Tudo em um ano 15 – Homo sapiens
E enfim chegamos ao último post do nosso ano cósmico. Desde os fogos de ano novo que deram as boas vindas a 2010 e significaram para nós o Big Bang passamos por um longo processo até nossos ancestrais mais recentes. Neste último momento do ano cósmico tiveram origem os primeiros organismos os quais poderíamos chamar de Homo sapiens.
Cro-magnon, um dos mais antigos fósseis humanos conhecidos
Fonte: talkorigins.org
A teoria à qual ora me reporto sugere que a população de nossos ancestrais retornando da Ásia, dividiu-se em dois grupos. Um migrou para a Europa e deu origem aos Neandertais, o outro retornou à África de onde havia saído. Neste período ocorreu uma glaciação, que isolou os Neandertais dos humanos, assim sendo, todas as novidades evolutivas que surgiram nos parentes do norte ficaram restritas a eles, todas as que surgiram nos parentes do sul idem. Com o acúmulo de diferenças em populações geograficamente isoladas temos uma divisão em duas novas espécies, um processo conhecido pelos biólogos como vicariância. Nossos ancestrais na África passaram por dificuldades e sua criatividade foi fundamental para a sobrevivência. Da mesma forma que membros longos, menos pelos no corpo e o suor profuso ajudaram a lidar com o clima desértico subproduto da glaciação que na Europa causticava nossos parentes Neandertais.
Este processo, como tudo em evolução, foi lento, apesar de ocorrer em um atmo deste ano cósmico. Se nossa espécie tem apenas 200 mil anos surgiríamos por volta das 23:52 horas do último dia do ano. Nos próximos minutos inventaremos a roda, aprenderemos a trabalhar o aço, construiremos monolitos, pirâmides e arranhacéus, nos dispersaremos para todos os continentes da Terra, criaremos os afrescos do teto da Capela Sistina, o avião, a bomba atômica e o microchip. De todo modo, agora que vai terminando a primeira década do novo século e a série “Tudo em um ano”, desejo a todos um feliz 2011.
Tudo em um ano 14 – Gênero Homo
Faltam menos de 13 horas para o fim de nosso ano cósmico e estamos na África. Uma seca devastadora causada pelo congelamento da água na recém-formada cordilheira do Himalaia levou ao desaparecimento de grandes extensões de florestas e escassez de alimento para muitos animais, incluindo os hominídeos nossos ancestrais. Este ambiente favoreceu uma linhagem de hominídeos com dentes fortes e musculatura mastigatória possante, capaz de triturar frutos, sementes e raízes duros, os Paranthropus. Uma outra linhagem penava para sobreviver naquele ambiente inóspito, alimentando-se do que aparecesse pela frente, mas caminhando a passos largos em direção à extinção, os Homo.
O jogo virou quando mudanças climáticas globais fizeram voltar a chover na África, exterminando os recursos dos quais Paranthropus dependia e favorecendo o generalista Homo. Nas próximas horas Paranthropus irá se extinguir, Homo deixará a África, se diversificará e aumentará a gama de maneiras com que ele modifica o ambiente que o cerca, usando ferramentas, dominando o fogo e idealizando uma linguagem verbal.
Tudo em um ano 13 – Hominídeos
Imagine-se em um barco num rio com pés de mexerica e um céu de marmelada. Alguém te chama, você se vira lentamente e ali está uma primata esticando-se para alcançar algumas dessas mexericas e comer. O animal que você vê (sim, um animal) lhe parece em tudo um chimpanzé, o fato dela estar de pé não impressiona porque ela estava apenas colhendo os frutos, mas vê-la afastar-se de pé em meio à savana para além dos pés de mexerica causa certo furor. Aquela primata um dia viria a morrer à beira do rio Etíope em Afar, seria recoberta por sedimentos finos na cheia seguinte e se fossilizaria para só ser descoberta por pesquisadores ingleses daqui a várias horas de anos cósmicos, ou 4,4 milhões de anos do nosso tempo normal.
A postura bípede é só uma das características humanas que nos diferencia de outros animais e é compartilhada com esta garota com olhos de caleidoscópio e cara de chimpanzé. Ainda há muito o que mudar até o final do dia agora que nosso ano cósmico vai chegando ao fim.
Tudo em um ano 12 – Mamíferos
O evento que ocorreria hoje se toda a história do universo se desenrolasse em um ano na verdade tem expressividade próxima a zero hoje mesmo (como boa parte dos eventos narrados nesta série). Seu efeito só começará a ser sentido daqui a quatro dias, no final da manhã do dia 30, quando um meteoro cairá perto da península de Yucatán no México. Novamente por culpa da competição, os mamíferos que surgem hoje serão ofuscados até daqui a 135 milhões de anos quando os dinossauros praticamente se extinguirem deixando vivos apenas um pequeno grupo deles menos ameaçadores ao qual iremos chamar um dia de aves.
Quem diria, você, um mamífero cheio de potencial, passou milênios subjugado ecologicamente pelos ancestrais daquele peru de ontem! Não é uma bela vingança? Felizmente esta supremacia terminou e nos permitiu sair do obscurantismo. Um meteoro, humpf, vai dizer se deus não joga dados.
Tudo em um ano 11 – Tetrápodes
Predadores e parasitas são ameaças ecológicas que aterrorizam qualquer um, mas nenhuma força ecológica é mais poderosa do que a competição. Há cerca de 365 milhões de anos, o que cairia no dia 22/12 de nosso ano cósmico, foi exatamente a competição que mudou nossa história para sempre.
Com a deriva continental grandes massas de terra submersas em um extenso e produtivo oceano começaram a, por um lado, colidir e formar grandes continentes emersos, e por outro se afastar e formar profundos oceanos pobres em nutrientes. Em ambos os casos a área disponível para todos aqueles organismos marinhos (plantas, invertebrados e vertebrados igualmente) viverem caiu drasticamente. Isto fez com que a competição na água se tornasse quase insuportável. Deram-se bem os organismos que conseguiram sobreviver à competição ou se adaptar à vida no meio de oceanos ou sobre os continentes.
Foi assim que um grupo de peixes que faziam respiração pulmonar passou a ocupar a terra, arrastando-se por aí usando nadadeiras modificadas em patas. Este grupo ainda precisará descobrir uma maneira de impermeabilizar suas peles sensíveis ao ar seco, inventar uma maneira de desvincular sua reprodução da água e adequar seus rins a funcionar com menos solvente. Mas estava dado o ponta-pé inicial para o abandono da água e a vida dos vertebrados terrestres.
Tudo em um ano 10 – Vertebrados
Dentre a diversidade da vida há uma gigantesca miríade de organismos singulares e interessantíssimos em sua maneira de resolver os problemas que sobreviver e deixar descendentes impõem. Um dos grupos singular de espécies surge hoje em nosso ano cósmico. Seria uma covardia ressaltar a origem das singularidades apenas deste grupo sem um motivo claro se não fosse este grupo o nosso próprio. Então, hoje, 17 de Dezembro, começamos a narrar a evolução dos vertebrados.
Há apenas dois dias cósmicos os animais tornaram-se multicelulares e hoje uma série de características já nos tornam únicos. Temos um bastão de tecido flexível, mas não elástico, ao longo de todo o eixo de nosso corpo, temos fendas na faringe que não só nos permitem respirar como capturar alimento como uma peneira captura pedaços de laranja, temos uma cauda após o ânus.
Por estes dias surgirão outras mudanças fantásticas em nossos corpos que nos permitirão realizar coisas que nenhum animal sonharia. Uma mandíbula nos fará deixar o posto de presas e nos tornarmos predadores temidos. Apêndices pares nos permitirão nadar com maior eficiência, atingirmos outras formas de nos deslocarmos pelo mundo e, um dia, manipular objetos ao nosso redor. Uma caixa rígida protegerá o principal de nosso sistema nervoso, permitindo-lhe se desenvolver e especializar. Não mais importante do que tudo isto, agora passamos a ter um conjunto de vértebras que ajudam a sustentar nossos corpos que podem crescer bem mais.
Tudo em um ano 9 – Metazoários
Uma explosão de vida maravilhosa ocorreu há 580 milhões de anos. Se toda a história do universo coubesse em um ano, o surgimento dos organismos multicelulares teria ocorrido por volta do dia 15 de Dezembro apenas. Hoje foi a primeira vez que grupos de células, em vez de viverem separadamente, passaram a uma vida colonial mais complexa, com divisão de tarefa e dependência entre estas células a tal ponto de algumas delas separadas não sobreviverem.
É basicamente nisto que consiste a multicelularidade dos metazoários. São organismos que se alimentam de outros e têm corpos formados por diversas células interdependentes. O que, no entanto, resultou em mais um leque de possibilidades para estes organismos. Ao tornarem-se multicelulares eles passaram a resistir mais ao ambiente, a explorar melhor os recursos, a se diversificar a ponto de dar a impressão de durante o Cambriano, período do surgimento dos metazoários, a vida ter florescido em abundância estonteante o suficiente para impressionar um paleontólogo cético.
Tudo em um ano 10- mitocôndrias
Já é o sétimo dia do penúltimo mês do nosso ano universal e apenas agora surge uma das grandes transições na história evolutiva. Células maiores quimiossintetizantes aparentemente capturaram e “escravizaram” bactérias capazes de usar a energia oxidante do gás do nosso último evento e as fizeram trabalhar para si dando origem às organelas que hoje chamamos de mitocôndrias. Escravizar é um termo propositalmente forçado aqui, bactérias como as mitocôndrias provavelmente eram alimento de células maiores àquele tempo, entre virar comida e receberem um ambiente adequado, glicose e o oxigênio vital em troca de algum ATP, uma molécula energética, até que não foi mau escambo.
O que não mata engorda
Fonte: abrimus.blogspot.com
Uma evidência da origem bacteriana das mitocôndrias está na dupla membrana celular que a envolve, imagine que no momento da fagocitose a membrana da bactéria teria sido envolvida pela membrana de um lisossomo que a iria digerir. Outra evidência é a presença de um DNA circular codificante no interior da mitocôndria, parte desse DNA ainda produz enzimas usadas na mitocôndria, mas outra parte foi sequestrada transferida para o núcleo da célula hospedeira. Buscas de parentesco usando dados deste DNA foram até mesmo capazes de apontar, entre as bactérias modernas, qual seria a parente mais próxima das mitocôndrias, título conferido a bactérias causadoras do tifo do gênero Rickettsia.
A importâncea de possuir uma organela que fizesse a célula sobreviver ao oxigênio e ainda se aproveitar dele trouxe tantas vantagens que não existe um único eucarioto que não tenha ou não haja possuído algum dia mitocôndrias em seu citoplasma. Outra vez, uma datação precisa da origem das mitocôndrias é controversa, mas acredita-se que ela tenha ocorrido ainda antes da evolução de um núcleo, nosso próximo evento daqui a 400 milhões de anos ou 11 dias.
Tudo em um ano 9 – Oxigênio
Imagine o planeta Terra cercado por uma atmosfera pura, ecologicamente equilibrado (equilíbrio naquele sentido que só os ecólogos conseguem conceber), uma esplêndida diversidade de formas de vida habita este planeta que é um verdadeiro Éden. Não obstante, um grupo de organismos que habita ali, para sustentar sua forma de vida, começa a eliminar na atmosfera um volume assombroso de um gás extremamente tóxico. No princípio esse gás era produzido em um volume pequeno demais para afetar os outros, no entanto, aquela estratégia de obtenção de energia era tão eficiente que estes organismos rapidamente multiplicaram sua população, produzindo mais e mais gases venenosos. Aquela gama de espécies que habitava o que antes fora o Éden, agora padecia intoxicada e morria, o gás dilacerava suas moléculas produtoras da energia necessárias à sobrevivência. Muitas se extinguiram por efeito daquele grupo que buscava o benefício próprio a qualquer custo, não vendo o impacto global que causava sobre as outras formas de vida.
O mais mortal dos gases vitais: o oxigênio
Fonte: rsbs.anu.edu.au
A narrativa lhe parece familiar? Pois eu me referia a arquéias, cianobactérias e ao susrgimento da fotossíntese. A proliferação destes organismos resultou na entrada de toneladas de oxigênio na atmosfera, levando à extinção muitas outras espécies de bactérias anaeróbicas, mas permitiu a proliferação de outros organismos fotossintetizantes e o surgimento da respiração celular. Quem conseguiu resistir ao potencial oxidativo do oxigênio passou a imperar sobre a Terra. Isto ocorreu, no nosso ano cósmico, no dia 23 de outubro, 2,4 bilhões de anos atrás.
Tudo em um ano 8 – Estromatólitos
Tive um professor na USP muito encantador, destas pessoas que falam de seus trabalhos com uma faísca nos olhos e seduzem pela palavra. Se chama Thomas Fairchild e seu principal foco de interesse são os estromatólitos.
Os estromatólitos do Thomas eram torres de minerais há muito eternizadas no registro fóssil. Eles são, provavelmente, o mais antigo registro inequívoco de um ser vivo sobre a Terra. Pequenas bactérias ou microalgas capturavam (e ainda capturam, em locais como o litoral australiano e as Bahamas há estromatólitos modernos) minerais em suspensão nas águas do mar e os depositavam em camadas ao longo dos séculos. O que se vê nos fósseis são apenas as camadas de mineral, mas sabe-se que elas são fruto de atividade biológica.
Estes fósseis datam de 3,4 bilhões de anos, sendo a data mais precisa para se apontar a existência certa de seres vivos.