MOOC – Comportamento Animal

Curso online gratúito de comportamento animal (Imagem: wikipedia.org/ Jurgen Otto)

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O macaco prego brigão

Naquela manhã no consultório psicanalítico…

Essa carinha fofa engana, o macaco prego é bom de briga
Essa carinha fofa engana, o macaco prego é bom de briga. Fonte: wikipedia.com

 

Era a primeira vez que a doutora contratava um secretário e ela já estava arrependida. De um lado da antessala estava o dito cujo, contido à força por ela. Do outro, dois macaquinhos. O da frente, o líder do bando, com uma expressão assustada continha o outro que, irado, tentava desvencilhar-se e voltar a agredir o secretário.

O macaco dominante resolveu a contenda empurrando para dentro do consultório o colega irado. Quando a doutora entrou o macaquinho estava empoleirado no encosto do divã com a cauda enrolada à haste do abajur e o peito arfando. A doutora sentou-se na poltrona com o bloquinho na mão e o cabelo desgrenhado.

– Deixe-me adivinhar. Ímpetos de violência incontrolável?

– A senhora é boa mesmo, doutora. – Resmungou o primata com desdém.

– Quer me contar sobre sua semana?

– Eu tenho escolha?

– Sempre! Você paga a consulta agora e se livra de mim na hora.

– Foi uma semana normal. Comemos frutos, um ou outro inseto, patrulhamos o território, cuidamos de nossas fêmeas e dormimos. Nada excepcional. – Após alguns segundos de silêncio no fim da frase a analista sacou o bloquinho de recibos da gaveta.

– Ok! Ok! Vamos conversar. Meu líder não me deixa sair daqui antes do fim da consulta. – Protestou o macaco prego contrariado.

– Vamos começar por ele então. Como é a relação de vocês? – Perguntou a psicóloga guardando o talão de recibos.

– Ele manda e eu obedeço. Próxima pergunta.

– Na próxima resposta agressiva eu encerro a consulta. Você se sente valorizado por ele?

– Subordinados nunca são valorizados.

– E isso te incomoda. – Foi mais uma afirmação do que uma pergunta, mas a única saída para o macaquinho era responder.

– Eu não me importo muito. Dá para ver que alguns macacos são mais bem tratados, mas eu não ligo.

– Como foi a briga que o trouxe aqui?

– Qual delas? Na que eu peitei um bando inteiro com 20 machos? – Debochou o macaquinho que agora escorregou pelo encosto e deitou-se no divã relaxado.

– Você se acha muito poderoso com essa sua atitude agressiva, né?

– De certa forma, sim.

– Seu líder também acha isso?

– Mas que saco! Essa consulta é sobre mim ou sobre ele? – Gritou o prego mostrando os caninos inferiores.

Passaram-se alguns instantes que pareceram horas para o macaco enquanto sua expressão agressiva dava lugar a um beicinho de tristeza.

– Não, ele não me valoriza. – Bingo. A analista acertou na mosca.

– Sr. Cebus, é comum que animais sociais ousem agredir quando eles esperam construir uma reputação. Também é comum que macacos sejam agressivos quando sabem que podem contar com o apoio do bando, mesmo que haja mais oponentes. Essa sua violência é só vontade de ser notado, respeitado e recebido pelo grupo. Mas existem outras formas que não colocar seu bando em risco toda vez que escuta um grupo rival.

– É, eu sei. Acho que devo desculpas ao meu bando e ao seu secretário. – Respondeu o macaquinho cabisbaixo.

A presença da doutora entre o cliente e seu secretário era quase uma escolta. Ela observou o cliente e seu líder seguindo até o elevador certa de que tinha feito seu melhor, mas preocupada com o prego. Ser terapeuta não é fácil.
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Meunier, H., Molina-Vila, P., & Perry, S. (2012). Participation in group defence: proximate factors affecting male behaviour in wild white-faced capuchins Animal Behaviour, 83 (3), 621-628 DOI: 10.1016/j.anbehav.2011.12.001

A pecerveja encalhada

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Naquela manhã, no consultório psicanalítico…

Era uma sexta-feira e a doutora só pensava em descansar. Tem cliente que acha que psicanalista é que nem aspirador de pó, enquanto você não precisa dele ele fica guardado naquele quartinho meio escuro até que você volte lá outra vez. Pois a doutora ansiava por um chope bem gelado ao fim do expediente. Ela merecia, não se recordava de ter tirado férias desde o fim do doutorado em etologia clínica (ou você achou que o “Dra.” dela era um desses títulos auto denominados?). Para complicar, essa semana sua secretária estava em licença de saúde. A suspeita era dengue e isso apavorava a analista porque uma de suas clientes mais frequentes ultimamente era uma Aedes anoréxica, só de sentir o cheiro de sangue já ficava enjoada. A suspeita era que estivesse infectada por Wolbachia.

-Bom dia, tenho uma consulta marcada com a doutora. – Disse a percevejinha que chegara dez minutos adiantada.

-Sou eu mesma. Vamos entrando, pode pousar ali no divã.

A Sra. Lygus, encalhada, mas cheia de amor para dar. Fonte: wci.colostate.edu

Já instaladas em seus respectivos estofados cliente e terapeuta iniciam a sessão.

-Doutora, é que desde que terminou meu último relacionamento não consigo mais namorar ninguém. Estou carente, precisando de um namorado.

-Dona Pe-cerveja. Digo, Perceveja, você está precisando de um namorado ou de novo do seu primeiro namorado? Você sofre de uma fixação pelo ex? – Perguntou a psicóloga.

-Não, eu tento me relacionar, mas parece que espanto os rapazes. Eles me evitam. Parecem fugir de mim.

-Hum, espanta os rapazes… – Espelhou a psicóloga.

-É, eles até se aproximam, apalpam meu abdômen com as antenas, mas na hora de partirmos para o que interessa eles se afastam. Às vezes eu até facilito a corte, sabe como são esses rapazes, muitos deles inseguros, tímidos, mas não tem jeito, eles acabam voando embora.

-Entendo. Você percebeu alguma mudança desde sua cópula com o seu ex? Alguma coisa no seu cheiro? – A analista aspirava o ar discretamente tentando ela identificar sua suspeita.

-Não. Por que?

-Dona Perceveja, alguns insetos parecem tornar-se menos atraentes para os machos. Isso foi atribuído a substâncias deixadas pelos ex-parceiros, mas não foi confirmado em todos os casos. Tem sido difícil identificar a molécula de odor. Moscas da fruta e algumas borboletas já demonstraram problemas parecidos com o que você relata.

-Mas… mas… e agora? Aquele desgraçado me conquistou, fez o que bem quis comigo e agora me deixa assim. Covarde! O que eu faço agora, doutora?

-Calma, esse odor perde efeito em pouco tempo. Com o tempo o seu poder de sedução retornará. Só não fique muito ansiosa que isso também espanta pretendentes. O que acha de retornar semana que vem para vermos como você está?

-Obrigada, doutora. Vou esperar. Nos revemos semana que vem, sim.

Enquanto a cliente se afastava a doutora suspirou. Pe-cerveja! Humpf! Ela é que estava em fixação. E voltou para conferir sua agenda. Só mais uma sessão no meio da tarde, facilmente adiável. O fim de semana começaria mais cedo.
Brent, C., & Byers, J. (2011). Female attractiveness modulated by a male-derived antiaphrodisiac pheromone in a plant bug Animal Behaviour, 82 (5), 937-943 DOI: 10.1016/j.anbehav.2011.08.010
Turley, A., Moreira, L., O’Neill, S., & McGraw, E. (2009). Wolbachia Infection Reduces Blood-Feeding Success in the Dengue Fever Mosquito, Aedes aegypti PLoS Neglected Tropical Diseases, 3 (9) DOI: 10.1371/journal.pntd.0000516

O esquilo hipocondríaco

ResearchBlogging.orgNaquela manhã, no consultório psicanalítico…

Já haviam se passado dez minutos da consulta. A doutora ouvia do lado de fora a voz esganiçada do cliente da vez e sua nova secretária, uma adolescente que contratou depois de meses sem recepcionista porque poucas topavam atender animais. Decidiu tomar uma atitude.

-Bom dia, Sr. Urocitellus. Não vai entrar?

-Num, instante, doutora. Ele só está terminando de compartilhar comigo umas receitas para os cravos no meu nariz. – Antecipou-se a secretária à resposta do esquilo.

– Receitando!? Que eu saiba o senhor não é médico dermatologista, é? E a senhorita tem o dever de manter minha agenda em dia para não atrasar outros clientes. Quem sabe, ao invés de se consultar comigo, o senhor não prefira atender minha secretária? Nesse caso a senhorita lhe pague seus serviços e volte a me chamar quando o próximo cliente chegar, por favor.

– Não, não, doutora! – Gritou o esquilo passando por entre as pernas da lacaniana ligeiramente e saltando para cima do divã.

– Melhor assim. – O olhar severo da analista se transmutou em seu melhor sorriso num instante. – Bom dia. Pelo que vejo ainda anda preocupado com sua saúde.

– Sim, senhora. E isso não é uma coisa boa? Vivemos em tempos de cuidados ao próprio corpo, todos se exercitam, se alimentam melhor. Preocupar-se com a saúde é politicamente correto. – Respondeu orgulhoso o roedor.

Urocitellus columbianus

Urocitellus columbianus, o esquilo de chão de Columbia procurando uma farmácia. Foto de Martin Pot.

Silêncio.

Silêncio.

Mais silêncio…

– Doutora, me ajude. Não consigo me livrar dos remédios. Cada vez que tento parar de tomar começo a sentir comichões por todo o corpo, me sinto coberto de pulgas, carrapatos, piolhos e sarnas. Meu estômago fica embrulhado só de pensar nos vermes que devo ter. – Choramingou o esquilinho com os pelos das costas eriçados e coçando o pescoço com as patinhas de trás.

– Sr. Urocitellus, sente-se aqui à minha frente, deixe-me dar uma olhada em você.

O esquilo posicionou-se de costas para a doutora que começou a revirar seus pelos em meio a guinchos de deleite do cliente. A pelagem era de um cinza mesclado nas costas, tornando-se castanho dourado na barriga. Os pelos brilhavam com o viço de um macho saudável. A doutora não encontrou nenhum parasita, aliás, como das outras vezes que havia feito o mesmo. Entre os pelos só havia pequenas feridas causadas pelo próprio esquilo de tanto se coçar.

– Hum, muito preocupante! – Exclamou a analista.

– O que, um monte de carrapatos nas minhas costas? – Entrou em pânico o analisado.

– Não, um monte de minhocas na sua cabeça.

– Mas, doutora. Essa semana encontrei uma lêndea na minha barriga. Estou infestado, tenho certeza. A senhora procurou direito?

– Todos nós temos pequenos defeitos, são eles que nos fazem humanos, digo, esquilos. Por que esse medo todo das suas imperfeições? Por que esse desejo de um ideal platônico inalcançável? É um fardo pesado demais para um esquilo carregar. – Perguntou a psicanalista.

– E que fêmea irá querer um macho infestado e doente como eu? Acho que nem ganhar peso depois da hibernação eu ganhei esse ano.

– Sr. Urocitellus, as mulheres não olham só para essas coisas. O senhor está nublando seu olhar com essa busca insalubremente exagerada pela saúde e deixando de fazer o que geralmente conta. Está desperdiçando os poucos dias de cio das suas amigas procurando pulgas que não existem. Olha, pense nos seus colegas mais bem sucedidos com as meninas da área. Eles são totalmente livres de parasitas? – Enquanto a doutora falava o esquilo lembrou-se de como ouviu algumas fêmeas cochichando e rindo sobre como era sexy a forma como um macho rival coçava a barriga com as mãozinhas felpudas enquanto tomava sol.

– Acho que o senhor deveria se concentrar em cuidar desses pensamentos que te sugam e esquecer os parasitas imaginários. Tenho certeza de que eles afetam menos seu sucesso com as garotas do que sua autoestima. Nossa sessão acabou por hoje, mas quero voltar a vê-lo antes da próxima hibernação para saber como passou a estação reprodutiva e se seguiu meus conselhos.

Na saída do consultório o esquilo precisou interromper duas vezes a secretária, que não parava de espremer o nariz, para que ela preenchesse seu retorno dali a algum tempo.
Raveh, S., Heg, D., Dobson, F., Coltman, D., Gorrell, J., Balmer, A., Röösli, S., & Neuhaus, P. (2011). No experimental effects of parasite load on male mating behaviour and reproductive success Animal Behaviour, 82 (4), 673-682 DOI: 10.1016/j.anbehav.2011.06.018

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A caranguejo ferradura adúltera

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Naquela manhã no consultório psicanalítico…

 

Outra vez a Terapeuta aguardava com a porta do consultório aberta a chegada do próximo cliente. Ela detestava ter que fazer isto porque considerava que sua sala deveria ser algo mais reservado. Simbolicamente, o consultório é quase um útero, diria Jung. Então ali estava a Dra., com seu útero aberto, tudo por causa da secretária. Desde que um caranguejo chama-maré com síndrome da hiperatividade beliscara a secretária a ponto de arrancar-lhe a carne, haviam as duas acertado que em dia de consulta daquele ou outros crustáceos a secretária não compareceria. O cliente de hoje era, de fato, um quelicerado, mas a Dra desistiu de discutir os detalhes taxonômicos com a funcionária e a liberou.

A criatura que saiu do elevador mais parecia uma dessas semi-esferas usadas para separar duas pistas seguida de um rabinho triangular esquisito. Arrastava-se com dificuldade desde o paleozóico até o presente, consultório adentro.

limulos.png

Umas fiéis (abaixo) outras se divertem(acima)
Fonte: Searcy & Barret, 2010, Animal Behaviour

-Bom dia, Sra. Límula. Seja bem vinda. Como vão seus 54208 filhos? – Saudou-a a psicanalista.

-Bom dia, doutora. Veja, agora já são 115892, mas não tenho muitas notícias deles. A última vez que os vi foi na forma de ovinhos pela areia da praia.

-Huh! Compreendo. E o que me conta hoje? – Perguntou a analista ajudando a cliente, que media 30 cm, a subir no divã.

-Ah, doutora, a estação tem sido ótima. Acabamos de ter uma maré alta perfeita, o amor estava por todos os lados, as águas tépidas. A sra. já esteve no México na primavera? Tudo é tão bonito lá, as praias têm areias brancas e águas azuis…

-Sra. Límula, a senhora não veio aqui conversar sobre o México. Por que não corta o papo e vai direto ao assunto que está tentando evitar? – Disse a analista em um tom paciente, mas assertivo.

A cliente afundou no divã, seus olhos compostos eram duas bolinhas negras de tristeza.

-Tem razão. É que aconteceu uma coisa essa última maré alta. A caminho da praia eu conheci meu marido. Nos encontramos, conversamos e ele era um macho maravilhoso, tinha uma pegada firme, me fez sentir segura com ele. Passamos meses pareados na orla esperando pela maré certa e a espera foi perfeita, nosso amor só crescia.

-Eu pressinto um “mas” vindo por aí. – Murmurou a psicóloga consigo mesma.

-Mas no  dia que subimos à praia não sei explicar o que aconteceu. Assim que chegamos um grupo de quatro machinhos  veio conversar, tinham um papo agradável e meu marido não pareceu se incomodar com a presença deles ali. Eles eram simpáticos, mas não eram o tipo que uma garota escolhe como marido, inspiravam mais uma aventura amorosa do que uma relação séria. Ainda assim, suas personalidades descontraídas e sedutoras de quem passa o dia na praia esperando para a azaração me cativou. Ai doutora, meu corpo tinha urgência de sexo que nas últimas semanas eu não tinha dúvida de que seria com meu marido, mas naquele momento aqueles quatro estranhos ali não me saíam do prossoma. Começamos a cavar um ninho e eles se aproximavam cada vez mais, agora se metendo entre eu e meu marido. Aquele que deveria ser o momento de maior privacidade de um casal agora era compartilhado com aqueles quatro rapazes. – À medida que falava, a Sra. Límula procurava no rosto da terapeuta qualquer traço de reprovação que permanecia oculto. Então ela decidiu seguir adiante. – Dra, acasalamos nós seis juntos. Ao mesmo tempo em que eu desovava na areia e meu marido fecundava meus ovos aqueles quatro pervertidos também jogavam seus gametas entre meus ovos.

-A senhora gostou de ser cortejada por tantos machos? – Perguntou a psicanalista.

-Ora, doutora. Isso não é certo! Eu deveria ter deixado a praia assim que aqueles rapazes chegaram. Uma xifosura séria não deveria…- A frase foi interrompida pela analista.

-Poupe seus recalcamentos para seus diálogos internos. Se a senhora veio em busca de perdão tem uma igreja católica ali na esquina. Aqui é um consultório psicanalítico. Aqueles cinco pretendentes te encheram a bola, não foi?

-Foi sim, doutora! Alimentaram meu narcisismo. Eu adorei acasalar com aqueles cinco homens. Não achei certo com meu marido depois de tanto tempo de devoção. Mas, no que se refere a mim, eu adorei o sexo. Sou uma vadia e gosto disso! – Gritou a carangueja numa catarse que terminou em lágrimas que ela tentou esconder com as quelíceras.

A psicóloga esperou alguns instantes até que a cliente se acalmasse. – Sra. Límula, seu marido não é o único xifosuro interessante no mundo. ele é UM deles. Por que acha que não tem direito ao prazer de ter vários parceiros ao mesmo tempo se o mais interessado na sua monogamia, que é o seu marido, pareceu ceder a ela?

-Mas e a minha segurança? Isso de ter vários parceiros não é perigoso? – Foi a vez da cliente perguntar.

-Sua fecundação é externa, isso reduz o risco de doenças sexualmente transmissíveis. Ainda há outros custos possíveis, mas nenhum parece te afetar muito. Sra. Límula, parece ser uma tática entre alguns caranguejos ferradura ser monogâmicos e outros não o serem. Você deveria se preocupar menos e aproveitar mais, ainda mais sabendo que seu marido aceita essa relação aberta. – Concluiu a doutora no exato momento em que a duração da consulta se esgotou.

A terapeuta ficou assistindo enquanto aquela criaturinha tão primitiva e tão complicada se afastava a passos vacilantes. Dava para perceber que ela deixara o consultório ainda não convencida, mas a semana que se seguiria iria se encarregar de convencê-la através de seus diálogos internos.

Johnson, S., & Brockmann, H. (2010). Costs of multiple mates: an experimental study in horseshoe crabs Animal Behaviour, 80 (5), 773-782 DOI: 10.1016/j.anbehav.2010.07.019

O opilião aproveitador

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Naquela manhã no consultório psicanalítico

 

– Ah, que horror! – A doutora, preocupada, correu para a antessala ao ouvir o grito de sua nova secretária. Desde que sua última pedira demissão, apavorada com um tubarão martelo enorme que estava deprimido pelo fim da simbiose de limpeza com uma peixinha recifal, ela decidiu contratar uma estudante de veterinária para o cargo. Pelo menos veterinários seriam mais acostumados à fauna que comparecia ao consultório. Na recepção sua secretária estava de pé sobre a cadeira, com um tamanco na mão pronta para atirá-lo. No outro canto do cômodo uma criatura cheia de longas pernas se encolhia contra a parede com os omatídeos arregalados.

pseudopucrolia

O Sr. Pseudopucrólia sobre o divã da doutora.

Foto de Glauco Machado

 

A terapeuta se colocou entre a secretária e o aracnídeo. – Calma, abaixe o tamanco. Ele é um cliente e é inofensivo. Não é uma aranha, mas um opilião. – Depois voltou-se para o bichinho sorrindo e convidou-o a entrar no consultório. Ela não imaginou que uma veterinária não teria familiaridade com animais menores.

Agora o opilião, um macho cheio de espinhos e bolotas nas pernas posteriores estava seguramente deitado no divã – O que tem a me contar, Sr. Pseudopucrolia? – Perguntou a dra.

– É a danada da culpa, doutora. Não sei mais o que fazer com ela.

– E o que te causa tanta culpa? – A doutora estava com um vestido até os joelhos e os cabelos, meio revoltos, soltos por cima dos ombros. Não havia um cliente que não a achasse linda.

– Doutora, sou um pai dedicado, protejo dos predadores meus futuros filhotes em seus ovos, mas no fundo sei que só estou me aproveitando disso. – O opilião respondeu fazendo um muxoxo de tristeza com as pedipalpos.

– E como é que você se aproveita dos seus filhotes? – A analista perguntou enquanto cruzava as pernas e reclinava o corpo para ouvi-lo melhor.

– Cuido bem dos meus ovinhos, mas é tudo uma desculpa para seduzir as mulheres. Tem um monte de fêmeas que ficam caidinhas por um bom pai e eu me aproveito disso. Desde que consegui minha primeira leva de ovos desta estação reprodutiva já acasalei com outras cinco! – Disse o aracnídeo, gabando-se.

– Entendi. É comum que as fêmeas gostem de rapazes que saibam cuidar bem dos seus filhotes, protegê-los e ajudá-los a sobreviver. Não há do que se envergonhar por ser um bom pai, você não está obrigando elas a nada.  Pode ter certeza de que, enquanto você cuida dos seus ovinhos, elas estão por aí, se alimentando, tem até muitos outros ovos mais para deixar com outros machos, se assim preferirem.

– Exatamente, doutora. Às vezes até invejo os machos sem cria, que passam o dia vadiando, sem ninguém a se preocupar além de si mesmos. Mas tenho certeza que na hora do amor é o meu ninho que estará cheio e eles estarão tristes e solitários. Sabe que tem uns caras que, tamanho o desespero, chegam a roubar os ovos de outros pais para fingir que são seus? Um verdadeiro horror! – Confidenciou o cliente.

– Pois acredito em você. Aliás, isso é mais comum do que o senhor pensa aqui no consultório. – Disse a analista.

– A senhora quer ver uma foto dos meus filhos? Olha que lindos. – O Sr. Pseudopucrolia sacou de um bolso da carteira a foto abaixo. Nada muito visualmente atraente.

 

pseudopucrolia ovos

O bom pai e seus filhinhos

Foto de Glauco Machado

 

-Hum, que gracinha. – Disse a terapeuta sem conseguir disfarçar muito bem o desinteresse.

-Você achou? Quem sabe não gostaria de passar lá em casa um dia desses para conhecê-los melhor? – O opilião estampou um sorriso sedutor nas quelíceras encarando a doutora.

A terapeuta lançou-lhe um olhar de repreensão encaminhando-se à porta. – Estamos conversados por hoje, senhor Pseudopucrolia. Passar bem!

O opilião saiu visivelmente envergonhado do consultório enquanto a doutora dava um profundo suspiro ao notar a escrivaninha da secretária vazia exceto por um bilhete onda a palavra DEMISSÃO podia ser lida à distância.

 

Nazareth, T., & Machado, G. (2010). Mating system and exclusive postzygotic paternal care in a Neotropical harvestman (Arachnida: Opiliones) Animal Behaviour, 79 (3), 547-554 DOI: 10.1016/j.anbehav.2009.11.026