Cadaverina, ou a beleza da ciência pura
Ontem estava no departamento onde trabalho quando as secretárias, ao mover um móvel, descobriram um fortíssimo cheiro de animal morto que empesteou o ar. Era a cadaverina, uma amina derivada da putrefação de proteínas animais, especialmente do aminoácido lisina.
Não cheguei a arrotar em voz alta minha erudição sobre o fedor, mas ela poderia ter até impressionado. Ou não. Poderia simplesmente soar arrogante e besta, o que provavelmente me fez manter a boca calada. Fato é que o fedor continuou ali, e nós, fora da sala.
A ciência básica é assim, às vezes te oferece uma série de informações que não resolvem em nada seu problema prático. Mas, como dizia Richard Feymann, ‘é como o sexo”, não é pelo resultado prático que a fazemos.
Pensamento de Segunda
Questionar é o atributo de um filósofo, porque não há outro início para a filosofia além desse.
Platão
Quiz: Que animal é esse?
Está lançado o desafio. Quem sabe que animal é esse?
Respondam nos comentários, que só publicarei no dia da entrega do resultado, 2 de agosto. O primeiro leitor que acertar ganha de presente um brinde. Não deixem de preencher o e-mail no comentário para eu voltar a entrar em contato para enviar o prêmio. Dia 2 solto um post sobre esse animal e o vencedor do quis.
Pensamento de Segunda
“Não sabendo que era impossível, foi lá e fez.”
Jean Cocteau ou Mark Twain dependendo da nacionalidade de quem cita
O peixe limpador intrépido
Naquela manhã, no consultório psicanalítico…
A doutora ouvia de dentro da sala os risinhos da secretária nova na antessala. Ao sair para checar o que acontecia surpreendeu-se. Seu próximo cliente, um peixe limpador listrado de preto e azul iridescente, estava enfiado entre os dedinhos do pé da secretária mordiscando-lhe as pelancas. A doutora pigarreou e a secretária se recompôs de súbito na cadeira, assustando o peixinho.
-Entre, Sr. Elacatinus, está um pouco atrasado. – O peixinho nadou até o alto do divã e se deitou ali com o corpo em “S”.
– Doutora, tudo bem com a senhora? Percebi que está pigarreando. Está bem da garganta? Abra a boca. Posso fazer alguma coisa por você? – Perguntou ansioso o limpador.
-Volte para seu divã, por favor. Aqui o cliente é o senhor. O que lhe trouxe ao consultório hoje?
-Não sei o que há de errado comigo. Qualquer peixe do meu tamanho, diante da bocarra de uma garoupa ou de uma moreia, dispara em fuga ou congela de pavor. Eu simplesmente me atiro sobre as tenebrosas e começo a catar-lhes parasitas mal elas me pedem o serviço. Por que não sinto medo?
– Sr. Elacatinus, por que você não sente medo?
– Mas foi o que acabei de perguntar, doutora! Não sei explicar. Minha nadadeiras tremem, minha boca seca, meu coração dispara, começo a suar frio. Mas mesmo assim corro para limpar esses ameaçadores clientes. – Explicou o peixe.
-E o senhor diz que não tem medo?
-Pois é. Medo tenho, mas por que não ajo como todos os outros animais doutora?
-Ora, o mundo não é feito de dicotomias, meu caro. Não acredite em tudo o que dizem por aí. Talvez nem todos os animais fujam em disparada ou congelem de pavor. Você poderia recorrer a um mecanismo que os psicólogos chamam de contra-fóbico. Encara seus medos. – Explicou a analista.
-Mas doutora, não corro riscos?
-Olha, não posso garantir nada. Mas saiba que nunca viram nenhum peixe limpador ser predado durante uma sessão de limpeza. Relaxe e aceite seu instinto. Continue caprichando na limpeza que imagino que um cliente satisfeito irá pensar duas vezes antes de te comer.
-Obrigado, doutora. Nossas conversas são sempre reconfortantes. Até logo… – E saiu o peixinho nadando oceano afora.
Marta C. Soares1,2*, Redouan Bshary2, So´ nia C. Cardoso1, Isabelle M. Coˆ te´ 3, Rui F. Oliveira1,4 (2012). Face Your Fears: Cleaning Gobies Inspect Predators
despite Being Stressed by Them PLoS One
Pensamento de Segunda
“É um bom exercício para um pesquisador, antes do café da manhã, livrar-se de uma hipótese favorita por dia. Isso o manterá jovem.”
Konrad Lorenz
Biotecnologia – Profissão Biólogo
Fernando Nodari
- Fernando Nodari, especialista de aplicação de produtos em Biotecnologia
Trabalho na área comercial de uma empresa de Biotecnologia chamada Affymetrix. O mercado de trabalho em que atuo tem espaço para biólogos no futuro. Em meu cotidiano profissional são exigidos raciocínio lógico, bom relacionamento com clientes, inglês fluente e conhecimentos de biologia molecular.
Aqui na Affymetrix sou o especialista de aplicação, responsável pelo suporte pré e pós venda dos produtos da empresa na América Latina. Ministro palestras em eventos e participo de reuniões com clientes antes da venda para tentar definir qual o melhor produto para sua pesquisa. Após a compra, treino os pesquisadores a utilizar o equipamento e a realizar os ensaios. Se o cliente encontra algum problema, eu o ajudo a encontrar a fonte do problema e a solucioná-lo.
Em teoria trabalho 40 horas semanais, mas eu acabo sempre trabalhando mais que isso. Meu regime é de home-office, então sou eu quem faço os meus horários. Porém, como meus clientes estão trabalhando no horário comercial, preciso estar disponível nesse horário. Quando não estou no laboratório de um cliente, eu trabalho de casa. Devo dizer que, como tudo, tem suas vantagens e desvantagens trabalhar em casa. Vantagem: não pegar trânsito numa cidade caótica como São Paulo; estar em casa e poder resolver pequenas coisas do dia-a-dia. Desvantagens: não ter muita hora para parar de trabalhar, se bobear você acaba ficando até tarde trabalhando. Exige muita disciplina.
Na graduação gostava das disciplinas da área de zoologia, mas atualmente meu trabalho está muito voltado para as de biologia molecular e bioquímica. Depois da graduação fiz mestrado em genética. Isso me ajudou a conseguir meu emprego porque aprendi as técnicas dos produtos que passaria a representar e conheci pessoas que me levaram ao cargo que ocupo. No entanto, o mestrado não foi uma exigência do contratante, era apenas desejável.
Durante meu mestrado percebi que não queria seguir carreira acadêmica e assumo que só entrei no mestrado pela inércia das faculdades públicas de biologia. Mas, isso foi bom, porque foram os conhecimentos do mestrado que me permitiram chegar aonde cheguei hoje. Bom, quando depositei minha dissertação comecei a procurar emprego. Anunciei meu CV na Catho e, nos sete dias gratuitos, fui chamado para uma entrevista na Uniscience (empresa nacional distribuidora de equipamentos e reagentes de biologia molecular) para uma vaga de vendedor. Fui selecionado e trabalhei por três meses nessa função. Em pouco tempo pude ver que eu não sou um vendedor. Então, abri o jogo com minha chefe. Falei que eu não estava me adaptando ao cargo e queria saber se a empresa poderia me aproveitar em outro setor. Como ela tinha gostado do meu trabalho, me indicou para a equipe de suporte. Consegui a transferência e, na equipe de suporte, passei a cuidar dos produtos da Affymetrix (na época, representada pela Uniscience no Brasil). Permaneci no mesmo cargo por dois anos e meio até que consegui uma vaga de especialista de produto na Perkin Elmer. Trabalhei lá por dois meses quando tive uma “crise dos 30 anos”; larguei tudo e comecei a dar aula de biologia para o ensino médio.
Após quatro meses, vi que tinha feito um movimento errado. Foi então que a Affymetrix decidiu abrir um escritório no Brasil e, graças ao bom trabalho e aos bons relacionamentos que desenvolvi na Uniscience, eles entraram em contato comigo para que eu ocupasse a vaga de especialista de aplicação. A “crise dos 30” foi essencial para que eu tirasse uma dúvida antiga da minha cabeça: como seria minha vida como professor? Sempre gostei de ensinar e achei que a minha felicidade estivesse nas aulas. Porém, quando me vi tendo que ser mais disciplinador do que professor, vi que esse caminho me reservaria mais estresses do que alegrias. Essa experiência também me ajudou a valorizar muito meu atual trabalho. Estou trabalhando na Affymetrix há seis meses e pretendo construir uma carreira longa e de muito sucesso aqui.
Me motiva em minha profissão estar sempre atualizado sobre a biotecnologia e encontrar a fonte do problema onde ninguém encontra. O que invariavelmente ajuda os pesquisadores das mais diversas áreas. Com relação às dificuldades que alguém como eu encontra na carreira estão duas principais: as viagens constantes e competição desleal com os concorrentes. Se você pretende seguir uma carreira como a minha tenho três conselhos: estudar, networking e estudar.
*Um agradecimento especial do autor do Blog ao Gabriel Cunha que me apresentou o Fernando Nodari
Pensamento de Segunda
“Todo conhecimento científico passa por três fases. Primeiro dizem que ele contradiz a Bíblia, depois que ele já havia sido descoberto e por último que sempre acreditaram nele.”
Louis Agassiz