A lesma do mar masoquista

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Naquela manhã, no consultório psicanalítico…

Siphopteron. Linda, mas com um gosto sexual duvidoso. Fonte: seaslugforum.net

A doutora ouvia a narrativa da paciente chegando ao fim com um nó na garganta e uma secreção ácida no estômago. Mesmo depois de tantos anos no consultório, algumas histórias ainda a horrorizavam. A paciente, uma lesma do mar branca, vermelha e amarela de menos de meio centímetro, chegou contando sobre seu relacionamento atual, um caso clássico de sadomasoquismo.

– Em resumo é isso, doutora. Para mim uma boa sessão de sexo nunca termina sem um bocado de hemolinfa derramada e objetos afiados introduzidos no meu corpo.

A psicanalista, que havia anos seguia uma linha pouco ortodoxa entre Lorenz e Lacan, disfarçou o melhor que pôde seu mal-estar e comentou: – Mas se isso proporciona prazer a você e seu parceiro, que mal há?

-Você pergunta que mal tem? Olhe para mim, doutora. Sou uma lesma do mar bem sucedida, tinha um emprego legal e um papel de liderança lá no recife de coral. Mas agora tenho uma cicatriz do estilete peniano do meu parceiro na testa. Que vida social e profissional me cabe com marcas inequívocas como essa? Saio na rua e todo mundo já sabe como anda minha vida sexual! – Acontece que os nudibrânquios têm um pênis enorme e nele existe um tipo de estaca que o macho finca na fêmea. Uma coisa assombrosa, seja pelo tamanho do membro, seja pela aparente violência do ato, que deixava a fêmea toda marcada. – Você só diz isso porque está aí nessa poltrona quase de costas para mim e, nessa escuridão, nem consegue me ver direito.

-Olha, Dona Siphopteron, você precisa decidir qual o seu desejo. O sexo como você pratica deixa marcas que complicarão outras partes da sua vida. Não tem um lugar mais discreto para você pedir ao seu parceiro para te dar estocadas?

A lesma balançava a cabeça abanando os tentáculos cefálicos negativamente. – Ele só quer saber de me penetrar na testa, assim fico marcada!

– E ele injeta alguma coisa em você nessas penetrações?

-Injeta sim. Por que? Isto quer dizer alguma coisa?

-Bom, uma forma de encarar o fetiche de vocês, uma bem lacaniana, diria que houve uma ruptura entre o significado e o significante. Inconscientemente você deseja deixar esse papel de liderança e sucesso, mas recalcou esse desejo e o sublimou de outra forma, tornando-se sexualmente submissa. – Informou a psicanalista colocando a perna dos óculos de armação larga entre os lábios a título de ponto final.

-De jeito nenhum! Nunca me canso dessa vida agitada, das minhas responsabilidades. Eu adoro ser assim. É só que também gosto de sexo desse jeito e ninguém tem nada com isso. – Protestou a Sra. Siphonopteron com o manto arrepiado.

-Exatamente por te deixar tão exasperada eu diria para você pensar no que eu disse até nossa próxima sessão. Essa rejeição imediata do que eu disse me remete à negação, o que indica que pode ter um fundo de verdade. – A psicóloga encerrou a sessão fechando seu bloquinho de anotações e espetando na espiral a caneta elegante.

A cliente parecia resignada enquanto se arrastava até a porta de saída. Quase virando no corredor deu um giro sobre o pé e perguntou à analista. – Você disse que uma forma de encarar meu fetiche era a lacaniana. Qual seria a outra?

-Olha, são só especulações. Injetando líquido da próstata na testa, tão perto dos seus nervos, as secreções do seu parceiro podem estar afetando seu sistema nervoso e mudando seu comportamento. Talvez isto te deixe cada vez mais submissa e disposta ao masoquismo. Mas isto é um palpite. Até semana que vem.

Voltando da porta, a doutora reparou que sua secretária nem tinha escutado as conversa com a paciente porque não desgrudara os olhos do livro que tinha nas mãos. Algo parecia errado com a capa, onde se lia “365 receitas para o dia-a-dia”. Abaixo dessa capa, frouxamente encaixada ao miolo, dava para ver claramente a capa cinza de “Cinquenta tons mais escuros”. A terapeuta reparou os dedos da secretária se crisparem segurando firme o livro ao perceber que estava sendo observada.

-Cuidado com os recalques, minha filha. Assuma seus desejos porque as consequências podem ser piores. – Comentou a doutora retornando a sua sala.
Rolanda Lange, Johanna Werminghausen and Nils Anthes (2013). Cephalo-traumatic secretion transfer in a hermaphrodite sea slug Proceedings of the Royal Society B DOI: 10.1098/rspb.2013.2424

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