um saco reprodutivo externo na região caudal da vítima, o mesmo local onde os ovos deste se desenvolveriam. Paralelamente, a Sacculina irá afetar a fisiologia e a anatomia do hospedeiro, primeiro castrando e depois estimulando a feminilização anatômica e comportamental se o hospedeiro for macho. Ao acasalar, o parasita começa a produzir larvas ao mesmo tempo que estimula no hospedeiro os comportamentos de cuidado aos ovos e dispersão de filhotes que este teria com seus próprios descendentes.
Privado de crescer e se reproduzir pela presença do parasita, o caranguejo devota todo o excedente da energia que consome para nutrir a Sacculina até o fim dos seus dias, tornando-se um zumbi a serviço das cracas. Por mais assombroso que seja, caranguejos zumbis existem e chegam a ser 50% dos indivíduos em algumas regiões mais infestadas. Isso pode ser um problema para a produção de frutos do mar em locais como o Alasca.
Picnogônida – A criptozoologia que existe
Já fui mergulhar em vários lugares nos quais ficava aliviado de ir para a água para me livrar de animais terrestres indesejáveis, especialmente mosquitos. Isso não valeria para “aranhas”, já que existem “aranhas” marinhas bem assustadores. É o caso dos picnogônidas, ou pantópodas. A maioria das 1300 espécies desse animal é bastante pequena, mas existem espécies antárticas que podem alcançar 90 cm. Isso mesmo! Uma “aranha” de 90 cm.
Quetognatos – A criptozoologia que existe
Pavor descreveria sua sensação ao se deparar no mar com um quetognato se você tivesse menos de 2 cm. Na verdade estes monstros marinhos só não são mais assustadores por casa de seu pequeno tamanho. Com o corpo em forma de dardo, os quetognatos possuem uma série de punhais ao redor da boca prontos para injetar um veneno asfixiante em suas presas. Para completar, são praticamente invisíveis porque têm o corpo transparente. Em geral eles se movem muito lentamente, mas as nadadeiras que flanqueiam seus corpos permitem arrancadas muito velozes para dilacerar a presa incauta.
Sua anatomia quase invisível e muito pequena faz com que até hoje seja difícil posicioná-los na árvore genealógica dos animais. Ele já foi considerado um deuterostômio aparentado de nós vertebrados, um grupo de verme cilíndrico ou até algo semelhante ao ancestral de todos os animais bilaterais. O fato é que ninguém sabe exatamente onde eles se encontram na história evolutiva. Já nos oceanos, esses assassinos são fáceis de encontrar. Apesar de serem poucas espécies reconhecidas, quetognatos são muito numerosos no plâncton marinho. Ainda bem que não somos seus alvos na hora da caça.
Priapúlida – A criptozoologia que existe
Esta bizarra criatura habita o fundo dos mares, passa sua vida chafurdando na lama ou entre os grãos de areia. Acreditava-se que eles só viviam nos mares frios e profundos, mas, para desespero de todos, mais e mais pessoas têm relatado encontros com priapúlidos em águas rasas por todo o mundo.
Seu estranho nome tem uma origem ainda mais assustadora. Priapus era o deus grego do pênis, uma referência direta a sua anatomia peculiar. De fato, vários humanos que já encontraram priapúlidos relatam que sua visão causou gritos e reações que oscilaram da euforia ao pavor em decorrência do corpo alongado, roliço e dotado de uma probóscide entumescente com uma abertura única (a boca) que explica a analogia entre os animais deste falo, digo, Filo e um órgão masculino. Para completar, diversas espécies (como a da foto) ainda têm filamentos semelhantes a pelinhos na extremidade posterior. Outra bizarrice é que esses animais vagam entre nós quase despercebidos desde o Cambriano médio, muito antes dos dinossauros, e permanecem até hoje quase idênticos ao que foram 400 milhões de anos atrás.
Os priapúlidos possuem uma simatria corporal bilateral como a nossa, o que demonstra um parentesco muito antigo com os humanos. O ancestral comum entre nós e eles provavelmente era um verme de corpo achatado semelhante a um platelminto. Apesar do baixo metabolismo, os priapúlidos são grandes o suficiente para precisar de um sistema circulatório e até de um pigmento de transporte de oxigênio, a hemeritrina. Os órgãos estão arranjados numa cavidade corporal que se assemelha à nossa cavidade abdominal, mas tem uma origem embrionária muito diferente, sendo um resquício da fase embrionária de blástula. Esses animais alimentam-se de matéria orgânica em meio ao sedimento ou predam outros invertebrados lentos. Por sua vez, servem de alimento para peixes. A despeito de todas as comparações entre priapúlidos e pênis, a maioria dos animais desse grupo não ultrapassa os 3 cm, embora alguns poucos afortunados possam chegar a quase 40 cm.
A criptozoologia que existe
Criptozoologia é, supostamente, a “ciência” que estuda animais fantásticos. É ela a responsável pelas “pesquisas” sobre o pé-grande, a mula sem cabeça, o monstro do lago Ness e outras criaturas fantásticas derivadas de mentes criativas, desocupadas e carentes de atenção.
No entanto, existe toda uma série de animais que existem, mas que são muito pouco estudados, quase desconhecidos e ignorados pela maioria da humanidade. Nos próximos meses conheceremos a criptozoologia que existe, animais quase inacreditáveis, mas reais, e saberemos mais sobre o que eles têm a ver com você e comigo. Não percam, aqui, no Ciência à Bessa!