Aves respiram mais eficientemente
Toda vez me vejo às voltas para explicar o funcionamento dos sacos aéreos em aves. Como não tenho um projetor multimidia disponível para todas as aulas coisas dinâmicas ficam difíceis de serem visualizadas. Por isso prometi aos meus alunos que colocaria aqui o link para uma animação simples ilustrando o funcionamento dessas estruturas que tornam as trocas gasosas nas aves muito mais eficientes do que nós, tetrápodes mais plesiomórficos. O link segue abaixo:
http://www.sci.sdsu.edu/multimedia/birdlungs/
PS: Depois de postado o texto recebi o comentário do Karl, do Ecce Medicus. Tinha deixado passar o post dele, recente e com mais ou menos o mesmo tema. O texto enfoca um dos aspectos que acho mais interessantes na evolução que são as “gambiarras evolutivas” tecnicamente conhecidas como exaptações, verdadeiras evidências em contrário a um designer inteligente. Não deixem de visitá-lo clicando aqui, aliás, não deixem de ler a série toda da qual este post faz parte.
Pensamento de segunda
“Uma vez me perguntaram o que eu faria se o médico me dissesse que só tenho mais seis meses de vida. Digitaria mais rápido, respondi.” (Isaac Asimov)
O sorriso do Talha-mar
Um dos lugares que eu mais gostava de visitar quando estudava em São Paulo era o litoral sul do estado. Não tinha a exuberância da Mata Atlântica quase sendo beijada pelas ondas da praia nem a abundância de charmosas enseadazinhas escondidas a cada curva da Rio-Santos, como no litoral norte, mas tinha encantos só seus para compensar. A foz do Rio Ribeira do Iguape forma quase um delta na região de Cananéia e uma série de ilhas arenosas e baixas são cobertas de restinga e margeadas por praias planas e muito longas ou manguezais. Uma paisagem muito bonita.
Numa dessas viagens visitei Ilha Comprida e encontrei uma ave que sempre ouvira falar, mas nunca tinha visto em ação, o Talha-mar. O Talha-mar é uma dessas criaturas que parecem desenhadas para exercer seu nicho na natureza. De fato, talvez tenha sido, não por um designer inteligente, um engenheiro consciente. Mas pelo nosso velho e conhecido relojoeiro cego, capaz de fazer obras interessantíssimas sem prever exatamente o que virá daquele projeto, apenas pondo-o à prova a cada pequena alteração no projeto original e vendo quais variedades dão certo e quais pifam.
O Talha-mar, Rynchops niger, é uma ave da ordem dos Charadriiformes, a mesma dos quero-queros. Tem o corpo mais ou menos do mesmo tamanho de um quero-quero, o dorso cinza escuro e a margem das asas pretas, o peito é branco, seu bico e pés são pretos e vermelhos. Esta espécie distribui-se desde o norte da Argentina até a Flórida, ocorrendo em todo o litoral brasileiro e em águas continentais, como o Pantanal e a Amazônia.
Sua grande peculiaridade está na forma de adquirir alimento. O talha-mar voa rente à água com o bico aberto, sua mandíbula inferior, surpreendentemente, é maior do que a superior. Desta forma, o talha-mar risca a superfície d’água capturando pequenos peixes ou crustáceos que ali habitam.
O Gérard Moss, um ídolo da adolescência que deu duas voltas ao mundo, uma num monomotor com a esposa e a outra num planador, homenageou esta ave em um projeto mais recente (2004). Gérard fez uma avaliação geral dos recursos hídricos do Brasil coletando amostras de água de diversos pontos remotos do país. Estas amostras eram coletadas por um mecanismo adaptado em seu hidroavião ainda em voo semelhante à caça dos talha-mares. Por isso seu avião foi apelidado de talha-mar. O site do casal vale uma visitinha para todos os amantes de viagens e da natureza.
A mordida do leão
Já escrevi sobre leão na blogagem coletiva sobre África, ainda no Lablogatórios. Mas como tive contato íntimo com esse animal hoje resolvi escrever mais um hoje.
DEZ FATOS SOBRE O LEÃO QUE VOCÊ SÓ SABE SE FOR MUITO VICIADO EM DOCUMENTÁRIOS DA TV A CABO:
1- O leão macho copula uma vez a cada meia hora com cada fêmea no cio em seu harém. Cada ninhada tem entre um e seis leõezinhos que nascem com pintas marrom escuro.
2- A gestação é de cerca de 16 semanas. Como a maioria dos filhotes de grandes predadores, o filhote do leão nasce incapaz de andar por 15 dias e só abre os olhos após 11 dias. É comum que as fêmeas tenham filhotes todas ao mesmo tempo, assim uma fêmea pode amamentar o filhote das outras.
3- Machos constantemente disputam entre si pelo domínio de um harém. Quando um novo macho toma o harém de outro contendo seus filhotes o novato frequentemente mata os filhotes para que a fêmea entre no cio novamente logo. As fêmeas em geral defendem seus filhotes e podem até ser mortas nesses combates.
4- Além do leão macho, as hienas e leopardos são predadores comuns dos filhotes de leão. Isso só acontece quando a mãe deixa sua prole sozinha para caçar. Os adultos só são ameaçados por outros leões, pelo homem ou pela fome.
5- Machos de leão vivem em média 10 anos, fêmeas vivem 15. Adoro quando meus alunos me perguntam quanto tempo vivem alguns bichos, pena que nem todos são simples como o leão, as perguntas variam da longevidade de um anfioxo à de um aardvark.
6- Os grupos de leão variam de 2 a 40 indivíduos, mas 13 é a média. Suas caçadas em grupo têm sucesso em 30% das vezes, mas isso cai pela metade se o leão está caçando sozinho.
7- A área de vida de um leão depende da densidade de presas, mas varia de 20 a 400 km². Grupos muitas vezes guardam um reservatório de água predando os animais que ali param para beber, o que reduz bastante a área de vida.
8- Hienas abatem suas presas mais frequentemente do que alguns leões, principalmente leões sozinhos. Estes animais também podem alimentar-se de ovos de avestruz, aves, ratos, sapos e até peixes.
9- Os leões estão bastante ameaçados pela ampliação das áreas de pastagem na África. Muitos fazendeiros envenenam carcaças de boi para matar leões que ameaçam seus rebanhos e famílias. O isolamento genético é outra grande ameaça aos leões.
10- Os leões só perdem em tamanho para os tigres entre os felinos de todo o mundo. Machos são maiores do que as fêmeas e pesam cerca de 200 kg, medindo 1,20 m do chão às costas. Nem todos os machos têm juba, mas seu corpo mais vistoso os torna predadores menos eficientes do que as fêmeas.
A data limite para alimentar o leão este ano é 30 de abril, não se esqueça do leão que ele morde forte depois. Eu já estou quite com o meu! Ufa. Para baixar os programas da receita clique aqui.
Julgamentos
Caso 1- Alberto está sendo julgado por um estupro. Ele assumiu ter atacado sexualmente uma mulher que passava à noite em frente à porta de sua casa, mas negou que a culpa fosse sua. Alberto imobilizou-a, tampou-lhe a boca e a arrastou para a garagem de casa, onde a violentou. No tribunal a defesa alegou que Alberto apenas respondeu ao desígnio genético de passar seus genes adiante a qualquer custo. Testemunhas afirmaram que Alberto tinha dificuldade em se relacionar com mulheres e é muito tímido. Exames médicos atestaram a sanidade mental de Alberto, mas apontaram para uma grande quantidade de testosterona no sangue, o que pode ser responsável pela índole agressiva dele. Imagens de ressonância magnética também mostraram alterações na amígdala e no córtex pré-frontal, áreas do cérebro responsáveis pela noção de moral e pelas emoções. A defesa conclui afirmando que Alberto foi apenas um títere de seus genes, não podendo ser punido por atos que fugiam ao seu controle. Você integra o júri que definirá sua condenação respondendo sim ou não às seguintes perguntas:
1) Alberto é culpado pelo estupro da vítima?
2) Aspectos anatômicos, genéticos ou hormonais tiveram papel na efetivação do estupro?
3) Alberto teve pleno domínio sobre seu comportamento no momento do estupro?
Caso 2- Leandro tem 18 anos recém completos, passa suas tardes e as manhãs em que mata aula numa lan house divertindo-se em jogos de computador violentos ou assistindo a filmes de artes marciais. Apenas algumas semanas após o início da faculdade Leandro discutiu com um colega de classe de forma acalorada diante de toda a classe, no dia seguinte sacou uma arma de dentro da mochila e atirou três vezes no colega, que permanece em coma. Leandro foi a julgamento e a defesa argumentou que o menino vinha sendo bombardeado por violência desde a pré-adolescência. Os pais haviam passado por um divórcio litigioso por agressão à mãe, Leandro já havia agredido irmãos e colegas outras vezes e seu gosto pelos filmes e jogos violentos era notório. Após a mãe casar-se novamente o padrasto de Leandro o agrediu mais de uma vez. Seu advogado afirma que a vida em um ambiente de violência resultou no rompante de ódio que levou Leandro a atirar na vítima. Novamente como integrante do júri você deve responder às questões abaixo para definir a pena do réu:
1) Leandro é culpado pelo assassinato da vítima?
2) Os hábitos a que Leandro era exposto tiveram papel na realização do crime?
3) Leandro teve pleno domínio sobre seu comportamento no momento do crime?
Em ambos os casos acima o que está em jogo é o determinismo. No primeiro a defesa abriga-se no determinismo biológico em que somos apenas escravos de nossos genes. No segundo nossas mentes são folhas em branco, preenchidas pelas experiências a que somos expostos. Nenhum dos dois extremos é verdadeiro. Nem homens estupram porque está em seus genes, nem porque a mulher usava uma roupa mais decotada. Pessoas não matam pessoas por causa da sobrevivência do mais apto, tão pouco porque assistiram muito filme do Chuck Norris! O mesmo genoma moldado pela sobrevivência do mais apto e pelo desígnio da reprodução também carrega consigo os genes para a cooperação. A mesma cultura que nos bombardeia com programas no estilo mundo-cão nos traz Lagoa Azul e Benji na sessão da tarde toda semana. Há sempre espaço para decisões, influenciadas por nossas experiências pretéritas e por nossos estados de espírito neuroquímicos, mas sempre há uma escolha a ser feita.
Além disto, há uma diferença gritante entre compreender e absolver. Saber que o criminoso foi até o local do crime de transporte público ou de moto não o torna nem mais nem menos culpado. Saber se o crime deveu-se a fatores relacionados à natureza do criminoso ou à sua criação não o irá perdoar.
Pensamento de segunda
Já que, devido ao feriado, essa semana a segunda-feira caiu na quarta, aí vai o pensamento de segunda:
“Mas que gira, gira.” (Galileu Galilei)
Manchetes comentadas 15 – Micróbios na Antártica aumentam chance de encontrar vida extraterrestre
Algumas semanas atrás escrevi sobre os extremófilos. Hoje saiu uma manchete sobre bactérias quimiotróficas vivendo abaixo de uma imensa capa de gelo na Antártica em uma salmoura quase sem oxigênio. E o que isso tem a ver com vida extraterrestre? É que condições similares, quase sem oxigênio, baixas temperaturas, com fontes de energia alternativas (como a degradação do ferro e do enxofre encontrada na Antártica) e com um ambiente quimicamente desafiador, podem ser encontradas em pontos longínquos do universo. Um ambiente como o descrito acima foi encontrado por astrônomos em Europa, uma das luas de Júpiter. Assim, não seria nada impossível que a vida não tenha surgido necessariamente na Terra, mas tenha vindo parar aqui trazida por um asteróide originado em outro local do sistema solar.
What about the chocolate?
Easter had passed and I was safe, since I had exiled with my father and wife deep into the forest in Mato Grosso for some ecotourism I was far from any resource of chocolate that would temptate them to give me one of those huge coloured chocolate eggs that are so visually attractive. No way, a friend meets me at university and gives me two bars of infinite calories for me. Oh, I will have to add a few kilometers to my jogging this week!
Why is chocolate so irresisteble? There must be something of acquired value and symbolism, but I, as always, will take it to the biological side of it, not the cultural one (as IF culture was not the result of biological factors!). Perhaps the answer resides some 12 thousand years ago, in our Paleolithic brains. In that time getting food was extremely complicated, even more for food items with a high uptake of energy, like sugar or fat, two of the main components of chocolate. Our brain have, since then, a mecanism to prize us with a great sensation of well-being when we acquire these foods with heaps of sugar and fat by the injection of endorphine, a natural opioid, into the blood stream. Thus, we are compelled to repeat the behaviour, something like a dog that always obey to the owners commands to get a biscuit. In our brain the reward system is placed in the amidal, two structures with the shape of a peanut deep in our encephalon. The matter is that food rich in carbohydrates are abundant today, what generated the actual obesity epidemic.
Besides, the chocolate is a real mix of substances capable of altering the mood. The first and better recognized of them is Triptophane, an essential amino-acid (not produced in our bodies) that is the main component of the neurotransmitter serotonin. Serotonin is the substance responsible for feeling calm, it reduces drastically the anxiety. Other substances are caffeine and theobromine, which enhance awareness, disposition and metabolism. Although, the concentration of caffeine in a cup of tea or coffee or in a glass of coke is much higher then in a bar of chocolate. The third chemical substance found in the chocolate that may have psychotropic effects is anandamid, a cannabinoyd (yep, similar to marijuana) naturally present in our brain and enhanced by the intake of chocolate. Hold in mind, though, that to get a chocolate high you should eat a few kilograms of the yummy stuff. The last substance actually known is phenilethilamine, or PEA. It acts like an anphetamine and is in the same class of products as antidepressives, stimulants and some hallucinogens. Nevertheless, its effects are still barely known. What is known is that most of the PEA is degraded by enzymes before it reaches the central nervous system, what avoids a greater psychotropic action.
The bars are in my backpack, waiting to go to my refrigerator because the typical state of the chocolate in Mato Grosso is liquid. Taking care of the caloric intake the chocolate even has benefits to your health. I can barely wait to eat mine. Happy Easter!
Ciência Cotidiana 8 – O que é que há com o chocolate?
Tinha Passado incólume pela páscoa, como me exilei com meu pai e minha mulher nos confins do Mato Grosso para fazer ecoturismo estava distante de qualquer jazida de chocolate que os instigasse a me presentear com um daqueles ovos embalados em papel colorido e visualmente tão atraente. Não teve jeito, essa uma colega me encontra no corredor e tira duas barras infinitas em calorias para mim. Ah meus quilômetros de corrida, essa semana terei que acrescentar uns cinco extras!
Por que o chocolate é tão irresistível? Deve ter alguma coisa de valor adquirido e de simbologia, mas eu, como sempre, vou para o lado mais biológico e menos cultural da coisa (Bah, como se cultura não fosse o resultado de fatores biológicos!). Talvez a resposta resida há uns 12 mil anos, em nossos cérebros paleolíticos. Naquela época conseguir alimento era algo tremendamente complicado, ainda mais alimentos que nos dessem um bom aporte de energia, como açúcares e gorduras, dois dos principais componentes do chocolate. Nosso cérebro tem, desde então, um mecanismo para nos premiar com uma bela sensação de bem-estar quando adquirimos estes alimentos ricos em açúcar e gordura pela injeção de endorfina, um opióide natural, na corrente sanguínea. Desta forma somos estimulados a sempre repetir o comportamento, igual a um cãozinho que obedece aos comandos do dono para ganhar um biscoito. Nos nossos cérebros o sistema de recompensa fica localizado na amígdala, duas estruturas em forma de amendoins localizados fundo dentro do encéfalo. O pior é que hoje alimentos ricos em gordura e carboidratos são abundantes, o que gerou a moderna epidemia da obesidade.
Além disso, o chocolate é um verdadeiro coquetel de substâncias capazes de alterar o humor. A primeira delas, e melhor reconhecida, é o triptofano, um aminoácido essencial (não produzido pelo corpo) que é o principal componente do neurotransmissor serotonina. A serotonina é a substância responsável pela sensação de serenidade, reduzindo drasticamente a ansiedade. Outras substâncias encontradas no chocolate são a cafeína e a teobromina, que atuam aumentando a capacidade de concentração, a disposição e o metabolismo. Por outro lado, a concentração de cafeína em um copo de coca-cola ou uma xícara de café ou chá é muito maior do que a de uma barra de chocolate. A terceira substância química encontrada no chocolate que pode ter efeitos psicotrópicos é a anandamida, um canabinóide (isso mesmo, similar à maconha) naturalmente presente no cérebro e potencializado pela ingestão de chocolate. Tenha em vista, porém, que para ficar chapado de chocolate é preciso comer alguns quilos da guloseima. A última das substâncias atualmente conhecidas no chocolate e que podem ter efeitos neurológicos é a feniletilamina, ou PEA. Ela atua como uma anfetamina e está na mesma classe de produtos que antidepressivos, estimulantes e alguns alucinógenos. Contudo, seus efeitos ainda não são plenamente conhecidos. O que se sabe é que a maior parte da PEA é degradada por enzimas antes que ela chegue ao sistema nervoso central, o que evita sua ação psicotrópica maior.
As barras estão na minha bolsa, esperando pela geladeira de casa porque o estado físico típico do chocolate no Mato Grosso é o líquido. Cuidando das calorias o chocolate tem até diversos benefícios à saúde. Mal posso esperar para comer o meu. Feliz páscoa atrasado!
Pensamento de segunda
“Enquanto você estiver resolvendo um problema, não se preocupe. Agora, quando você tiver resolvido um problema, esta é a hora de se preocupar.” (Richard Feynman)