Etologia de Alcova – Idolatria à castidade

Não largo, não largo, não largo! Alguns machos garantem a castidade de suas parceiras se agarrando bem a elas (Imagem: Rickard Ignell)

Engana-se quem pensa que a idolatria à castidade feminina é uma construção cultural humana, ou pelo menos apenas uma construção cultural nossa. Existem sim algumas influências biológicas nisso. Uma forma do macho de qualquer espécie garantir seu sucesso evolutivo é convencer uma fêmea a dar a ele alguns preciosos óvulos, já discutimos isso ao longo dessa série. Se, no entanto, aquele macho não tiver certeza se serão os seus espermatozoides a fecundarem os óvulos da fêmea, se eles competirem com o esperma de outros machos, então isso diminuirá o sucesso adaptativo daquele macho. Por isso, machos que consigam garantir a castidade de suas fêmeas tendem a deixar mais descendentes, uma medida de sucesso evolutivo.

Um exemplo de comportamento que ajuda a garantir a castidade da fêmea é a sua guarda. Machos de animais como a aranha papa-mosca ou o siri azul buscam fêmeas antes delas chegarem à idade adulta e ficam na cola delas até elas começarem a produzir óvulos. Assim que elas se tornam sexualmente maduras os machos copulam com essas fêmeas virgens. Ao serem os primeiros a copular, esses machos encherão a espermateca das fêmeas, uma espécie de reservatório de sêmen, e seus gametas poderão ser usados por muito tempo para fecundar os óvulos daquela parceira.

Em outras espécies, é mais importante para o macho evitar que sua parceira volte a acasalar. Nesses casos o tipo de guarda mais comum é a pós-cópula. Animais que vão de grilos a cervos não saem de perto de suas parceiras depois da cópula. Permanecem ali por um tempo equivalente àquele necessário para seu esperma fecundar os óvulos, evitando que qualquer concorrente se aproxime e reduza suas chances de ser pai. O problema dessa técnica é que ela toma tempo do macho, um tempo que poderia ser investido em localizar, cortejar e copular com outra parceira (em espécies nas quais o macho irá colaborar muito pouco no cuidado aos filhotes as fêmeas tendem a cobrar menos a fidelidade de seus parceiros).

Foi para evitar essa perda de tempo e de novas oportunidades reprodutivas que muitas espécies inventaram o cinto de castidade. É isso mesmo, a evolução favoreceu bizarrices que conhecemos como plugues sexuais. Parte do sêmen do macho se solidifica e obstrui a abertura genital da fêmea, impedindo-a de acasalar com outro macho. A tática é amplamente explorada, ocorrendo em moscas da fruta, primatas, borboletas, serpentes e aranhas, entre muitos outros. Um resultado interessante dessa guarda indireta de parceiras é que o macho não precisa ser grande e forte para defender a parceira se usar um plugue, então espécies que usam plugues não apresentam tanta diferença de tamanho entre machos e fêmeas.

A castidade feminina permeia nossa cultura fortemente, mas não são só os machos humanos que se preocupam com a castidade de suas parceiras.

Etologia de Alcova – Bate que eu gosto

Corte ou agressão? Machos do pássaro caramanchão batem nas fêmeas, mas só nas que pedem (Imagem: flickr/ Krysia B.)

Mês passado falei da violência como parte do conflito sexual no comportamento reprodutivo. Esse mês quero continuar no tema, mas falando da violência na seleção sexual. De fato, nem sempre comportamentos aparentemente agressivos para um observador humano são de fato indesejáveis para o parceiro que está experimentando, a violência pode ser inclusive o que um parceiro procura no outro.

Frequentemente a corte serve como uma amostra do que um macho é capaz. Ele exibe seus dotes à fêmea. Entre espéceis territoriais, portanto, é muito comum que o macho mostre como ele é agressivo durante a corte. É isso que observamos no pássaro caramanchão australiano. O macho encurrala a parceira dentro de um corredor de palha que ele constroi e lhe dá umas porradinhas de leve. Tudo parece muito violento, mas quando pesquisadores construíram robôs de fêmeas que não reagiam às investidas violentas dos machos (A que ponto chega a pesquisa em comportamento animal!?!), descobriram que havia todo um código entre os parceiros sobre quão mais forte o macho poderia bater.

No peixe beta, machos lutam para ter acesso às fêmeas. Isso já foi descrito por Darwin em seu livro sobre seleção sexual como seleção intrassexual, então nada de novo. O surpreendente é que quando fêmeas assitiam a lutas elas escolhiam acasalar com o ganhador, mesmo que esse ganhador não pudesse mais evitar que ela ficasse com o perdedor. Aparentemente também não é que a fêmea estava escolhendo uma característica do macho que o fazia ganhar, em lutas manipuladas ela continuava preferindo o vencedor, mesmo que ele fosse maior e mais forte. Isso faz estremecer a fronteira entre seleção intra e interssexual proposta pelo Darwin de forma categórica. Pelo jeito, alguns machos exibem caudas coloridas, outros exibem adversários de olhos roxos.

Nos humanos mesmo a seleção sexual está frequentemente relacionada com indicadores de força física e até de agressividade. Um peitoral desenvolvido e um braço forte são valorizados pela mulherada. Mais do que isso, um estudo clássico publicado na Science propôs que mulheres no auge da fecundidade preferem homens com indicadores faciais (barba, forma do queixo, tamanho do nariz e densidade da sobrancelha) que remetem à testosterona, um hormônio fortemente relacionado à agressividade.

Portanto, a máxima “em briga de marido e mulher não se mete colher” se estende também ao reino animal. Nunca se sabe o quanto aquela aparente violência não está agradando.

Etologia de alcova – Sexo violento

Um coração, onf, que romântico! #sqn (Imagem: Flickr/Erik Kilby)

O sexo pode parecer um momento de conjunção, de partilha de objetivos, mas nós etólogos sabemos o quanto o comportamento sexual é conflituoso. O conflito sexual é a manifestação das diferenças de interesses entre machos e fêmeas na hora do sexo. Esse conflito pode tomar as mais diversas formas, mas hoje vamos falar sobre como a violência pode estar envolvida no conflito sexual.

Uma forma do conflito sexual agir sobre o comportamento reprodutivo é através da força física. Nesse caso, um dos sexos usará de força para conseguir o que deseja no relacionamento. A situação que imediatamente vem à mente é o estupro, ou sexo coercivo, do qual já tratei num outro momento. No entanto, existem outros casos em que a força pode ser usada para conseguir o que se quer. Começarei com o caso de uma fêmea que usa a força contra o macho. Fêmeas, como já falamos, se beneficiam de machos que dão atenção total aos seus filhotes, enquanto machos se beneficiam de acasalar com mais fêmeas. No besouro coveiro, a fêmea coage seu parceiro a não sair por aí galinhando e deixar toda a carniça que ele conseguiu como alimento apenas para os filhotes dela. Cada vez que o macho sobe num poleiro para liberar feromônio de atração de parceira a fêmea agarra a base do poleiro (em geral uma folha de capim) e sacode até derrubar lá do alto o besouro galanteador.

Mas a violência vai muito além. Quem nunca viu os simpáticos corações formados por libélulas durante a cópula? Por mais romântico que pareça, o que está acontecendo ali está mais para sexo selvagem. Quando um macho encontra uma fêmea, ele voa por trás dela e a agarra pelo tórax com as pernas. Nesse momento ele pode mordê-la também. A libélula macho tem um apêndice em forma de alicate na ponta do abdômen que ele usa para agarrar a fêmea. Assim, o macho pode passar algum tempo voando à frente com a fêmea presa pela cabeça à ponta do seu abdômen. É uma boa forma de cansá-la para resistir menos à cópula. Em seguida o macho pousará e agarrará a ponta do abdômen da fêmea, onde está a abertura genital dela, e a torcerá até o começo do seu abdômen, onde está o pênis. É aí que se forma o romântico coraçãozinho. Vários outros machos têm pedaços do corpo especializados em segurar a fêmea de jeito, como as antenas dos percevejos conhecidos bizarramente no Brasil como aranhas d’água.

Outro percevejo bem kinky passa a vida na cama (nas nossas camas, quero dizer), é o campeão do título “penetração mais violenta”. Esses bichos têm um pênis em forma de espada que o macho finca no abdômen da fêmea em qualquer lugar, não precisa de uma abertura genital. Ali ele jorra seu esperma que, com sorte, encontrará um óvulo entre os órgãos internos da parceira. Obviamente, a punhalada peniana tem alto custo para a saúde da fêmea que, apesar de tudo, em geral sobrevive.

O hemipênis de uma serpente, os espinhos ajudam a segurar a fêmea, mas também podem feri-la (Imagem: wikipedia/ Mokele)

Falamos acima de como agarrar sua parceira. Este é um problema ainda maior em animais sem braços ou pernas e com fecundação interna, como as serpentes. Os hemipênis das serpentes são cobertos de espinhos córneos afiados que literalmente ancoram o macho dentro da fêmea, mas é provável que essas ornamentações no pênis dos machos tenham outra função além de prender a fêmea. Em insetos como os gorgulhos, esses besourinhos que dão em potes de grãos armazenados, o trato genital da fêmea termina uma cópula todo ferido por dentro devido às pontas que o macho tem no pênis. Machucada, a fêmea dificilmente conseguirá acasalar de novo tão cedo, garantindo a paternidade do macho que a feriu.

Agora que esse texto já está longo o suficiente, me ocorreu que falei de casos em que a violência não é muito bem-vinda. O sexo violento traz prejuízos para um parceiro, mas beneficia o outro: definindo o conflito sexual. No entanto, existem casos em que a violência é parte do que um parceiro busca no outro. Falaremos disso na alcova mês que vem.

Etologia de Alcova – Monogamia

Monogamia, talvez a mais bizarra das perversões, também ocorre entre os animais. (Imagem: virginmedia.com)

 

Recém passamos o dia dos namorados e me ocorreu discutir aqui uma das mais bizarras perversões que os animais podem praticar, a monogamia. Muitos chauvinistas por aí sugerem que a monogamia é uma aberração que interessa apenas à mulher e que contraria completamente a natureza masculina, logo veremos que não é bem assim. Mas também veremos que existem motivos para a monogamia evoluir.

Um mito relacionado à monogamia é a quem ela interessa. A natureza biológica de ser macho (um ser que produz muitos gametas pequenos e energeticamente baratos) faz com que seu sucesso reprodutivo aumente à medida que ele consegue mais parceiras. Por outro lado, fêmeas (seres que produzem poucos gametas grandes e energeticamente caros) aumentam seu sucesso reprodutivo à medida que conseguem parceiros melhores. À primeira vista isso corrobora a opinião machista de que é da natureza masculina trair, mas pense que não existem tantos bons maridos por aí. Então, se ele não vai ajudar em nada com os filhos, o melhor para as fêmeas seria acasalarem-se todas com os poucos bons parceiros que existem, deixando dezenas de machos a ver navios. A monogamia só interessa aos machos feios, isso porque ter uma parceira é infinitamente mais do que ter zero, enquanto ter duas parceiras é só duas vezes mais do que ter uma. Garantindo fêmeas monogâmicas os maus parceiros pelo menos terão alguma chance de reproduzir.

Existem diversas espécies realmente monogâmicas entre os animais. Qual seria a razão evolutiva para isso? Existem algumas. Primeiro, se o cuidado aos filhotes for muito trabalhoso a ponto de só um dos pais não dar conta, largar a mãe sozinha para cuidar significa que você jamais deixará descendentes. É essa a explicação para alguns roedores monogâmicos. Outra opção é quando a dificuldade de encontrar outra parceira é menor do que a chance de acasalar de novo com a mesma, o que explica a monogamia num cavalo-marinho. Uma terceira possibilidade é que o casal dependa de um recurso para reproduzir que só os dois parceiros juntos conseguem proteger. alguns peixes limpadores em recifes de coral fazem isso. Também pode ser que uma fêmea que se desloca muito e cuja entrada no cio não possa ser prevista force um macho a estar sempre perto dela e defendê-la de outros pretendentes, como observamos em aves migratórias. Em algumas espécies, como os besouros coveiros, o zelo da fêmea em impedir o macho de arrumar outra á tão grande que o custo de trair é mais alto do que o benefício obtido, inibindo o comportamento. Por fim, é possível que, se você desertar sua parceira, seus filhotes sejam mortos por um macho rival que chegue depois da sua partida. Esse é o caso de vários mamíferos monogâmicos.

Portanto, a monogamia não é um comportamento comum, mas também não é impossível. Diversas histórias de vida favorecem a ligação de longo prazo entre machos e fêmeas, como vimos acima. Também fica claro que, para a fêmea, a monogamia pode ser menos interessante do que imaginávamos, desde que ela não precise dos possíveis cuidados que o macho daria aos filhotes. Quanto aos humanos, temos culturas monogâmicas, pelo menos socialmente, promíscuas, poligínicas (um homem com muitas esposas), e até poliândricas (uma esposa com muitos maridos). Qual das explicações acima você acha que mais se enquadra para explicar a prevalência da monogamia na nossa sociedade?

Etologia de Alcova – brinquedos sexuais

O que causa esse sorriso? Imagem: livejournal.com

 

Quem olha o catálogo de um sex-shop pode ficar surpreso com a diversidade de brinquedinhos para adultos disponíveis, mas saiba que o uso de ferramentas para obter prazer não é exclusividade nossa. Já há algumas décadas que descobrimos que outros primatas são eficientes produtores de ferramentas, mas seu uso para o sexo é mais raramente documentado, mas vamos a alguns exemplos.

Orangotangos selvagens ganharam de um pesquisador um pedaço de pau e logo começaram a usá-lo para friccionar seus genitais. Um orangotango passou a ferramenta para outro pedindo ajuda para usá-la. Até o pesquisador recebeu o bastão de um dos primatas que lhe mostrava onde deveria colocá-lo.

Bonobos eram tidos como péssimos fazedores de ferramentas, mas trabalhos mais recentes com animais de cativeiro mostraram que as ferramentas são mais comumente usadas pelas fêmeas e frequentemente servem a funções sexuais. Um grupo de pesquisadores descreveu a maneira criativa como vagens foram usadas pelos animais para se aliviar. Outros casos incluem chimpanzés machos adolescentes fazendo sexo com uma goiaba bem madura.

Mas não são apenas os primatas. Um vídeo no youtube tornou-se viral ao mostrar um boto num aquário público penetrando  um peixe decaptado. O peixe, que estava ali como alimento, ganhou funções muito mais interessantes. Queria ver como os pais presentes no momento explicaram a cena aos seus filhos.

É difícil julgar, mas o fato é que o uso de ferramentas é bem mais comum do que se pensava, incluindo o uso de ferramentas sexuais.

Etologia de alcova – Sexo em troca de favores

Será que animais se prostituem? Uma das primeiras coisas que aprendemos quando vamos trabalhar com comportamento animal é a nunca antropomorfizar os comportamentos, nunca interpretar sua intenção de um ponto de vista humano. É provavelmente a parte mais impossível difícil da etologia, mas a gente tenta. Nesse ponto o Ciência à Bessa é uma boa válvula de escape. Aqui posso ser um pouco mais flexível com meu antropomorfismo e até colocar animais no divã de uma psicanalista, por exemplo. Esse mês vou falar sobre mais um comportamento sexual que muitos juram ser exclusividade humana, a troca de sexo por favores. Poderia denominar isso prostituição, mas seria cometer mais antropomorfismos do que estou disposto. Nesse caso, irei relatar o que acontece e deixarei o leitor definir como achar melhor.

Você me ama? Eu te trouxe uma mosca. Sexo em troca de favores (Fonte: arkive.org)

Fêmeas de diversas espécies de animais frequentemente fazem sexo em troca de favores dos machos. Estes machos usam seu status e poder para obter recursos que ele doará à fêmea se ela estiver disposta a doar-lhe alguns de seus óvulos em retribuição. Grilos da espécie XXX produzem uma substância gelatinosa junto com o espermatóforo que as fêmeas irão ingerir. Aranhas macho da família Pholcidae desenvolvem uma protuberância em partes de seu corpo que será comida pela fêmea durante a cópula.

Outras espécies oferecem presentes que, diferente das protuberâncias ou secreções mencionadas acima, não são produzidos por elas mesmas. É o caso das aranhas Trechaleidae, que capturam presas em suas teias, embrulham em teia, e entregam às fêmeas em troca de sexo. Quanto maior e mais nutritivo o presente, tanto maior serão as chances do macho obter sucesso. Algo parecido ocorre com o ciclídeo africano Lamprologus callipterus, cujos machos defendem conchas onde as fêmeas desovam. Se uma fêmea quiser desovar numa dada concha, terá que aceitar que o pai de seus filhos será o macho que a defende. Um último exemplo, nas moscas da família Empididae, machos caçam presas e procuram enxames de fêmeas para trocar sua presa por sexo. Se a presa é grande e nutritiva, as fêmeas disputam ferozmente entre si pelo macho.

Nos mecópteros, insetos voadores às vezes chamados erroneamente de mosca-escorpião numa tradução literal do nome em inglês mas que nada têm a ver com as moscas verdadeiras (dípteros), machos grandes guardam grandes quantidades de alimento que oferecem às fêmeas, isso se elas aceitarem fazer sexo com eles. Machos um pouco menores não conseguem proteger esses alimentos, então influenciam a fêmea oferecendo-lhes uma deliciosa guloseima feita com sua própria saliva. Guardar alimento como os mecópteros grandes é a forma mais certeira de conseguir sexo, os presentes de saliva garantem aos machos menores algumas cópulas, mas certamente a tática menos eficiente é não oferecer nada em troca às fêmeas, o que ocorre com machos pequenos. Nesse caso eles só conseguirá sexo se forçarem suas pretendentes.

Até construções naturais magníficas, mas que não servem para mais nada na biologia desses animais, podem ser consideradas um escambo por sexo. Na Austrália pássaros caramanchão constroem cabanas ornadas com itens metálicos, azuis e amarelos para atrair fêmeas, mas na hora da desova a fêmea usa outro local como ninho. A cabana é só uma homenagem que a fêmea exige do macho para dar-lhe o que ele quer. O mesmo vale para os assombrosos morrotes de mais de um metro construídos no Lago Malawi por pequenos ciclídeos. A fêmea usa esses morrotes para escolher o parceiro, mas não usa o morrote para depositar seus ovos.

Caramanchões, um presente? (Imagem: nus.edu.sg)

Talvez você tenha reparado que em todos esses casos é a fêmea que cede o sexo em troca do favor. Não existem casos do contrário na natureza? Não consigo me lembrar de nenhum agora, mas mesmo que exista, ele será uma exceção. Isso porque a diferença biológica básica entre machos e fêmeas é que os óvulos das fêmeas são muito mais valiosos que os espermatozoides dos machos. É por isso que as fêmeas em geral tendem a ser mais exigentes, inclusive exigindo favores dos machos em troca de sexo.

Etologia de Alcova – Orgias

Quantos sapos você vê nessa foto? Estão todos acasalando com uma fêmea em algum lugar aí no meio. (Foto: Neil Phillips/scienceblogs.com/tetrapodzoology)

É carnaval e você ainda arrumou uma hora para vir conferir o Ciência à Bessa. Enquanto relaxa no sofá tenta contabilizar quantas bocas beijou na noite anterior. Como é maravilhoso o comportamento humano e essas festas de libertação, com seu representante máximo no carnaval brasileiro. Talvez você se surpreenda, mas orgias assim não são exclusividade da nossa espécie.

Peixes que formam cardumes frequentemente têm seu período de sexo irrestrito. Dependendo da espécie, basta a quantidade de alimento, o volume de chuvas ou a duração dos dias atingir um valor crítico que os peixes entram em frenesi sexual. Centenas de casais se formam e fazem sexo insanamente, todos juntos. Entregam-se com tamanha paixão e lascívia que parece que é a última coisa que eles farão na vida, e para muitas espécies é mesmo. É o caso das enguias e salmões no hemisfério norte. Acasalam-se torridamente, põem ovos e depois do prazer têm o bom senso de morrer.

De forma similar, alguns anfíbios praticam o que se chama tecnicamente de reprodução explosiva. A frieza dos jargões à parte, na prática o que ocorre é que fêmeas dadivosas vão para locais onde muitos machos se concentram para entregar-se ao sexo liberal apenas cerca de três ou quatro dias no ano, voltando a sua vida pacata depois disso. Ali elas são montadas por vários machos, em alguns casos dezenas deles ao mesmo tempo. Também é comum que os machos cubram a fêmea de esperma durante esse ato. Vale ressaltar que, por competir com outros machos pela fecundação dos óvulos da fêmea, nesses animais a seleção natural levou à evolução de machos que possuem testículos descomunais e produzem quantidades astronômicas de esperma.

Você poderia argumentar que esses exemplos não tem nada de carnavalesco, que eles visam especificamente à reprodução. De certa forma você tem razão, então vejamos alguns exemplos de sexo liberal e desvinculado da reprodução, e que ocorre em nossos primos mais próximos. Entre os grandes primatas é comum que conquistas valiosas sejam celebradas com muito sexo. Bonobos são primatas tão proximamente aparentados a nós humanos quanto os chimpanzés que antigamente eram conhecidos como chimpanzés pigmeus. Eles, no entanto, vivem numa sociedade matriarcal onde o sexo tem papel social fundamental. Ao receber uma lauda refeição no zoológico, bonobos celebram fazendo sexo freneticamente antes mesmo de tocar no alimento. Quanto mais participativo na suruba for um indivíduo, tanto maior será sua parte do alimento.

A reporter não comenta, mas veja os chimpanzés se montando e friccionando os genitais.

Já entre os chimpanzés orgias foram documentadas em zoológicos europeus. Em locais frios esses animais passam o inverno recolhidos em recintos pequenos e fechados. Alguns meses sem sair ao ar livre ou ver o azul do céu e, quando são liberados de volta ao chegar a primavera, esses chimpanzés espalhavam-se pelos gramados se beijando, acariciando e acasalando sob a luz cálida do sol. Antes que alguém pense que este é um comportamento artificial, gerado pelo contato com os humanos nos zoológicos, aviso logo que a mesma coisa acontece quando abatem uma caça grande que irão dividir com o grupo na natureza. Sexo como uma forma de comemorar, sem papel reprodutivo algum.

Nenhum etólogo sério daria o nome desses fenômenos de orgias ou o compararia ao carnaval no ambiente acadêmico. Mas não seria mais ou menos isso que estaria acontecendo? Liberação, comemoração, sexo e alegria, tudo isso misturado num período curto do ano antes que todos voltem à vida normal. Aproveitem o carnaval. Comportem-se como os animais que somos.

Etologia de alcova – Homossexualidade

Leões gays, não deixem os pastores verem isso.

A nova série de posts do Ciência à Bessa vai falar sobre comportamentos que muita gente poderia julgar exclusivamente humanos, mas que ocorrem entre animais. O sexo é um grande tabu em nossa sociedade, recluímos muito do que fazemos às quatro paredes do quarto, a alcova. Mas a despeito da afirmação que Desmond Morris fez na década de 70 sobre a exacerbada sexualidade humana em seu livro clássico, O macaco nu, muito do que se pensava fazer parte da nossa criatividade sexual nada mais é do que herança de nossos ancestrais. Etologia é a ciência que estuda o comportamento dos animais, no Brasil os etólogos estão organizados na Sociedade Brasileira de Etologia, à qual eu sugiro fortemente que você se filie se tiver interesse n esse assunto. A Etologia de alcova discutirá vários comportamentos sexuais que certamente te surpreenderão.

Minha aluna Raiane Costadelle estava estudando quais as pistas que as fêmeas de jabutis usam para escolher seus parceiros. Tínhamos diferentes informações a respeito dos machos: seu peso, tamanho, posição hierárquica e carga de parasitas. A ideia era descobrir qual característica era mais importante para garantir que um macho conseguisse acasalar, então sempre que a Raiane encontrava um casal em cópula ela anotava o número do macho que estava por cima e, só para saber, o da fêmea que estava por baixo também. Qual não foi a surpresa dela quando percebeu com certa frequência que o jabuti que estava por baixo não era uma fêmea, mas outro macho!

A homossexualidade não é exclusividade dos humanos e dos jabutis. Num artigo de 2009, Nathan Bailey e Marlene Zuk (que entrevistei logo que esse artigo saiu) listaram uma série de espécies e contextos em que o comportamento homossexual ocorre. São golfinhos que se tornam mais unidos e colaborativos se entre eles emerge um pouco de sexo, mosquinhas da fruta que praticam com outros machos antes de se acasalar pela primeira vez com uma fêmea, pica-paus fêmeas que evitam a guerra fazendo amor, libélulas que, na falta da fêmea, acasalam com outros machos, machões dominantes que para demonstrar seu poder montam em seus inferiores, como ocorre entre bisões e aparentemente nos nossos jabutis, entre diversos outros casos.

A essa altura você pode estar se perguntando: mas como a homossexualidade poderia evoluir se ela levaria o gay a jamais deixar descendentes? Essa pergunta reflete duas visões duvidosas: a determinação genética da homossexualidade e nossa visão dicotômica da sexualidade, na qual ou se é homossexual ou heterossexual, o que provavelmente está muito longe da realidade. O biólogo que se tornou um dos maiores especialistas do mundo em comportamento sexual humano, Alfred Kinsey, distribuía os humanos num continuo de homossexualidade desde homossexuais estritos até heterossexuais estritos, incluindo todos os seus graus intermediários. Sendo assim, mesmo que haja um gene gay, é possível a homossexualidade evoluir, não só entre os humanos, mas por toda a natureza.