Vida selvagem de pertinho
Ao Gaio, neo-cacerense, colega na USP e agora na UNEMAT e ainda incólume às onças
Gatos são animais ariscos e curiosos por natureza. Um gato doméstico seria muito sorrateiro com sua comida. Mas, tendo em vista que se ele não se dispuser a comer com gente em volta fazendo barulho vai passar fome, chega uma hora que o felino deixa de lado seus pudores e aceita a nova situação. Agora substitua o gatinho doméstico por uma onça. No Pantanal o ecoturismo tem se intensificado tanto e de forma tão segura para os animais que alguns estão deixando de ser tão arredios. É o que mostra o vídeo abaixo gravado em Cáceres, MT. Aqui perto de mim.
Tomara que os políticos e fazendeiros percebam o valor que uma onça dessas viva pode render a mais do que uma morta, seja por caça ou por perda de habitat.
Tomara também que essa habituação com os humanos não descambe para a inclusão da nossa espécie no cardápio das onças. Por mais que eu mesmo conheça um punhado de gente que valeria muito mais como alimento de onça do que pelo ser humano que são, a opinião pública tende a não ser muito tolerante com animais que saem por aí comendo gente.
QUIZ DE ÚLTIMA HORA:
Quem você daria de comer a uma onça?
Aguardo as respostas nos comentários…
Manchetes comentadas 11 – Alienígena de 29 kg capturado em Brasília
Vou aproveitar o encontro brasileiro de ictiologia para soltar uma manchete comentada sobre peixes. Hoje uma nova carpa prateada, desta vez pesando 29 kg, foi pescada no lago Paranoá, Brasília, próxima à estação de tratamento de esgoto da ponte das garças. Os animais foram introduzidos há 10 anos com o intúito de despoluir o lago.
Mas como é que um peixe poderia fazer isso? Uma das principais formas de poluição do ambiente aquático é a chamada eutrofização. Eutrofização é a entrada de um grande volume de matéria orgânica, principalmente fósfatos e nitratos, na água. Esses elementos podem vir da lixiviação de lavouras ou do despejo direto de esgoto nos corpos d’água. Para quem conhece um pouco de cultivo de vegetais sabe que nitratos e fosfatos são excelentes fertilizantes, por isso, assim que atingem a água esses elementos são capturados por vegetais aquáticos grandes, como o aguapé, ou microscópicos, como as algas cianofíceas. As carpas prateadas se alimentam dessas microalgas cianofíceas, levando junto com as algas o fosfato que poluía o lago.
Bem, não é tão simples assim. Caso o peixe permaneça no lago ele um dia irá morrer e, ao se decompor, devolver para o lago todo o fosfato que consumiu. Para que isso não ocorra o peixe tem que ser retirado do lago. Um destino razoável para uma carpa pescadaseria uma grelha, umas rodelas de tomate, cebola, pimentão, coentro, uma cervejinha, quem sabe. Deixar os bichos completarem seu ciclo de vida no lago daria o mesmo que não fazer nada. É o mesmo problema que ocorre com a despoluição pelos aguapés, se há muito fosfato ocorre uma explos”ao populacional dessas plantas, elas morrem, se decompõem e voltam a poluir o lago. Por isso precisam ser retiradas.
Quando esse projeto de despoluição do Paranoá começou eu adorava passear de barco pelo lago. A CAESB, companhia de água e esgoto de Brasília, tinha tanques-rede abrigando os peixes. Nos tanques-rede a água poluída entrava, as carpas tiravam as cianofíceas para se alimentar e a água saía mais limpa. Quando as carpas estivessem grandes o suficiente era só retirar o tanque inteiro do lago e pegar as carpas. Depois novas carpinhas eram colocadas ali e o tanque-rede devolvido ao lago. O estado trófico (grau de eutrofização) do Lago Paranoá melhorou muito desde a década de 90, graças a essa e outras medidas, como o tratamento do esgoto lançado no lago.
Mas um problema ainda fica evidenciado pelas capturas dos últimos dias. Se essas carpas prateadas estão sendo pescadas agora é sinal de que figiram dos tanques-rede. Carpas prateadas são peixes originários da China, de apetite extremamente voraz, possivelmente mais hábil em evitar predadores, portador de suas próprias doenças as quais podem ser muito agressivas contra nossos peixes nativos e talvez imune às doenças dos peixes brasileiros. Isso tudo configura um fenômeno já bem conhecido dos ecólogos: Invazões Biológicas. As espécies invasoras, ou alienígenas, são o segundo maior causador de extinções conhecido graças à sua habilidade em destruir espécies nativas por exclusão competitiva. O problema da poluição no Lago Paranoá pode ter sido bastante amenizado, mas trouxe consigo um novo problema de invasão biológica, essa talvez muito mais difícil de resolver. No lago Paranoá, além da carpa prateada, há tilápias africanas, tartarugas da Flórida e o mexilhão dourado, também da China.
USP, 75 anos
Hoje faz 75 anos que a Universidade de São Paulo foi fundada. Essa que foi minha segunda maternidade merece meus parabéns e meus votos de muitos anos ainda por vir. Tenho certeza de que ela abriga diversos problemas e desafios, mas tenho também um imenso orgulho de ser uspiano.
Feliz Aniversário USP
Encontro Brasileiro de Ictiologia em Cuiabá
Essa semana acontecerá no Mato Grosso o XVIII Encontro Brasileiro de Ictiologia, reunindo os principais pesquisadores de peixes do país. O encontro pretende abordar temas relacionados a “Ictiologia e desenvolvimento”. Serão cinco dias de palestras, cursos, debates e reuniões realizados na UFMT de Cuiabá. Uma excelente oportunidade para o estado mostrar que aqui também se faz pesquisa. Se algum leitor aparecer por lá será um prazer conhecê-lo. Estarei no apoio aos palestrantes, na sala VIP, no desembarque do aeroporto ou correndo de um lado para o outro mesmo.
Imagens
Pessoal, estou com uma nova conexão via 3G e penando para carregar imagens do meu computador para o Blog. Paciência, em alguns dias resolvo isso e ilustro a manchete #10, o Templo e a Vida após a morte.
Bessa
Manchetes comentadas 10 – Caixa preta do US Air confirma choque com aves
No dia 15 de janeiro um avião da US Airways caiu em Nova Iorque. Os americanos, que já andam meio ressabiados com aviões, logo ergueram o piloto ao status de semi-deus. Mesmo sem os motores e perdendo altitude rapidamente ele foi capaz de levar o avião até o rio Hudson, que margeia a metrópole, e pousar suavemente, dentro do possível, na água. Os 155 passageiros foram resgatados com vida.
A tripulação afirmou, e hoje a caixa preta confirmou, que o acidente deveu-se ao choque com aves. Parece bizarro um airbus daquele tamanho vir ao chão por causa de aves, mas o caso é sério. O prejuízo deve alcançar cerca de 600 milhões de dólares por ano. Só no Brasil o órgão da Infraero responsável por avaliar acidentes aéreos contabiliza 2 mil ocorrências por ano. Claro que nem todas tão desastrosas quanto a do airbus.
Devido a tudo isso diversas medidas já são tomadas em vários aeroportos. Aqui no Brasil desde o começo do ano passado que o aeroporto da Pampulha (Belo Horizonte) conta com falcões adestrados para caçar outras aves potenciais causadoras de acidentes. Cães também prestam esse serviço perseguindo as aves.
Alguns fatores favorecem a ocorrência de aves próximas a aeroportos. Muitos aeroportos se beneficiam de áreas alagadas ao seu redor por não apresentarem obstáculos aos aviões, por serem planas e desertas, permitindo pousos de emergência. Mas se estas áreas são desertas de habitantes humanos, atraem aves aquáticas como garças, patos e gaivotas. Outro fator é que aeroportos têm muitos holofotes para iluminar as pistas à noite. Holofotes atraem insetinhos e estes atraem seus predadores, como o quero-quero. Outra fonte de risco muito comum no Brasil é que áreas ermas, além de propícias para aeroportos, também são usadas como lixões. O que acaba atraindo urubus e pombos.
Ainda em tempo, um preciosismo de biólogo. Percebam que, entre as aves que mais causam acidentes (garças, gaivotas, patos, quero-queros, urubus e pombos), nenhuma delas é da ordem Passeriformes, por isso, nenhum pássaro de fato. Aves causam acidentes aéreos, pássaros não são grandes o suficiente para causá-los. Pássaros são as aves canoras como o bem-te-vi, o coleirinho, o pardal e o sabiá.
Vida após a morte sem mistérios
Saí para almoçar agora e passei em frente a uma banca de jornal. Me chamou a atenção a matéria de capa de uma revista espírita: “A vida após a morte sem mistérios”. Engraçado como surgem as idéias, né. Acho que foi por isso que nunca me filiei a nenhuma religião. Elas são assassinas de perguntas.
As pessoas acham que a Ciência assassina os mistérios do mundo ao obter respostas para eles. Só pensa isso quem nunca entrou num laboratório ou nunca fez ciência de fato. Nossas falsas respostas científicas são apenas o caminho para novas perguntas. Perguntas mais detalhadas, mais específicas e mais elegantes. As respostas que a ciência gera não têm a pretensão de serem únicas, verdadeiras ou eternas. São enfeites para permitir admirar melhor a beleza da vida como um telescópio ajuda a enxergar um planeta distante.
Vamos combinar que vocês não vão contar a ninguém sobre isso, tá bom. Principalmente às agências de financiamento da pesquisa: CAPES, FINEP, CNPq, FAPESP, FAPEMAT e outras FAPs por aí afora. Às vezes acho que eles realmente pensam que iremos fazer descobertas que irão salvar o mundo, dar-lhes grandes somas de dinheiro em patentes ou, de preferência, as duas coisas. Nos fazem escrever um projeto contendo uma justificativa que, em termos grosseiros, seria: “Como seu projeto poderá render dinheiro ou salvar o mundo?” Das duas uma; ou eles não sabem que nossas respostas não fazem isso ou se deixam enganar.
As pessoas acham que a Ciência assassina os mistérios do mundo. Não o fazem! Elas são passageiras, frágeis e estão aí para serem desmontadas. As respostas da religião, por outro lado, invocam uma verdade inquestionável e imutável. Elas assassinam a beleza da dúvida, os mistérios do mundo. Não quero que a vida após a morte deixe de ser um mistério. Não quero que nossa origem deixe de ser povoada de dúvidas. Rejeito uma missão fixa para o nosso papel no universo. Prefiro a beleza da incerteza à paz fria e monótona das verdades eternas.
Templo
Outro dia o amigo Carlos Hotta, do Brontossauros dizia que a experiência mais próxima do espiritual que teve foi visitar a casa do Darwin. Ainda não a conheço, mas entendi do que ele falava quando, de férias pelo Rio de Janeiro, fui dar um passeio pela Biblioteca Nacional. Como o acesso lá é restrito a determinadas salas para quem quer ler, preferi uma visita monitorada. O prédio é lindo, a estrutura é de primeiro mundo e acho que é possível sentir todo aquele conhecimento ali. A duas quadras fica a Academia Brasileira de Letras e a outras cinco o Real Gabinete Português de Leitura, outra sala linda onde Machado de Assis ia ler quando jovem.
Terra redonda
Pessoal, o Luis Brudna, blogueiro do Gluon, sugeriu fazer um outro post explicando melhor o experimento que propus. Então mãos à obra.
Primeiro você precisará de uma haste de uns 30 cm. Vou usar uma um pouco mais longa para permitir espetá-la no chão e ainda ter 30 cm acima do solo para medir.
A vareta deve ficar exatamente perpendicular ao chão, por isso um esquadro deve ajudar. Por falta de algo melhor qualquer coisa perpendicular serve, como essa caixa de madeira.
Na hora marcada tenha à mão uma régua e bússola. Assim você poderá medir a sombra e ver em que direção elas se inclina. É que devido à traslação a Terra muda ligeiramente de inclinação ao longo do ano. Na verdade só seria de se esperar que a sombra medisse exatamente zero ao meio dia do dia de solstício de verão ou inverno, respectivamente 21 de dezembro e de junho.
Como a translação é um movimento bem mais lento que a rotação, pelo menos aqui no nosso planeta, não faz mal se vocês fizerem o experimento em um dia diferente do meu por uma ou duas semanas, desde que seja na hora certa do dia. Não se esqueçam de me mandar o resultado pelo e-mail prof.bessa@yahoo.com.br . O meu deu 25 cm com inclinação quase a noroeste às 15h do dia 11 de janeiro. Tinha proposto fazer às 11 h, mas o céu nublado me impediu de cumprir o horário, portanto o novo horário é 15 h em Cuiabá, 16 h em Brasília e 14 h no Acre, por exemplo. Seria bem divertido ter resultados vindos de Protugal ou da África.