Pensamento de segunda

“Não consigo me convencer de que um deus bondoso e onipotente tenha criado um Ichneumonidae.” (Charles Darwin)

Celebridades e a gripe suína – você queria ter um filho assim?

 

A nova doença que vem desesperando boa parte da população pode afetar especialmente algumas personalidades do show bizz. Seus hábitos e coisas a que se expõem no trabalho têm potencial de aumentar significativamente as chances de ser infectado pelo vírus. Este seria o caso de Dado Dolabella, Luciano Huck e Lindsay Lohan. Mas a classe estaria salva graças a outros integrantes como David Beckham, Kim Basinger e Bruno de Luca.

nolimite

Dois reality shows da momento têm demonstrado exatamente o tipo de comportamento que não se deve ter para evitar o contágio da nova gripe: A Fazenda e No Limite deram a cada episódio demonstrações da despreocupação com a higiene que favorece a passagem do vírus do ambiente para o corpo. Sem condições mínimas de manter hábitos salutares, os integrantes das equipes Manibu e Taiba têm que usar lona como lençol, não dispõem de muito sabonete (Álcool gel? Nem nos mercados tem mais!), sem contar a alimentação pra lá de exótica. A vantagem é que o vírus não sai passeando por aí do nada, teria que ter chegado lá no corpo de alguém. Mas é bom que a Bia perca rapidinho os maus hábitos depois da eliminação ou poderá sair do “No limite” e virar “A próxima vítima”. O mesmo vale para o mais novo milhonário, Dado Dolabella, Tamiflu não pode ser vendido no Brasil… nem por 1 Milhão!

 luciano_huck_angelica

Outro “péssimo” hábito dos famosos é a socialidade, Luciano Huck e Angélica, por exemplo, estão programando uma festa de aniversário para o apresentador em Nova York com show exclusivo do Marcelo D2 e tudo. Para ter idéia, a festinha de aniversário do filho reuniu 200 convidados, fora a imprensa e organização. Tanta gente junta aumenta bastante a chance de contágio, é por isso que escolas e comércio são fechados nestes casos, visando evitar aglomerações onde a transmissão é bem mais rápida.

lindsay_lohan

Todo o mundo sabe que as celebridades vivem de sua imagem, é por isso que o meio está repleto de beldades de corpos sarados sem um grama de gordurinha fora do lugar. Mas isto também é arriscado para quem pode ser rondado pela gripe suína, já que a produção de defesas pelo corpo, os anticorpos, está intimamente ligada à gordura. A falta de gordura corporal de pessoas como a Lindsay Lohan ou o excesso de treinamento muscular para hipertrofia do Hugh Jackman tenderiam a baixar nossa resistência aos patógenos, no caso dele por estresse oxidativo das células musculares, no dela por falta de veículo para incorporar ao corpo determinadas vitaminas ou fonte de energia.

Bruno-De-Luca

Com as ferramentas modernas de fecundação artificial e biologia molecular não é mais tão ficcional poder selecionar o filho perfeito. A reflexão que faço a partir deste surto da nova gripe é: será que temos competência para escolher as melhores características para nossos filhos numa nova onda de eugenia? Tomando as celebridades como exemplo do que valorizamos, poderíamos eliminar um embrião com propensão anti-social, avesso a pessoas, mas que num surto desses se sairia muito melhor do que aqueles que vivem em aglomerações, é o caso de um portador de síndrome do pânico como Kim Basinger. Também eliminaríamos um portador de compulsões como lavar as mãos excessivamente, algo extremamente valioso atualmente e possuído pelo David Beckham. Por fim, eliminaríamos desvios da forma física idealizada, a mesma barriguinha que desmerece o Bruno de Luca frente ao Hugh Jackman poderia ser a que o pouparia da pandemia, desde que isso tudo fosse geneticamente codificado.

 

Imagens: www.ofuxico.com.br

 

Este post faz parte da blogagem coletiva, "Cientista também caça paraquedista" patrocinado pelo Science Blogs Brasil.

Pensamento de segunda

“Se o conhecimento pode criar problemas, não é com ignorância que os resolveremos.” (Isaac Asimov)

Entrevista com Marlene Zuk

Em comemoração ao primeiro aniversário do Ciência à Bessa, estou enviando a segunda entrevista deste blog. Uma personalidade muito interessante que conheci no ABS Meeting foi a Prof. Marlene Zuk. Ela trabalha na Universidade da Califórnia em Riverside e tem projetos de pesquisa voltados para seleção sexual em diversas espécies de animais. Marlene Zuk concedeu uma entrevista exclusiva para o Ciência à Bessa que eu transcrevo e traduzo abaixo.

marlene zuk

Putz, não acredito que eu pisquei bem na hora!Fonte: ntnews.com.au

Eduardo Bessa – Charles Darwin levou 30 anos para publicar a Origem das espécies por receio da igreja anglicana. Talvez o mesmo tivesse ocorrido com a seleção sexual se na época o pensamento feminista fosse tão forte quanto a igreja ou tão forte quanto ele é hoje?

Marlene Zuk- De forma alguma, Charles Darwin já havia proposto as bases da seleção sexual na origem das espécies, ele apenas achou que a idéia merecia mais atenção e por isso dedicou-lhe metade de um novo livro que foi a evolução humana e a seleção sexual. O ambiente cultural da época vitoriana com certeza era machista, mas neste sentido a seleção sexual atacava os valores vitorianos tanto quanto a origem das espécies à medida que apresentava situações diferentes do papel sexual geral. Veja só, elefantes marinhos são o modelo de macho que os vitorianos defenderiam, mas ele não é o único exemplo citado por Darwin. Ele menciona machos muito mais delicados, como os cavalos marinhos, estes sim o avesso da sociedade vitoriana. 

Eduardo Bessa – Em seu livro sobre seleção sexual você fala que o olhar humano pode introduzir um antropomorfismo à medida que tentamos compreender o comportamento animal em função do nosso próprio comportamento. Quanto do que fizemos até hoje sobre comportamento animal foi fatalmente afetado por isso e quanto do que produzimos pode ser salvo?

Marlene Zuk – Sou otimista neste sentido, é claro que vieses e antropomorfismos podem ocorrer e ocorrem com certa frequência, mas devemos constantemente nos policiar e acho que a pesquisa em comportamento animal de boa qualidade em geral tem conseguido este objetivo. O problema é não tratar determinadas coisas que vemos na natureza com nossos valores, uma ave fêmea que esteja realizando uma cópula com um parceiro diferente de seu par social não o está traindo. Quem disse que em algum momento eles fizeram um pacto de fidelidade? Problemas humanos são problemas humanos, podemos até usar o comportamento animal para compreender o nosso, mas nunca usar nosso comportamento para descrever o dos animais. Não vale a pena discutir o que é ou não natural.

Fonte: oglobo.com.br Eduardo Bessa – Falando em ser ou não natural, você esteve recentemente em São Paulo e também publicou uma extensa revisão sobre comportamento homossexual em animais mais ou menos na mesma época da parada gay de São Paulo. A homossexualidade é natural?

Marlene Zuk – [Risos] Exatamente, esse é o tipo de abordagem que não vale a pena fazer. As pessoas procuram este tipo de pesquisa como que para terem autorização para assumir sua sexualidade. Não é isso que ela busca! A pesquisa sobre o comportamento sexual nos animais foi uma forma de demonstrar a diversidade de comportamentos existentes e que nós, erradamente, tentamos enquadrar numa mesma categoria da homossexualidade. Ignorar essa variação é jogar pela janela uma riqueza de dados enorme. Aquilo que chamamos homossexualidade em uma mosca da fruta tem bases e significados completamente diversos do que chamamos homossexualidade em gansos que é absolutamente diferente do que chamamos homossexualidade em bonobos. Para estes últimos o sexo tem um papel social muito maior do que qualquer outra coisa.

Eduardo Bessa – Para terminar. Seu laboratório trabalha hoje com uma grande diversidade de modelos, principalmente aves e insetos. Por que todos estes modelos? A final de contas, os animais nos trabalhos de comportamento são apenas material e métodos?

MZ- Mais ou menos. Em todo curso de comportamento animal ensinamos aos alunos o quanto eles devem primeiro escolher sua pergunta e só então o modelo que irão utilizar para respondê-la. Isso talvez fosse o ideal, aí certamente o animal seria material e métodos, mas não funciona bem assim. Sempre teremos nossas predileções e gostos. Eu por exemplo adoro a liberdade de poder tratar paralelamente um organismo em campo e laboratório, isso se torna muito difícil com vertebrados grandes, mas manter insetos em cativeiro é muito mais comum, por isso invisto tanto nos modelos de insetos. Aves também me fascinam.

Ciência à Bessa – Feliz aniversário de 1 ano de existência

Hoje cedo descobri que o Ciência à Bessa chegava ao seu primeiro ano no ar. Uma curta parte independentemente, logo a seguir fagocitado pelo lablogatórios que empupou e se metamorfoseou em Scienceblogs Brasil. Tenho que dizer que estou muito satisfeito com o blog. Me divirto escrevendo, vendo os comentários, pensando nas pautas e bolando analogias para deixar claro o que quero dizer. Um ano atrás era um blogueiro iniciante, inseguro sobre esta ferramenta nova para mim. Continuo sem saber dizer ao certo o que é um blog e se estou escrevendo no formato que um blog deve ter, mas sei que este é o formato que o MEU blog terá. E ver as estatísticas têm me mostrado que há alguns leitores fiéis e um bom interesse do público geral pelo que escrevo.

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Muito obrigado aos meus hospedeiros do Scienceblogs  e do Scienceblogs Brasil, espero estar sendo mais comensal do que parasita destes hospedeiros dando um pouco de qualidade a estes condomínios de blogs científicos que me orgulho em integrar. Obrigado aos leitores pelo tempo dispensado e principalmente aos fiéis comentadores, é pelos comentários de vocês que me inspiro a escrever sempre mais.

Em comemoração a este um ano de Ciência à Bessa postarei a segunda entrevista que fiz no encontro da Animal Behavior Society em Pirinópolis. Uma figura menos famosa do que o Richard Dawkins, mas interessantíssima, Marlene Zuk.

Que cobra enooorme!

Passei a semana passada (!?!) em campo para meu projeto de pesquisa. Estou trabalhando com comportamento de peixes de riacho em um paraíso ecológico do nível de Bonito, no Mato Grosso do Sul, mas a apenas algumas horas aqui de Tangará. Chama-se Nobres, especificamente a Vila de Bom Jardim, uma belezinha como mostram as fotos abaixo. Alguns pesquisadores que trabalham com mergulho em campo têm a fama de intrépidos. Não acho que eu seja desses e esse post irá selar minha fama de bundão!

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No dia em que eu e meus alunos chegamos, fomos fazer um mergulho no rio Estivado, muito próximo a uma atração turística dali onde há uma placa escrito "Não ultrapasse, proibido o banho do outro lado". Estou bastante interessado em diferenças comportamentais entre os peixes que vivem onde os turistas vão e os que ficam abrigados da balbúrdia causada pelos visitantes, então a placa foi um convite ao desacato. Sem cerimônia atravessei a linha e fui descobrir todo um novo mundo. Estava tranquilamente mergulhando quando percebi um mussum nadando entre as folhas, notei primeiro o rabo e fui seguindo o peixe que se esticava, se esticava e não acabava mais. Não, não era um mussum. Sim, era uma sucuri!

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Fonte: www.catalogoflife.org

Meu coração quase saiu pela boca. Sem dar meia volta nem tirar o olho da bichona comecei a recuar, mas minhas pernadas nervosas levantaram um monte de sedimento, turvando a vista instantaneamente. Me afastei dali e fiquei de longe olhando para ver se a serpente não vinha. Estava morrendo de curiosidade, mas não queria me arriscar a ser encontrado por ela antes que eu a encontrasse, então esperei o sedimento baixar. Voltei ao local uns três minutos depois e nem sinal da sucuri que, juro, descontando o paralaxe da mascara de mergulho, devia somar seus 2 m de cobra. Com todo o jeito que uma notícia desta natureza permite contei aos meus alunos, sabendo que tinha que deixá-los alertas, mas não poderia alarmá-los a ponto de terem medo de voltar a mergulhar ali. Nos dias que se seguiram toda vez que voltava no local procurava a serpente, mas tem coisas que deve-se aproveitar o momento, não a vi mais.

Eu provavelmente exagerei na reação. Permanecer a uma distância segura poderia ter me permitido fazer inferências bem interessantes sobre alguma eventual interação ecológica entre peixes e a serpente, mas na hora a sobrevivência e o medo irracional falaram mais alto. Melhor um bundão vivo que um corajoso morto. Quem sabe nos meses de saída de campo que faltam não a encontro de novo desta vez com mais sangue frio? Tomara que não!

Pensamento de segunda

“Nada em biologia faz sentido a não ser sob a luz da evolução” (Theodozius Dobzhanski)

Pensamento de segunda

“Se eu enxerguei longe foi porque subi nos ombros de gigantes.” (Isaac Newton)

Nem os beija-flores são de fato livres

Um artigo recente da Proceedings of the Royal Society apresentou dados surpreendentes sobre a capacidade de voo dos beija-flores Calypte anna.obtido de: www.uol.com.br/sciam Os machos desta espécie fazem um voo em forma de “J” inclinado em cuja fase descendente estes animais atingem uma velocidade de 385 comprimentos do corpo por segundo. Seria o equivalente de uma pessoa se projetar no espaço a mais de 2300 km/h movido só com o poder de seus músculos! Ok, a gravidade ajuda também, mas ainda é espantoso. É este tipo de situação extraordinária que fêmeas exigentes causam ao fazer com que nós machos mostremos que merecemos seus preciosos óvulos.

Além da velocidade do voo dos beija-flores, sua manobrabilidade também impressiona. Na inflexão do voo em “J” que mencionei acima estes animais são submetidos a uma aceleração nove vezes maior do que a da gravidade, mais do que suportam pilotos de caça. Quando nos levantamos demasiado rápido podemos ter uma sensação de tontura ou até desmaios Obtido em: www.downloads.open4group.com/wallpapers devido à redução da pressão sanguínea na cabeça. Nos pilotos de caça a aceleração gravitacional faz com que o sangue se acumule na parte do corpo que estiver mais distante do centro da curva (por pura força centrífuga) expandindo os vasos sanguíneos destas partes do corpo (em geral o pé) e deixando de irrigar o cérebro. Nos beija-flores é provável que a seletividade das fêmeas tenha levado a veias com uma camada muscular mais espessa, capaz de expulsar o sangue que pretendia se acumular para irrigar o sistema nervoso do esforçado macho.

Ainda assim, não há liberdade total para estes beija-flores. Uma vez a Paula, do Rastro de Carbono, estava às voltas com um trabalho de Processos Evolutivos na faculdade sobre os limites da evolução, fomos juntos à biblioteca porque eu também me interessei pelo assunto. Nossa conclusão foi que a principal limitação à evolução vem do passado daquele organismo. Por exemplo, por muito tempo acreditou-se que os beija-flores tinham tanta manobrabilidade de voo porque a biomecânica de suas asas se assemelhava à dos insetos (outro grupo capaz de manobras estonteantes,  como o sabe toda criança que já brincou com moscas daObtido em: www.eol.org família Calliphoridae). Isso significa que a sustentação do peso de uma mariposa no ar é dividida igualmente nos movimentos descendentes e ascendentes das asas. Um artigo de 2005 na Nature, porém, provou usando tecnologia de ponta que os movimentos descendentes sustentam 75% do peso do animal, contra 25% da batida descendente, igual a qualquer outra ave. Mesmo que a seleção sexual ou natural tenda a compelir os beija-flores a voos cada vez mais ousados, o animal não conseguirá voar como um inseto mais do que um humano conseguirá evoluir rodinhas nos pés. Somos cerceados por nossa estrutura física.

Este post teve sua pauta gentilmente oferecida pela Scientific American Brasil.

Manchetes comentadas 19 – 60 baleias avistadas no sul

Post a quatro mãos, meu e da Joiciane Gonçalves Farias

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Mãe e Filhote vistos do helicóptero

Fonte: www.oglobo.com.br

Saiu no O Globo que já foram contabilizadas sessenta Baleias Franca na estação reprodutiva que se inicia. Os gigantescos animais de até 60 toneladas visitam majoritariamente o litoral entre Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Originalmente eles eram encontrados até a altura do litoral fluminense, mas com a caça da baleia em busca do óleo, outrora amplamente utilizado na indústria, chegaram a desaparecer de nosso litoral que, aos poucos, recolonizam. O levantamento desta população é realizado pelo Projeto Baleia Franca através de sobrevoos.

As Baleias Franca vêm ao litoral brasileiro para se reproduzir ou acasalar, fugindo do frio das águas antárticas durante o inverno. No entanto as águas tropicais não oferecem alimento adequado a elas, que permanecem em um jejunzinho básico enquanto amamentam e fazem a migração de meros 5000 km entre o lado oeste da península antártica e o litoral catarinense na estação reprodutiva. A gestação dura 12 meses, tempo exato entre dois verões. E, obviamente, não por acaso, a gestação teria que ser um múltiplo de 12 graças à sazonalidade do verão. Se os filhotes não nascessem aos 12 meses nasceriam só aos 24, os que teimassem em não fazê-lo certamente morreriam de frio nascendo no inverno polar. Coisas da selação natural.

Aparentemente a população brasileira de Francas vem crescendo, os dados das primeiras semanas de sobrevoos já levaram os pesquisadores do projeto a pensar que 2009 pode ser o ano de mais um récorde de registros. Caso alguém esteja se perguntando, as baleias Francas podem ser individualmente identificadas através das calosidades em sua cabeça, estas calosidades são colonizadas por crustáceos sésseis (fixos) que viajam de carona nas baleias, dando tom esbranquiçado e muito visível, mesmo de um helicóptero, às verrugas. Os pesquisadores usam estas calosidades para diferenciar indivíduos e contar quantos estão no nosso litoral.

A caça às baleias também é um bom exemplo de como nossa economia se ajusta. Houve um momento em que muita coisa era produzida a partir de óleo de baleia, desde a massa usada na construção civil à iluminação urbana até o batom das madames. Era praticamente impossível conceber nosso modus vivendi sem o óleo de baleia, hoje é praticamente impossível conceber nossa vida sem combustíveis fósseis. Com o declínio das populações destes cetáceos o óleo foi ficando mais e mais raro, teve-se que dar um jeito. Basta haver a pressão certa que alternativas ao petróleo surgirão. Só esperamos que surjam a tempo!