2) E o que cabe ao orientando?
Ser orientado é um processo muito mais ativo do que passivo. Você precisa ler. Você precisa escrever o projeto. Você precisa entender a metodologia. Você precisa se engajar no laboratório. Você precisa realizar seus experimentos. Você precisa ler mais e discutir seus dados. Você é o único responsável pela conclusão do trabalho. Orientadores são co-responsáveis pelo seu sucesso ou fracasso, mas não dá para obrigar ninguém a nada!
Sobre a relação orientador-orientando
Aos meus apóstolos nas santas ceias de almoço
de quarta-feira por tudo o que têm me ensinado
Ter meus próprios orientandos é uma experiência muito legal. Durante a pós eu carregava sempre um caderninho no qual anotava ideias interessantes de experimentos para um dia poder realizar. Só que as ideias no caderninho cresciam em progressão geométrica, enquanto que a lista de idéias realizadas crescia em progressão aritmética, por isso em alguns semestres descobri que algumas daquelas páginas cobertas de pensamentos estavam fadadas ao ostracismo. Foi aí que descobri para que servem os estagiários, voltei a minhas notas e dali nasceram diversos projetos. Ainda há muitos por parir, mas hoje fico mais aliviado de não ter torrado fosfato à toa.
No entanto, a relação que emerge entre o orientador e o aluno é única. Pautada por regras silenciosas e uma etiqueta bastante rígida. Não sou nenhum orientador sênior, estou ainda engatinhando neste quesito, também não acho que eu seja parâmetro para a maioria dos orientadores ou alguém exemplar. Mas percebi que numa busca por como proceder nesta relação não havia nenhum material a contento, então resolvi escrever esta semana uma série de seis posts sobre isto.
1) Para que serve um orientador? O orientador é a figura que vai orientar (Cara, como é que eu ainda não ganhei o Nobel?) seu trabalho. Está na alçada dele direcionar a escolha de um tema, recomendar leituras, métodos e análises. Ele deverá te ajudar na escrita do texto final (seja uma tese, um artigo etc) e te ajudar a corrigir problemas ou antever críticas. Não se esqueça: ninguém te deve nada! Não dá para exigir do orientador atenção ou exclusividade além dos limites. Orientadores em geral também são professores, gestores universitários, pesquisadores, “extensores” e seres humanos comuns, então ele não irá viver em sua função. Alunos de graduação exigem mais atenção do que mestrandos, mestrandos mais do que doutorandos e estes mais do que pós-docs. Optar por um orientador com muitos orientandos passa por saber-se preterido em alguns momentos.
Pensamento de segunda
“Experimentos fisiológicos com animais se justificam pela investigação verdadeira, mas não por mera e detestável curiosidade.” (Charles Darwin)
Manchetes comentadas 16 – Encontrado (outro) elo perdido
Hoje pela manhã fui dar a última aula de Zoologia de Vertebrados deste semestre, pelo menos a última aula teórica. O tema dela é a evolução humana. Antes de começar já veio uma aluna me perguntar se eu tinha visto a novíssima descoberta do nosso elo perdido no jornal da noite anterior. Não tinha. Coincidência! Aproveitei que durante esta aula projeto para a meninada um documentário da BBC chamado “Walking with the cave men” e dei uma escapulida para me interar e comentar a novidade.
A descoberta em questão causou frenesi na mídia pelo mundo todo a ponto de tornar-se banner do dia no Google. Tai, antes achava que reconhecimento seria quando tivesse uma entrevista com o Jô Soares falando mais do que me ouvindo. Mudei meus parâmetros. Agora chique mesmo é ser banner do Google!
O fóssil do tamanho de um gato parece ter sido coletado há mais de vinte anos em um sítio arqueológico na Alemanha, mas ficou desconhecido até recentemente, quando Jorn Hurum, pesquisador da Universidade de Oslo, estudou-o em segredo por dois anos. O resultado destes estudos foi divulgado hoje. O fóssil de 47 milhões de anos pertence a uma espécie de primata ancestral dos macacos e humanos modernos. Ele se assemelha a um lêmure (eu me remexo muito…), mas apresenta um polegar opositor e unhas planas no lugar de garras.
O grupo de cientistas que realizou o estudo referiu-se a seus achados com termos como “cálice sagrado da paleontologia”, “oitava maravilha” ou “arca perdida”. A equipe sugeriu que “este fóssil será figura obrigatória em todos os livros de biologia dos próximos cem anos”, que “é a evidência final da veracidade da teoria evolutiva” e que “este é o primeiro elo de nós humanos e o mais perto que chegaremos de um ancestral direto”. O boom midiático é parte de uma estratégia de marketing científico pioneiro e já estão programados um documentário no History Channel semana que vem e um livro logo a seguir.
Ok, a descoberta foi muito legal, mas os pesquisadores e a imprensa estão exagerando um pouco. O fóssil é tão extraordinário quanto vários outros. Quando voltei à sala de aula o filme que eu passava mostrava um extra com o Prof. Walter Neves, meu ex-professor de evolução humana. Fiquei imaginando o que não estaria ele achando da tempestade em copo d’água. Por outro lado, fico tentado a deixar os cientistas-astros curtirem seus 15 minutos de fama. Nossa profissão já é tão desvalorizada e carece de auto-estima. Qual o problema em deixar uma novidade científica ter a visibilidade que esta vem demonstrando, mesmo que meio indevidamente? Se isso favorecer o interesse pela ciência e repercutir na valorização de todos os cientistas acho perdoável.
Mas temos que dar algum crédito aos caras. O fóssil tem uma posição na história evolutiva dos primatas realmente interessante, a mudança de prossímios para macacos é uma das mais mal documentadas da paleontologia. Soma-se a isto o caráter extremamente bem preservado do fóssil, 95% intacto, que permite análises muito detalhadas do animal. Por fim, a descoberta coloca a Europa como outro palco importante para a evolução dos primatas, antes centrada na África. Isto é tudo! Qualquer alegação maior é um desserviço de jornalistas mal informados ou de pesquisadores com egos inflados ou querendo supervalorizar sua pesquisa. Eu também acho a ecologia comportamental da reprodução em peixes o assunto mais importante do mundo.
Eu na televisão!
Hehe, andei escrevendo sobre a emigração dos grandes centros urbanos e sobre a importância da relação entre o pesquisador e a mídia, isso tudo foi decorrência de uma matéria que gravei com a Globo semana passada falando sobre pessoas que deixam os grandes centros urbanos para ir morar no interior. A matéria saiu esta tarde no Jornal Hoje no quadro Mercado de Trabalho sob o elogioso título de “Interior atrai profissionais qualificados”. Valeu pelo “profissional qualificado”. Abaixo segue a matéria.
Lá aonde a luz não chega
Não sei se é muita calhordice, mas assim que vi o tema da blogagem coletiva decidi escrever sobre a vida onde não há luz. Nos idos do Lablogatórios postei um texto sobre peixes abissais e suas esquisitices, portanto vou mudar o enfoque aqui. Neste carnaval científico retornarei aos primórdios de minha vida acadêmica e lhes contarei um pouco sobre organismos cavernícolas.
A fauna cavernícola inclui três categorias de organismos: troglófilos, trogloxenos e troglóbios. Troglóxenos são animais que usam a caverna como abrigo, mas precisam sair para realizar suas atividades diárias. Morcegos são um bom exemplo, passam o dia pendurados de ponta-cabeça no teto da caverna e de noite saem para se alimentar, ursos são troglófilos durante o inverno no hemisfério norte, andorinhões, roedores, jaratatacas, traíras e sapos também ocupam esta categoria.
Os troglófilos já estão mais adaptados à vida na caverna, podendo inclusive completar todo seu ciclo vital ali, mas não são habitantes obrigatórios destes habitats. Vivem igualmente bem dentro de cupinzeiros, sob a casca de árvores ou no meio do folhiço das florestas. Bons exemplos de troglófilos são aranhas e centopéias comuns em cavernas.
Por fim, os troglóbios são minha categoria favorita. Estes animais podem ter se originado de troglófilos ou trogloxenos aprisionados no ambiente cavernícola por algum motivo durante a história geológica daquele lugar. Daí só sobreviveram aqueles organismos mais hábeis em viver na zona afótica das cavernas, onde “é preciso tocar seus olhos para ter certeza de que estão abertos”, como disse Bilbo Bolseiro sobre a caverna do Gollum. A fauna de animais troglóbios é grande, mas vou me obrigar a listar alguns para conhecimento de vocês. Há espécies conhecidas de grilos e mosquitos, peixes, principalmente bagres e cascudos, e salamandras, que são ícones cavernícolas nos países do hemisfério norte.
A parte mais profunda do ambiente cavernícola é principalmente caracterizada pela total ausência de luz. Além disto é comum a umidade constantemente próxima ao ponto de saturação, a pequena variação da temperatura e a ocorrência de rios subterrâneos. De fato, a maioria das cavernas foi escavada pela passagem da água entre as rochas alcalinas de terrenos calcários. Devido à total ausência de luz não há organismos fotossintetizantes nas cavernas, por isso o aporte de energia neste ecossistema é extremamente dependente da entrada de matéria orgânica epígea (do lado de cima da terra). Este aporte pode ocorrer através de um rio, caindo de fora da caverna (como em um pit-fall) ou trazido pelos troglófilos. Daí a grande explosão de vida encontrada nas poças de guano (cocô de morcego) nas cavernas.
Sem produtores, dependendo de uma quantidade restrita de alimento trazida de fora e num ambiente com fortes restrições seletivas, é de se esperar que as populações de organismos troglóbios sejam extremamente baixas. O que de fato tem sido visto na maioria das vezes, exceções feitas a cavernas com a presença de quimiossintetizantes.
Outras duas adaptações gritantes à ausência de luz são os órgãos sensoriais e a cor do corpo. Já que a visão perdeu seu papel em animais troglóbios, os olhos tendem à extrema redução, até ao desaparecimento. Por outro lado, o tato e a olfação se desenvolvem a níveis quase inimagináveis, bagres cavernícolas possuem barbilhões enormes, opiliões e amblipígios têm o 2º par de pernas alongados. Pensando que na maioria das cavernas não há nem sinal de uma brisa, o tato pode servir para perceber até o deslocamento de ar causado pela movimentação de um predador nas redondezas. O olfato também se desenvolve e passa a ser a principal forma de comunicação entre organismos da mesma espécie através dos feromônios. Ele também é fundamental para os troglóbios encontrarem o escasso alimento de que dependem. Já com relação à cor do corpo tanto a necessidade de se camuflar quanto de proteger-se da insolação desapareceram, por isso os troglóbios tendem a ser albinos. Antes que algum lamarckista comece a ficar animadinho, tanto a pigmentação da pele quanto um órgão complexo como o olho são altamente custosos em termos energéticos, daí que é vantajoso deixar de gastar energia com estas coisas inúteis e investir em reproduzir-se, por isso os organismos que o fazem propagam-se na população, não por uso e desuso, mas por pura seleção natural.
Quando eu era apenas um neófito tornei-me estagiário da Prof. Eleonora Trajano em seu laboratório de peixes de caverna. Uma fera em bioespeleologia (a ciência que estuda a vida nas cavernas), aprendi muito por lá e dei minha contribuição comparando o comportamento de duas espécies de cascudos filogeneticamente aparentadas. Um dia ainda volto a brincar disso aqui nessas cavernas quase inexploradas do Mato Grosso.
[Correções apontadas pela Fabiane inseridas no texto]
Pensamento de segunda
À minha sogra, sem maldades
“Eu prefiro ser neto de um macaco a descender de um homem apavorado demais para aceitar a verdade.” (Thomas Huxley)
O pesquisador e a mídia
à Priscila, minha amiga e excelente companhia
Acho que todo pesquisador precisa reservar um tempo em seu cronograma para receber a mídia. Claro que sou um partidário da divulgação científica, se não este blog não existiria, mas advogo em favor do jornalismo científico no geral. Temos dois deveres em relação à divulgação científica: valorizar nosso trabalho e retornar algo para a sociedade.
O que separa um pesquisador de um jornalista
Obtido de http://w3.ufsm.br/reciam/
O público em geral não tem idéia do que um cientista faz. O estereótipo do cientista é um sujeito solitário, de roupa branca, meio desarrumado e enfiado em um laboratório. Nosso produto de trabalho não chega à compreensão de boa parte da população, daí para ela achar que nosso trabalho não é importante é um passo. As repercussões disso vão desde um artigo como aquele da Ruth Aquino, tão acaloradamente atacado e com razão, até as propostas de corte no orçamento das agências de fomento à ciência e tecnologia. Outro ponto interessante é correlacionar o número de ingressantes em carreiras científicas no vestibular com a presença de um dado assunto na mídia. Acompanhei enquanto estudante a chamada geração Dolly, toda uma massa de calouros ingressando na biologia em busca de clonar carneirinhos. Divulgar nosso trabalho garante que no futuro haja quem dê prosseguimento a ele.
Por outro lado, temos todos uma dívida com a sociedade. Em geral nós cientistas, pelo menos no Brasil, dependemos majoritariamente de dinheiro público. Impostos. O cidadão pelo país todo paga seus impostos e uma parcela deles vem parar na pesquisa, seja pagando o salário de um pesquisador na universidade pública ou instituto de pesquisa, seja financiando nossos projetos, seja formando cientistas no ensino superior gratúito. Divulgar nossas pesquisas nada mais é do que prestar contas aos seus provedores, algo do tipo mostrar o boletim aos pais no final do semestre.
Se você morre de vergonha de câmeras e microfones pode aproveitar-se de jornais e revistas. Se gosta de escrever e tem medo dos jornalistas distorcerem suas informações a internet oferece inúmeras formas de comunicar-se com o público. Escolas de ensino médio e fundamental são sempre carentes em atividades alternativas para seus alunos. O MCT realiza todos os anos em outubro a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia que visa justamente abrir o trabalho do pesquisador à sociedade, a deste ano ocorrerá de 19 a 25 de outubro e todo o mundo pode participar, basta entrar no site deles e se informar. Agora é só escolher o seu e boa sorte.
Fugere urben
Numa dessas conversas de botequim com o amigo Alexander Turra, hoje professor do IO USP, concluímos que tudo na vida é composto de três aspectos: vontade, oportunidade e disponibilidade. Aparece um amigo seu oferecendo uma ferrari novinha pela bagatela de 100 mil reais (oportunidade), você sempre quis uma ferrari, é fascinado pela máquina (vontade), mas vendendo tudo o que tem não consegue juntar mais do que 45 mil. Falta a disponibilidade. Outro casal de amigos ganhou um cruzeiro em um navio turístico com direito a acompanhantes e convidou você (oportunidade), você tem mesmo uns dias de férias para tirar do trabalho (disponibilidade), mas a simples menção de um navio já te deixa verde de enjoo e tostar no sol no meio de madames que mais parecem um show-room de plásticas não é exatamente sua definição de diversão. Falta a vontade. Nos dois casos a ação não se efetiva, as mudanças não ocorrem se não houver o tripé vontade-oportunidade-disponibilidade.
Nunca fui muito chegado em grandes cidades (vontade), quando me mudei para São Paulo para estudar valeu muito a pena por causa da instituição formidável que havia me acolhido. Assim que terminei o mestrado (disponibilidade) não via a hora de sair da megalópole, mas primeiro tive uma oportunidade de emprego lá. Como não surgiam convites de outros lugares fui ficando, aprendi muito na vivência de sala de aula, no contato com os alunos e na experiência de estar empregado. Um dia, dois anos depois, descobri um concurso no Jornal da Ciência da SBPC para a Universidade do Estado de Mato Grosso, não vacilei. Me inscrevi, estudei feito um condenado e preparei documentos e aulas para a avaliação didática à exaustão. Surgira a oportunidade que eu tanto esperava.
Aqui em Tangará da Serra a vida é bem mais pacata. Descobri isso no dia que comprei um sofá e foram entregar numa charrete puxada a burrinho! Com essa placidez toda de cidade do interior tenho mais tempo para cuidar de mim mesmo, mais tranquilidade (Outro dia deixei o carro aberto na frente de casa a noite inteira e na manhã seguinte ele estava lá do mesmo jeito, só meio úmido de orvalho.) e bem menos estresse. Claro que sinto falta de um monte de coisas da cidade grande. Adoro teatro, era habitué no Espaço Unibanco, adorava o agito dos barzinhos com música ao vivo e a excelente gastronomia e às vezes ia a grandes shows. Mas o custo do dia-a-dia de tensões não suplantava o benefício dos fins de semana culturais. Fora que nada que uma visita esporádica a Brasília, Rio e São Paulo não resolvam para imergir nos prazeres metropolitanos.
Lar, doce lar
Além disso, os grandes centros urbanos estão ficando saturados de cientistas. Basta ver quantos catedráticos de boas universidades se aposentam por ano e quantos recém-formados são despejados no mercado. É desproporcional, a saída é mesmo ir em busca de novos habitats, migrar. Ouvia muita gente dizer que aqui seria ruim porque não tem estrutura, que a universidade é muito nova. Não deixa de ser verdade, a UNEMAT ainda tem muito o que crescer em nome e estrutura, só não sei se isso é um defeito. Só de imaginar que eu sou o único etólogo da instituição já fico quase me sentindo um Cesar Ades, sou pioneiro da etologia na UNEMAT. As grandes universidades também tiveram seu começo, aposto que em algum recôndito da USP já houve uma bancada de laboratório feita com uma porta como aqui.
Realmente acredito que os aspirantes a acadêmicos que estão em processo de formação e visitam este blog (e a tirar pelos comentários são muitos) devem pensar nisso e preparar-se para descentralizar a ciência do país. Só haverá pesquisa de boa qualidade fora dos grandes centros à medida que bons cientistas venham e mantenham seu bom trabalho aqui no interior.
Para ficar sempre por dentro dos concursos públicos para professor universitário visite regularmente o site do Universia e assine o Jornal da Ciência. Outra dica que me ajudou foi cuidar sempre bem do meu currículo Lattes e manter numa pasta os documentos para comprovar tudo o que está lá, coisa que sempre é pedida nos concursos.