Pensamento de Segunda

“O experimentalista é como uma formiga, ele apenas coleta informações do ambiente e as usa; o elocubrador lebra a aranha, que tece redes de suas próprias entranhas. Mas a abelha pega o caminho do meio: ela coleta material da natureza dos jardins e campos, mas o transforma através de seus próprios poderes.”

Francis Bacon

Analista microbiológico – Profissão Biólogo

Profissão Biólogo

Pensamento de Segunda

“Há diversas razões para duvidar, mas apenas uma para crer.”

Carlos Drummond de Andrade

Pensamento de Segunda

“Trate bem a Terra. Ela não lhe foi dada por seus pais, mas emprestada por seus filhos.”

Provérbio africano

Fim do mundo em 2012- Como animais podem te ajudar a prever catástrofes?

Blogagem coletiva Fim do Mundo
É claro que o mundo vai mesmo acabar esse ano e que esse evento catastrófico global será tão arrasador que nos restará pouco a fazer. Que razões nós teríamos para duvidar que uma civilização tão desenvolvida quanto a maia, que desapareceu devido a uma seca que os pegou desprevinidos, tenha previsto catástrofes muito mais imprevisíveis para extinguir a nossa sociedade. Como eu não acredito em bruxas, pero que las hay, las hay e prudência e canja de galinha (sem gripe aviária) sempre fizeram bem, resolvi reunir aqui um rol de comportamentos animais que podem ajudar a perceber as catástrofes a tempo de se abrigar; não que isso vá adiantar alguma coisa. Não é magia nem nada sobrenatural, como os animais são dotados de diversos sensores que funcionam com acuidade algumas vezes maior do que a nossa, eles podem ser capazes de perceber essas catástrofes antes de nós. Então à lista:

O albatroz errante, bioindicador de que lá vem encrenca. Fonte: environment.gov.au

O albatroz errante, bioindicador de que lá vem encrenca. Fonte: environment.gov.au

Tempestades e furacões: Desde tempos remotos que os marinheiros consideram albatrozes aves agourentas. Isso porque sempre que as aves apareciam em seguida lá se ia a bonança e vinha a tempestade. O que os supersticiosos marujos não sabiam é que o albatroz não causa a tempestade, mas a tempestade causa o albatroz, causalidade reversa em jargão científico. Essas aves são mais eficientes no voo planado do que no batido, mas para evitar bater as asas precisam de um empurrãozinho dos ventos. Daí sua presença garantida na margem de qualquer tempestade. O mesmo vale para outras aves continentais migradoras durante vendavais ou furacões, o vento que antecede o olho do furacão empurra as aves para longe.

Terremotos, vulcanismo e Tsunamis: Há inúmeras narrativas de animais domésticos e silvestres dando pistas de que um terremoto viria. Poucas no entanto são concretamente confiáveis. Em todo caso, conseguir identificar esses comportamentos pode aumentar irrisoriamente sua chance de sobrevivência. As narrativas mais comuns relatam latidos, ganidos e agressividade em cães e diversos animais deixando suas tocas. Pesquisadores japoneses que defendem a capacidade dos animais preverem terremotos contam que serpentes se apoiam sobre seus ossículos auditivos, por isso percebem as ondas P (ondas sísmicas de compressão) que precedem as ondas S (ondas de oscilação vertical, tremor) que nós humanos percebemos e que são tão destrutivas. Por isso esses répteis abandonariam seus abrigos e fugiriam. O mesmo pode valer para erupções vulcânicas e tsunamis, que estão relacionados a atividades geológicas também.

Inundações: Essa não tem o menor fundamento científico além da minha própria observação de fundo de quintal e de uma imaginativa explicação para a observação. Minhocas. Aqui em Mato Grosso, assim como em boa parte do Brasil, as chuvas se concentram no verão e são tão volumosas que chegam perto de saturar o solo de água. Como aqui o relevo é plano não temos grandes problemas, mas em declividades é isso que leva aos deslizamentos. Minhocas vivem sob a terra alimentando-se de matéria orgânica e respirando através da pele, como a água comporta pouco oxigênio acho que as minhocas morreriam afogadas se ficassem imersas. Sempre que tem chovido demais e o solo está saturado no meu quintal encontro minhocas se arrastando fora da terra. Pode ser apenas que fora dela esteja úmido o suficiente para esse anelídeo sair para uma volta, mas pode ser um sinal de saturação do solo. Se houver algum leitor em áreas de deslizamento que possa conferir minhas observações, dá para achar um padrão.

Um holocausto de porquinhos acompanhou a gripe suína. Fonte: riderdownload.com

Um holocausto de porquinhos acompanhou a gripe suína. Fonte: riderdownload.com

Vírus mortal: alguns pesquisadores sustentam que não são nossos parentes mais próximos a fonte mais provável de um vírus letal que possa arrasar a humanidade. Isso porque, apesar da semelhança genética, macacos não existem em populações muito grandes nem estão em contato estreito com a maioria dos humanos. Esse não é o caso para dois outros grupos animais, os de criação ampla (como os porcos da gripe suína, assim como frangos, vacas etc) e os sinantrópicos (como os ratos da peste negra, mas também cães, gatos, pombos etc). Fique de olho, muitos animais desse tipo aparecendo mortos sem uma causa aparente podem significar um novo vírus que possivelmente se adapte a infectar humanos.

O que então define o comportamento animal?

Vimos nos dois últimos textos que a genética influencia o comportamento, mas nunca o determina. Da mesma forma o aprendizado ocorre, mas depende de bases genéticas para tanto. No início do século passado o comportamento animal vivia essa dualidade instinto versus aprendizado, cada qual com sua escola e seguidores aguerridos. No entanto, e parafraseando o aniversariante Nelson Rodrigues, todo maniqueísmo é burro, voltamos ao caminho do meio. Foi assim que em 1973 Konrad Lorenz, Niko Timbergen e Karl von Frisch foram laureados com o prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina pela conciliação entre esses dois paradigmas.

Todo comportamento animal é um misto de dois componentes: seu instinto geneticamente baseado e o aprendizado proporcionado pelo ambiente onde vive. Não faz sentido isolar os fatores ou dizer que um comportamento é mais instintivo ou mais aprendido. A genética pode até promover uma forte propensão a realizar um dado comportamento, mas ele só irá se manifestar se pressupostos à sua ocorrência forem cumpridos. Mesmo assim o comportamento mudará de acordo com experiências prévias e com as informações que o meio lhe oferecer para essa manifestação.

Instinto vs aprendizado? Instinto+aprendizado. O canto de um pássaro depende de seus genes, mas também do ambiente. Fonte: everystockphoto.com

Instinto vs aprendizado? Instinto+aprendizado. O canto de um pássaro depende de seus genes, mas também do ambiente. Fonte: everystockphoto.com

Por exemplo, vejamos o canto de uma ave. Existem bases genéticas para o canto, tanto que cada espécie tem cantos tão específicos que pesquisadores são capazes de identifica-las de ouvido. No entanto, é necessário cumprir alguns pressupostos. Filhotes não cantam (ao menos não como adultos), portanto é importante que o animal esteja no estágio ontogenético adequado. Não importa quantos genes uma ave tenha, se ela estiver extremamente desnutrida esse comportamento será reprimido, demonstrando assim a importância do fator fisiológico também.

Porém, mesmo que um comportamento ocorra, ele tende a ser afetado por fatores externos. Uma ave pode estar geneticamente apta a cantar, na fase de vida ideal para o canto e fisiologicamente propensa, mas esse canto será melhor ou pior executado dependendo do contato que a ave teve com bons cantores antes. Isso o sabe qualquer criador de canário, já que gravações dos campeões de gogó (no caso, siringe) circulam no comércio para inspirar os futuros concorrentes. Da mesma forma, foi surpreendente quando se descobriu que em ambientes ruidosos algumas aves canoras mudavam seu estilo de canto privilegiando amplitudes maiores (cantando mais alto), ou em ambientes com muitos obstáculos, como uma floresta fechada, privilegiando cantos mais graves (que ultrapassam esses obstáculos).

Nos próximos textos veremos como instinto e aprendizado afetam as diferentes manifestações comportamentais dos animais.

O carneirinho edipiano

ResearchBlogging.orgNaquela manhã, no consultório psicanalítico…

A doutora se flagrou pela terceira vez desatenta aos balidos do cliente. A princípio ela achou fofa a imagem do fragilizado carneirinho sobre seu divã, mas já estava ficando enfadada daquela arenga sem fim sobre as qualidades da ovelha sua mãe. Realmente não era o dia certo para isso, a doutora mesmo havia visitado na véspera seu próprio analista-supervisor tentando discutir seus problemas com a secretária. O terapeuta da terapeuta sugeriu que ela projetara na secretária sua relação com a mãe.

Quem não se apaixonaria por uma mãe fofa assim? Fonte: everystockphoto.com

Quem não se apaixonaria por uma mãe fofa assim? Fonte: everystockphoto.com

– …ah, não sei o que faria sem minha mãezinha. Doutora, tudo o que sou devo a ela. – Pontuou o carneirinho.

– Muito mais do que você pensa, meu amigo. Muito mais do que você pensa. – Suspirou a analista. – A questão é que você já é um adulto e precisa deixar o rebanho onde nasceu.

– Ora, doutora. É claro que eu sei que terei que deixar minha mãezinha, mas quando o momento chegar. Ainda não estou pronto e nem ela. Sou jovem demais.

– Negação! Você fica berrando e batendo com os pés no chão a cada vez que se vê longe da sua mãe. Enquanto isso você mesmo disse que todos os outros filhotes que nasceram na mesma estação já estão pastando livremente formando um grupo só de filhotes.

– Isso porque eles são uns desnaturados! Eu não. Sou um filhote devotado. Além do mais, eu sou o caçula entre todos os que nasceram comigo. – Baliu o cliente com ar arrogante levantando o focinho lanoso bem alto.

– Isso explica muito. – Sussurrou a psicanalista. – Você é devotado ou exige devoção da sua mãe? Já percebeu como o carneiro dominante anda reagindo a você? Já é quase época de sua mãe entrar novamente no cio. – Argumentou a psicóloga.

– Mas minha mãe disse que nunca irá me abandonar, estará sempre lá para mim. Ela me ama tanto, doutora. Me ensinou onde pastar, em quem confiar e de que animais fugir. Me ensinou até o que comer para evitar umas dores de estômago terríveis quando o pasto está muito amargo. Tudo o que eu preciso saber para ser um carneiro grande, saudável e feliz.

– Tenho certeza de tudo isso. E tenho mais certeza ainda de que ela está tentando te ensinar uma última lição, meu rapaz. – Sentenciou a terapeuta.

– É mesmo? Que lição é essa? – Perguntou o carneirinho eriçando a lã das costas.

– Só falta lhe ensinar a ser independente e seguir sua vida adiante sem ela. Estou certa de que essa é a última lição que sua mãe deseja que aprenda. E como vai ser? Você será um bom filho e corresponderá às expectativas da sua mãe?

Essa foi a última fala da sessão. O carneirinho não respondeu. Baixou a cabeça e saiu do consultório pisando na ponta dos cascos com um ar entre o cabisbaixo e o meditabundo. Mas a doutora sabia que a sessão havia valido a pena.
Sanga, U., Provenza, F., & Villalba, J. (2011). Transmission of self-medicative behaviour from mother to offspring in sheep Animal Behaviour, 82 (2), 219-227 DOI: 10.1016/j.anbehav.2011.04.016

Pensamento de Segunda

“O conhecimento é, em si mesmo, poder.”

Francis Bacon