Etologia de Alcova – Idolatria à castidade
Engana-se quem pensa que a idolatria à castidade feminina é uma construção cultural humana, ou pelo menos apenas uma construção cultural nossa. Existem sim algumas influências biológicas nisso. Uma forma do macho de qualquer espécie garantir seu sucesso evolutivo é convencer uma fêmea a dar a ele alguns preciosos óvulos, já discutimos isso ao longo dessa série. Se, no entanto, aquele macho não tiver certeza se serão os seus espermatozoides a fecundarem os óvulos da fêmea, se eles competirem com o esperma de outros machos, então isso diminuirá o sucesso adaptativo daquele macho. Por isso, machos que consigam garantir a castidade de suas fêmeas tendem a deixar mais descendentes, uma medida de sucesso evolutivo.
Um exemplo de comportamento que ajuda a garantir a castidade da fêmea é a sua guarda. Machos de animais como a aranha papa-mosca ou o siri azul buscam fêmeas antes delas chegarem à idade adulta e ficam na cola delas até elas começarem a produzir óvulos. Assim que elas se tornam sexualmente maduras os machos copulam com essas fêmeas virgens. Ao serem os primeiros a copular, esses machos encherão a espermateca das fêmeas, uma espécie de reservatório de sêmen, e seus gametas poderão ser usados por muito tempo para fecundar os óvulos daquela parceira.
Em outras espécies, é mais importante para o macho evitar que sua parceira volte a acasalar. Nesses casos o tipo de guarda mais comum é a pós-cópula. Animais que vão de grilos a cervos não saem de perto de suas parceiras depois da cópula. Permanecem ali por um tempo equivalente àquele necessário para seu esperma fecundar os óvulos, evitando que qualquer concorrente se aproxime e reduza suas chances de ser pai. O problema dessa técnica é que ela toma tempo do macho, um tempo que poderia ser investido em localizar, cortejar e copular com outra parceira (em espécies nas quais o macho irá colaborar muito pouco no cuidado aos filhotes as fêmeas tendem a cobrar menos a fidelidade de seus parceiros).
Foi para evitar essa perda de tempo e de novas oportunidades reprodutivas que muitas espécies inventaram o cinto de castidade. É isso mesmo, a evolução favoreceu bizarrices que conhecemos como plugues sexuais. Parte do sêmen do macho se solidifica e obstrui a abertura genital da fêmea, impedindo-a de acasalar com outro macho. A tática é amplamente explorada, ocorrendo em moscas da fruta, primatas, borboletas, serpentes e aranhas, entre muitos outros. Um resultado interessante dessa guarda indireta de parceiras é que o macho não precisa ser grande e forte para defender a parceira se usar um plugue, então espécies que usam plugues não apresentam tanta diferença de tamanho entre machos e fêmeas.
A castidade feminina permeia nossa cultura fortemente, mas não são só os machos humanos que se preocupam com a castidade de suas parceiras.
Etologia de Alcova – Bate que eu gosto
Mês passado falei da violência como parte do conflito sexual no comportamento reprodutivo. Esse mês quero continuar no tema, mas falando da violência na seleção sexual. De fato, nem sempre comportamentos aparentemente agressivos para um observador humano são de fato indesejáveis para o parceiro que está experimentando, a violência pode ser inclusive o que um parceiro procura no outro.
Frequentemente a corte serve como uma amostra do que um macho é capaz. Ele exibe seus dotes à fêmea. Entre espéceis territoriais, portanto, é muito comum que o macho mostre como ele é agressivo durante a corte. É isso que observamos no pássaro caramanchão australiano. O macho encurrala a parceira dentro de um corredor de palha que ele constroi e lhe dá umas porradinhas de leve. Tudo parece muito violento, mas quando pesquisadores construíram robôs de fêmeas que não reagiam às investidas violentas dos machos (A que ponto chega a pesquisa em comportamento animal!?!), descobriram que havia todo um código entre os parceiros sobre quão mais forte o macho poderia bater.
No peixe beta, machos lutam para ter acesso às fêmeas. Isso já foi descrito por Darwin em seu livro sobre seleção sexual como seleção intrassexual, então nada de novo. O surpreendente é que quando fêmeas assitiam a lutas elas escolhiam acasalar com o ganhador, mesmo que esse ganhador não pudesse mais evitar que ela ficasse com o perdedor. Aparentemente também não é que a fêmea estava escolhendo uma característica do macho que o fazia ganhar, em lutas manipuladas ela continuava preferindo o vencedor, mesmo que ele fosse maior e mais forte. Isso faz estremecer a fronteira entre seleção intra e interssexual proposta pelo Darwin de forma categórica. Pelo jeito, alguns machos exibem caudas coloridas, outros exibem adversários de olhos roxos.
Nos humanos mesmo a seleção sexual está frequentemente relacionada com indicadores de força física e até de agressividade. Um peitoral desenvolvido e um braço forte são valorizados pela mulherada. Mais do que isso, um estudo clássico publicado na Science propôs que mulheres no auge da fecundidade preferem homens com indicadores faciais (barba, forma do queixo, tamanho do nariz e densidade da sobrancelha) que remetem à testosterona, um hormônio fortemente relacionado à agressividade.
Portanto, a máxima “em briga de marido e mulher não se mete colher” se estende também ao reino animal. Nunca se sabe o quanto aquela aparente violência não está agradando.
Etologia de alcova – Sexo violento
O sexo pode parecer um momento de conjunção, de partilha de objetivos, mas nós etólogos sabemos o quanto o comportamento sexual é conflituoso. O conflito sexual é a manifestação das diferenças de interesses entre machos e fêmeas na hora do sexo. Esse conflito pode tomar as mais diversas formas, mas hoje vamos falar sobre como a violência pode estar envolvida no conflito sexual.
Uma forma do conflito sexual agir sobre o comportamento reprodutivo é através da força física. Nesse caso, um dos sexos usará de força para conseguir o que deseja no relacionamento. A situação que imediatamente vem à mente é o estupro, ou sexo coercivo, do qual já tratei num outro momento. No entanto, existem outros casos em que a força pode ser usada para conseguir o que se quer. Começarei com o caso de uma fêmea que usa a força contra o macho. Fêmeas, como já falamos, se beneficiam de machos que dão atenção total aos seus filhotes, enquanto machos se beneficiam de acasalar com mais fêmeas. No besouro coveiro, a fêmea coage seu parceiro a não sair por aí galinhando e deixar toda a carniça que ele conseguiu como alimento apenas para os filhotes dela. Cada vez que o macho sobe num poleiro para liberar feromônio de atração de parceira a fêmea agarra a base do poleiro (em geral uma folha de capim) e sacode até derrubar lá do alto o besouro galanteador.
Mas a violência vai muito além. Quem nunca viu os simpáticos corações formados por libélulas durante a cópula? Por mais romântico que pareça, o que está acontecendo ali está mais para sexo selvagem. Quando um macho encontra uma fêmea, ele voa por trás dela e a agarra pelo tórax com as pernas. Nesse momento ele pode mordê-la também. A libélula macho tem um apêndice em forma de alicate na ponta do abdômen que ele usa para agarrar a fêmea. Assim, o macho pode passar algum tempo voando à frente com a fêmea presa pela cabeça à ponta do seu abdômen. É uma boa forma de cansá-la para resistir menos à cópula. Em seguida o macho pousará e agarrará a ponta do abdômen da fêmea, onde está a abertura genital dela, e a torcerá até o começo do seu abdômen, onde está o pênis. É aí que se forma o romântico coraçãozinho. Vários outros machos têm pedaços do corpo especializados em segurar a fêmea de jeito, como as antenas dos percevejos conhecidos bizarramente no Brasil como aranhas d’água.
Outro percevejo bem kinky passa a vida na cama (nas nossas camas, quero dizer), é o campeão do título “penetração mais violenta”. Esses bichos têm um pênis em forma de espada que o macho finca no abdômen da fêmea em qualquer lugar, não precisa de uma abertura genital. Ali ele jorra seu esperma que, com sorte, encontrará um óvulo entre os órgãos internos da parceira. Obviamente, a punhalada peniana tem alto custo para a saúde da fêmea que, apesar de tudo, em geral sobrevive.
Falamos acima de como agarrar sua parceira. Este é um problema ainda maior em animais sem braços ou pernas e com fecundação interna, como as serpentes. Os hemipênis das serpentes são cobertos de espinhos córneos afiados que literalmente ancoram o macho dentro da fêmea, mas é provável que essas ornamentações no pênis dos machos tenham outra função além de prender a fêmea. Em insetos como os gorgulhos, esses besourinhos que dão em potes de grãos armazenados, o trato genital da fêmea termina uma cópula todo ferido por dentro devido às pontas que o macho tem no pênis. Machucada, a fêmea dificilmente conseguirá acasalar de novo tão cedo, garantindo a paternidade do macho que a feriu.
Agora que esse texto já está longo o suficiente, me ocorreu que falei de casos em que a violência não é muito bem-vinda. O sexo violento traz prejuízos para um parceiro, mas beneficia o outro: definindo o conflito sexual. No entanto, existem casos em que a violência é parte do que um parceiro busca no outro. Falaremos disso na alcova mês que vem.
Etologia de Alcova – Monogamia
Recém passamos o dia dos namorados e me ocorreu discutir aqui uma das mais bizarras perversões que os animais podem praticar, a monogamia. Muitos chauvinistas por aí sugerem que a monogamia é uma aberração que interessa apenas à mulher e que contraria completamente a natureza masculina, logo veremos que não é bem assim. Mas também veremos que existem motivos para a monogamia evoluir.
Um mito relacionado à monogamia é a quem ela interessa. A natureza biológica de ser macho (um ser que produz muitos gametas pequenos e energeticamente baratos) faz com que seu sucesso reprodutivo aumente à medida que ele consegue mais parceiras. Por outro lado, fêmeas (seres que produzem poucos gametas grandes e energeticamente caros) aumentam seu sucesso reprodutivo à medida que conseguem parceiros melhores. À primeira vista isso corrobora a opinião machista de que é da natureza masculina trair, mas pense que não existem tantos bons maridos por aí. Então, se ele não vai ajudar em nada com os filhos, o melhor para as fêmeas seria acasalarem-se todas com os poucos bons parceiros que existem, deixando dezenas de machos a ver navios. A monogamia só interessa aos machos feios, isso porque ter uma parceira é infinitamente mais do que ter zero, enquanto ter duas parceiras é só duas vezes mais do que ter uma. Garantindo fêmeas monogâmicas os maus parceiros pelo menos terão alguma chance de reproduzir.
Existem diversas espécies realmente monogâmicas entre os animais. Qual seria a razão evolutiva para isso? Existem algumas. Primeiro, se o cuidado aos filhotes for muito trabalhoso a ponto de só um dos pais não dar conta, largar a mãe sozinha para cuidar significa que você jamais deixará descendentes. É essa a explicação para alguns roedores monogâmicos. Outra opção é quando a dificuldade de encontrar outra parceira é menor do que a chance de acasalar de novo com a mesma, o que explica a monogamia num cavalo-marinho. Uma terceira possibilidade é que o casal dependa de um recurso para reproduzir que só os dois parceiros juntos conseguem proteger. alguns peixes limpadores em recifes de coral fazem isso. Também pode ser que uma fêmea que se desloca muito e cuja entrada no cio não possa ser prevista force um macho a estar sempre perto dela e defendê-la de outros pretendentes, como observamos em aves migratórias. Em algumas espécies, como os besouros coveiros, o zelo da fêmea em impedir o macho de arrumar outra á tão grande que o custo de trair é mais alto do que o benefício obtido, inibindo o comportamento. Por fim, é possível que, se você desertar sua parceira, seus filhotes sejam mortos por um macho rival que chegue depois da sua partida. Esse é o caso de vários mamíferos monogâmicos.
Portanto, a monogamia não é um comportamento comum, mas também não é impossível. Diversas histórias de vida favorecem a ligação de longo prazo entre machos e fêmeas, como vimos acima. Também fica claro que, para a fêmea, a monogamia pode ser menos interessante do que imaginávamos, desde que ela não precise dos possíveis cuidados que o macho daria aos filhotes. Quanto aos humanos, temos culturas monogâmicas, pelo menos socialmente, promíscuas, poligínicas (um homem com muitas esposas), e até poliândricas (uma esposa com muitos maridos). Qual das explicações acima você acha que mais se enquadra para explicar a prevalência da monogamia na nossa sociedade?
Etologia de Alcova – brinquedos sexuais
Quem olha o catálogo de um sex-shop pode ficar surpreso com a diversidade de brinquedinhos para adultos disponíveis, mas saiba que o uso de ferramentas para obter prazer não é exclusividade nossa. Já há algumas décadas que descobrimos que outros primatas são eficientes produtores de ferramentas, mas seu uso para o sexo é mais raramente documentado, mas vamos a alguns exemplos.
Orangotangos selvagens ganharam de um pesquisador um pedaço de pau e logo começaram a usá-lo para friccionar seus genitais. Um orangotango passou a ferramenta para outro pedindo ajuda para usá-la. Até o pesquisador recebeu o bastão de um dos primatas que lhe mostrava onde deveria colocá-lo.
Bonobos eram tidos como péssimos fazedores de ferramentas, mas trabalhos mais recentes com animais de cativeiro mostraram que as ferramentas são mais comumente usadas pelas fêmeas e frequentemente servem a funções sexuais. Um grupo de pesquisadores descreveu a maneira criativa como vagens foram usadas pelos animais para se aliviar. Outros casos incluem chimpanzés machos adolescentes fazendo sexo com uma goiaba bem madura.
https://www.youtube.com/watch?v=w2LtErnNvK0
Mas não são apenas os primatas. Um vídeo no youtube tornou-se viral ao mostrar um boto num aquário público penetrando um peixe decaptado. O peixe, que estava ali como alimento, ganhou funções muito mais interessantes. Queria ver como os pais presentes no momento explicaram a cena aos seus filhos.
É difícil julgar, mas o fato é que o uso de ferramentas é bem mais comum do que se pensava, incluindo o uso de ferramentas sexuais.
Etologia de alcova – Sexo em troca de favores
Será que animais se prostituem? Uma das primeiras coisas que aprendemos quando vamos trabalhar com comportamento animal é a nunca antropomorfizar os comportamentos, nunca interpretar sua intenção de um ponto de vista humano. É provavelmente a parte mais impossível difícil da etologia, mas a gente tenta. Nesse ponto o Ciência à Bessa é uma boa válvula de escape. Aqui posso ser um pouco mais flexível com meu antropomorfismo e até colocar animais no divã de uma psicanalista, por exemplo. Esse mês vou falar sobre mais um comportamento sexual que muitos juram ser exclusividade humana, a troca de sexo por favores. Poderia denominar isso prostituição, mas seria cometer mais antropomorfismos do que estou disposto. Nesse caso, irei relatar o que acontece e deixarei o leitor definir como achar melhor.
Fêmeas de diversas espécies de animais frequentemente fazem sexo em troca de favores dos machos. Estes machos usam seu status e poder para obter recursos que ele doará à fêmea se ela estiver disposta a doar-lhe alguns de seus óvulos em retribuição. Grilos da espécie XXX produzem uma substância gelatinosa junto com o espermatóforo que as fêmeas irão ingerir. Aranhas macho da família Pholcidae desenvolvem uma protuberância em partes de seu corpo que será comida pela fêmea durante a cópula.
Outras espécies oferecem presentes que, diferente das protuberâncias ou secreções mencionadas acima, não são produzidos por elas mesmas. É o caso das aranhas Trechaleidae, que capturam presas em suas teias, embrulham em teia, e entregam às fêmeas em troca de sexo. Quanto maior e mais nutritivo o presente, tanto maior serão as chances do macho obter sucesso. Algo parecido ocorre com o ciclídeo africano Lamprologus callipterus, cujos machos defendem conchas onde as fêmeas desovam. Se uma fêmea quiser desovar numa dada concha, terá que aceitar que o pai de seus filhos será o macho que a defende. Um último exemplo, nas moscas da família Empididae, machos caçam presas e procuram enxames de fêmeas para trocar sua presa por sexo. Se a presa é grande e nutritiva, as fêmeas disputam ferozmente entre si pelo macho.
Nos mecópteros, insetos voadores às vezes chamados erroneamente de mosca-escorpião numa tradução literal do nome em inglês mas que nada têm a ver com as moscas verdadeiras (dípteros), machos grandes guardam grandes quantidades de alimento que oferecem às fêmeas, isso se elas aceitarem fazer sexo com eles. Machos um pouco menores não conseguem proteger esses alimentos, então influenciam a fêmea oferecendo-lhes uma deliciosa guloseima feita com sua própria saliva. Guardar alimento como os mecópteros grandes é a forma mais certeira de conseguir sexo, os presentes de saliva garantem aos machos menores algumas cópulas, mas certamente a tática menos eficiente é não oferecer nada em troca às fêmeas, o que ocorre com machos pequenos. Nesse caso eles só conseguirá sexo se forçarem suas pretendentes.
Até construções naturais magníficas, mas que não servem para mais nada na biologia desses animais, podem ser consideradas um escambo por sexo. Na Austrália pássaros caramanchão constroem cabanas ornadas com itens metálicos, azuis e amarelos para atrair fêmeas, mas na hora da desova a fêmea usa outro local como ninho. A cabana é só uma homenagem que a fêmea exige do macho para dar-lhe o que ele quer. O mesmo vale para os assombrosos morrotes de mais de um metro construídos no Lago Malawi por pequenos ciclídeos. A fêmea usa esses morrotes para escolher o parceiro, mas não usa o morrote para depositar seus ovos.
Talvez você tenha reparado que em todos esses casos é a fêmea que cede o sexo em troca do favor. Não existem casos do contrário na natureza? Não consigo me lembrar de nenhum agora, mas mesmo que exista, ele será uma exceção. Isso porque a diferença biológica básica entre machos e fêmeas é que os óvulos das fêmeas são muito mais valiosos que os espermatozoides dos machos. É por isso que as fêmeas em geral tendem a ser mais exigentes, inclusive exigindo favores dos machos em troca de sexo.