Culpa
Desde o ciclo do ouro não se via festa igual na Igreja de São Francisco de Assis. Do alto do pórtico desciam fios ornados com bandeirolas coloridas agitadas pelo vento alegre. Todo o clero, reunido no alto da escadaria nas mais festivas vestes, margeava à esquerda e à direita o Cardeal Dom Antônio Pacheco Filho. Ao fundo, o coral de coroinhas bochechudos como anjos barrocos tornava a atmosfera ainda mais celestial. Havia sido agendada naquela manhã de festa a devolução da cruz empunhada por São Luís Rei de França, roubada 60 anos antes por um ladrão arrependido. Em uma carta entregue algumas semanas antes pelo carteiro o ladrão narrava a subtração que nem havia sido percebida pela diocese, marcando data e hora da devolução: aquela manhã.
A excitação da antecipação contagiara a paróquia. Noviças românticas idealizavam um senhor pio e arrependido de suas aventuras de rapazola ou já livre dos anos de necessidade que o levaram ao crime. Madres e Bispos, taciturnos e tão céticos quanto cabe a um religioso, apostavam num velho decrépito que, à beira da morte e temendo a pena que lhe caberia pela vilania, decidiu redimir-se esperando o perdão celestial. As beatas temiam pelo pior, uma manhã desperdiçada à espera de um falso arrependido que jamais viria. Oculto de longe se riria dos presentes.
À hora marcada ouviram-se os passos lentos do cavalo contornando a Sé. Saltou do alto do Alazão oum senho, sim, mas ágil e forte como ninguém previra. Subiu aos saltitos a longa escadaria com a pesada cruz envolta em veludo carmim nos braços e entregou ao cardeal.
-Aqui está, lamento o inconveniente.
-Não há o que lamentar, irmão. O importante é que você ouviu a voz de Deus nosso Senhor. Foi iluminado e desfez, ainda que tardiamente, seu erro. Sua fé e arrependimento o levarão ao reino dos céus. Graças a Deus.
-Amém! – Entoou a multidão.
O ex-criminoso se virou para descer as escadas, mas foi interrompido pelo clérigo.
-Não quer entrar, se confessar e comungar? Livrar-se completamente do peso desse pecado do passado? Vamos, eu providencio tudo.
-Muito obrigado, mas não. Sou ateu. – Respondeu já de partida o herói.
Essa crônica foi fruto da oficina de Produção Textual dos Professores Roney Barreto da Silva e à Priscila Quintino da Silva no III CILE, a quem eu agradeço a inspiração e os ensinamentos.
Pensamento de Segunda
“Na medida em que uma afirmação científica trata da realidade ela deve ser falsificável.”
Karl Popper
Pensamento de Segunda
“O homem é uma corda estendida entre o animal e o super-homem: uma corda sobre um abismo.”
Friedrich Nietzsche
Técnica de pesquisa – Profissão Biólogo
Arodí Prado Favaris
Sou técnica de pesquisa do laboratório de Entomologia, onde trabalho em especial com comportamento animal e ecologia química na ESALQ/USP. O mercado dos técnicos tem bastante espaço para biólogos. Na área em que atuo, o objetivo principal é ter uma aplicação na Agricultura, uma solução mais sustentável para o manejo de pragas agrícolas. O biólogo é importante não apenas por se interessar em uma aplicabilidade de sua pesquisa, mas também pelos estudos mais básicos, não menos importantes.
Conhecimentos básicos de química, cromatografia, capacidade de observação detalhada do comportamento animal foram algumas das habilidades que precisei desenvolver para exercer minha função. Estou envolvida no desenvolvimento de projetos de pesquisa, treinamento de pessoal (estágio, pós-graduação), suporte técnico de aulas práticas e administração de verbas por 40 horas semanais, 8h/dia. O Ambiente é tranquilo para se trabalhar, porém movimentado de alunos, principalmente os de pós-graduação.
Embora não tenha pós, precisei me especializar. Não tive preparo na área de cromatografia na faculdade. Precisei fazer cursos para aprender seu uso e aplicação. Sempre me interessei pelas disciplinas que envolviam química, tanto que meu desejo era trabalhar com plantas medicinais. Gostava também das aulas de fisiologia animal, botânica e comportamento animal. No trabalho hoje uso, sem dúvida, Química Analítica, Inorgânica e Química Orgânica.
Não tive oportunidades para trabalhar em empresas privadas, nem mesmo como trainee, pois a preferência delas é para os engenheiros. Então, decidi estudar para concursos voltados para a área que estudei. No primeiro deles que fui chamada foi para ser professora do Ensino Fundamental. Dei aulas durante seis meses, mas não me identifiquei com essa profissão. Logo em seguida, surgiu um concurso na ESALQ, para técnico de nível médio, no qual fui aprovada para trabalhar na área de criação de insetos visando ao controle biológico. Então surgiu outro concurso, no mesmo departamento, para técnico de nível superior na área de ecologia química e comportamento de insetos. Também fui aprovada e pretendo ficar no cargo em que me encontro hoje, aprimorando cada vez mais na área.
O que me motiva a exercer minha profissão é o fato dela valorizar a minha formação enquanto bióloga. Desenvolver atividades para as quais não tive preparo na faculdade, como, por exemplo, a cromatografia que já comentei são, por outro lado, meus desafios cotidianos.
Penso que é preciso ter foco. Depois que me formei, não encontrei uma razão firme de que deveria continuar estudando. Além disso, eu nunca tive o desejo de trabalhar com insetos. O meu objetivo foi de prestar concursos na área da biologia e, para isso, me dediquei estudando muito. Muitas pessoas fazem pós-graduação por falta de opção, infelizmente. Viver de bolsa de estudos é passageiro, mas se aqueles que continuam estudando têm um objetivo firme de seguir carreira como mestre ou doutor, então, não há dúvidas de que será bem sucedido.
Pensamento de Segunda
“A abolição da religião como felicidade ilusória do povo é necessária para a felicidade real.”
Karl Marx