Por que o código florestal que tramita no congresso não pode passar: Exóticas

O uso de plantas exóticas no reflorestamento é previsto pelo novo código florestal em até metade de sua cobertura. Imagine chegar a uma área de campo cerrado a ser recuperada e encontrar tudo coberto de capim-elefante ou braquiária. Seria algo parecido com reflorestar a Amazônia com eucalípto. Aí precisaríamos criar programas de introdução e preservação dos coalas.

exóticas

Em meio ao cerrado de Pirinópolis um exemplar da flora africana

As reservas legais precisar ser reflorestadas urgentemente, para isto alguns pesquisadores apontaram plantas exóticas como uma solução rápida para criar condições de uma floresta se restabelecer. Contudo, a permanência destas invasoras na vegetação madura só levaria à perda de biodiversidade. Certamente as RL’s podem servir de fonte de renda aos proprietários rurais na forma de sistemas agroflorestais bem preparados, da exploração de recursos nativos de maneira sustentável ou através de seu valor cênico. Mas o que vem acontecendo é o uso da RL com interesse agrícola estrito maquiado de preservação ambiental.

Por que o código florestal que tramita no congresso não pode passar: Soma das reservas

O novo código florestal permite que se some as áreas das áreas de preservação permanente (APP) nas áreas de reserva legal (RL). Se é necessário preservar 30% da área e 10% é de áreas de preservação permanente, continua-se com apenas 30% da área preservada, já que desconta-se da RL a área de APP. Antigamente o total preservado seria de 40%.

Em termos ecológicos este cálculo é errado. As APP’s precisam ser preservadas por possuírem características e papéis ecológicos específicos (encostas, margens de rios), as RL’s precisam estar lá para compor uma trama de fragmentos conectados do que antes era um contínuo. Mato não é tudo igual!

É necessário que se desvincule a preservação de APP’s e RL’s na compreensão dos proprietários rurais, só assim os papéis destes dois tipos de áreas poderão ser realizados.

Por que o código florestal que tramita no congresso não pode passar: Biomas

O novo código florestal permite que um proprietário rural que deseje desmatar uma área compense esta perda preservando outra área dentro do mesmo bioma. Mata Atlântica com Mata Atlântica, Cerrado com Cerrado, Caatinga com Caatinga…

O problema é que o que nós chamamos de Cerrado, na verdade é uma mixórdia de ambientes muito diferentes, campos limpos, veredas, cerradões, murundus são algumas das fisionomias que o cerrado pode assumir. Pela proposta que ora tramita eu posso desmatar 50 hectares de vereda no norte de Minas Gerais e compensar com 50 ha de campo sujo em Mato Grosso do Sul! O mesmo vale para os outros biomas, eu posso derrubar uma área de floresta ombrófila densa em São Paulo e compensar com uma cabruca na Bahia. Cada fisionomia dessas tem um papel ecológico, características ambientais e uma biodiversidade específicas e insubstituíveis. Semana passada um pesquisador recém-chegado de Cambridge, Gustavo Canale, veio a Tangará dar uma palestra sobre conservação e ecologia de uma espécie de macaco prego restrita a uma parcela de mata atlântica no nordeste. Um cacaueiro que decida desmatar sua propriedade e compensar isto com um fragmento de mata atlântica no Paraná estará contribuindo para a extinção deste importante dispersor de frutos.biomas

Os pesquisadores do painel de conservação do programa Biota Fapesp sugerem que áreas degradadas sejam compensadas em locais próximos e comparáveis em termos fisionômicos.

Por que o código florestal que tramita no congresso não pode passar: Amazônia Legal

As reservas legais na amazônia eram de 80% da área da propriedade, fato há muito contestado por proprietários rurais nesse bioma. Com os zoneamentos sócio-econômico-ecológicos (ZSEE) de cada estado englobado pela Amazônia Legal os proprietários rurais têm feito pressão e o novo código florestal considera a redução das reservas na Amazônia Legal para 50% nas áreas florestais e 20% em outras formações (cocais e savanas, por exemplo).

Esta alteração resultará em intenso desmatamento da floresta amazônica, induzindo o aumento das emissões de gás carbônico, seja pela queima da floresta, seja pela introdução da pecuária no que antes era floresta. Haverá ainda uma redução na complexidade do ambiente e da conectividade entre manchas de floresta nas propriedades rurais, o que, novamente, levará à perda de biodiversidade e serviços ecossistêmicos.

Alternativas apontam para um mínimo de 60% da vegetação amazônica preservada e planejada de forma a manter a conectividade entre fragmentos. Além de maior fiscalização para garantir a permanência desta área de reserva legal na amazônia.

Por que o código florestal que tramita no congresso não pode passar: reserva legal

Reserva legal é a área mínima preservada que um proprietário rural deve manter de suas terras. O novo código florestal sugere reduzir esta reserva legal dispensando de preservá-la agricultores com propriedades consideradas pequenas (até 4 módulos fiscais, o que aqui no Mato Grosso dá 240 hectares). Outra estratégia foi fundir à reserva legal á área de preservação permanente, assim, se um proprietário precisa preservar 100 ha, mas em sua área já existem 30 ha de mata ciliar e 50 ha de encostas, só é necessário preservar mais 20 ha de reserva legal, ao contrário dos 180 ha anteriormente preservados.

A fragmentação decorrente das atividades agrícolas no país todo tem resultado numa perda enorme de biodiversidade. O valor mínimo de área preservada com vegetação nativa e resguardada de ações catastróficas como a caça ou queimadas deveria ser de 30%, abaixo disso sabe-se que o risco de extinção aumenta exponencialmente. Mesmo para os produtores rurais a presença destas áreas implica em polinizadores, controladores naturais de pragas agrícolas e manutenção de recursos hídricos usados na irrigação.

Além do tamanho da propriedade, o tipo de atividade realizada deveria ser considerada no momento da estipulação da reserva legal. Da mesma forma, manter uma área mínima de 30% das propriedades fora da Amazônia preservada é fundamental para a manutenção da biodiversidade e seus serviços prestados.

RL

Mata Atlântica ontem e hoje, o pouco que restou foi graças a reservas legais

Por que o código florestal que tramita no congresso não pode passar: altiplanos

Além das várzeas, topos de morro e áreas acima dos 1800 m de altitude estão sujeitas a serem excluídas da lita de áreas de preservação permanente. Estas áreas atraem interesse de produtores de plantas como café, maçã e uva, mas têm um papel ecológico fundamental que nos faz não poder prescindir de tê-las preservadas.

altiplanos Apesar de sua mínima representatividade em termos de área do território, estes altiplanos têm uma grande quantidade de espécies restritas a eles. Por não serem conectados é impossível que uma dessas espécies endêmicas migre de um topo de morro para outro, o que invariavelmente resulta em extinção. Plantas como as Velózeas, roedores e lagartos são alguns dos muitos exemplos de espécies que se extinguiriam com a modificação destes habitats. Estas áreas são responsáveis pela captação de água para os aquíferos e sua preservação resguardaria nossas cidades de muits deslizamentos nos períodos de chuva.

Culturas que necessitam de áreas de altiplano por seu clima e solo poderiam ser restritas a locais muito específicos para deixar íntegros estes sítios.

Por que o código florestal que tramita no congresso não pode passar: Várzeas

O novo código florestal propõe retirar as áreas de várzea das áreas de preservação permanente, liberando-as para criação de búfalos e plantação de arroz, mas também para o aterramento definitivo. Isto apesar do Brasil ser signatário de acordos internacionais pela preservação destas áreas.varzea

As várzeas são controladoras de enchentes, sítios de alta produtividade pelo fitoplâncton, locais de alimentação e reprodução de muitas espécies de interesse econômico, áreas de lazer e reabastecimento dos lençóis freáticos.

A tranformação das várzeas em áreas produtivas permitiria preservar ainda 80% de seu território, associando-se a isto a utilização equilibrada para produções economicamente vantajosas.

Por que o código florestal que tramita no congresso não pode ser aprovado: Matas ciliares

A proposta de código florestal entregue ao congresso sugere a redução nas áreas vegetadas às margens de rios com menos de 5 m de largura. A redução das matas ciliares legalmente protegidas será de 30 m a partir da margem do rio na cheia para 15 m a partir da margem do rio na seca para cada lado. Os rios mais afetados por esta mudança seriam os de cabeceira, rios já muito degradados por pastagens e assoreamento.

ciliar Metade das espécies de anfíbios da Mata Atlântica são restritas a este ambiente, 45 espécies de peixes ameaçados de São Paulo só ocorrem nestes riachos de cabeceira, sem falar em borboletas, mamíferos semi-aquáticos e plantas restritos a este ambiente. As matas ciliares servem de corredores para a dispersão de vegetais e conexão de populações isoladas pela fragmentação da paisagem, impactos em áreas de cabeceira descem os rios com a correnteza afetando-os como um todo. Impactos aí podem resultar em epidemias de dengue e hantavirose, entre outras doenças.

A preservação das matas ciliares e seu referencial a partir da margem do rio na cheia são essenciais para a manutenção destes ambientes e de outros que dele dependem. Em vez de reduzir a área de reserva às margens dos rios o novo código florestal deveria estimular sua recuperação.

Quando a Ciência e a Conservação caminham juntas pela sustentabilidade

Tenho uma visão meio pessimista sobre a sustentabilidade da nossa espécie. Participei recentemente da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, cujo tema era Ciência para a Sustentabilidade, mas confesso que sou meio descrente desta tal sustentabilidade. Até ponho nas justificativas de meus pedidos de financiamento o valor dos dados que prometo gerar na conservação, mas sei que pouco farei para implementá-los como ferramentas da conservação. Esta é sim uma auto-crítica. No entanto, hoje escrevo sobre um artigo que me ensinou como os dados que geramos no laboratório podem ser ferramentas vitais para a manutenção da existência de espécies, paisagens e, em última instância, da nossa própria espécie.

O documento síntese da avaliação do novo código florestal brasileiro, assinado pelos pesquisadores Thomas M. Lewinsohn, Jean Paul Metzger, Carlos A. Joly, Lilian Casatti, Ricardo R. Rodrigues e Luiz A. Martinelli, será melhor explorado numa seção especial da revista Biota Neotropica em breve, mas o documento síntese já mostra como a capacidade de previsão que caracteriza a ciência pode nos apontar os resultados de ações humanas sobre a natureza. Uma revisão do código florestal brasileiro em construção atualmente traz modificações cujos impactos são assustadores. Algumas das propostas mais controversas são a redução das áreas de reserva legal e de preservação permanente, redução de 30% na área de preservação da Amazônia Legal e anistia aos proprietários de áreas desmatadas anteriores a 2008. Alterações como estas têm resultados cientificamente previsíveis como a perda de espécies, redução da prestação de serviços ecossistêmicos, aumento das emissões de gás carbônico e dos impactos de atividades humanas.

Oito pontos chave foram levantados pelos pesquisadores como geradores de impactos relevantes. Serão estes oito pontos que abordarei na série que se inicia amanhã intitulada: “Por que o código florestal que tramita no congresso não pode ser aprovado”. Serão abordados a redução das matas ciliares, fim da preservação das áreas de várzea, dos topos de morro e altiplanos, redução da Amazônia Legal, das reservas legais, compensação da reserva legal dentro do mesmo bioma, inclusão das áreas de preservação permanente dentro da reserva legal e liberação do plantio de espécies exóticas nas reservas legais.

Reconhecidamente o Brasil peca mais pela dificuldade em fazer cumprir suas leis do que pela existência de leis ruins. No entanto, este problema não se resolve reduzindo o rigor da lei para tornar menor o número de punições. O necessário é fazer-se cumprir leis que tenham embasamento.