Pensamento de Segunda

As pessoas gostam de contar suas histórias bem sucedidas, mas é fácil tornar-se um chato assim. Talves, por ter sido mais bem sucedido do que a maioria em cumprir a ânsia em viver em meio à natureza, minha história encorage outros a seguirem meus passos.
Niko Timbergen

Tudo em um ano 9 – Oxigênio

Imagine o planeta Terra cercado por uma atmosfera pura, ecologicamente equilibrado (equilíbrio naquele sentido que só os ecólogos conseguem conceber), uma esplêndida diversidade de formas de vida habita este planeta que é um verdadeiro Éden. Não obstante, um grupo de organismos que habita ali, para sustentar sua forma de vida, começa a eliminar na atmosfera um volume assombroso de um gás extremamente tóxico. No princípio esse gás era produzido em um volume pequeno demais para afetar os outros, no entanto, aquela estratégia de obtenção de energia era tão eficiente que estes organismos rapidamente multiplicaram sua população, produzindo mais e mais gases venenosos. Aquela gama de espécies que habitava o que antes fora o Éden, agora padecia intoxicada e morria, o gás dilacerava suas moléculas produtoras da energia necessárias à sobrevivência. Muitas se extinguiram por efeito daquele grupo que buscava o benefício próprio a qualquer custo, não vendo o impacto global que causava sobre as outras formas de vida.

oxigenio

O mais mortal dos gases vitais: o oxigênio

Fonte: rsbs.anu.edu.au

 

A narrativa lhe parece familiar? Pois eu me referia a arquéias, cianobactérias e ao susrgimento da fotossíntese. A proliferação destes organismos resultou na entrada de toneladas de oxigênio na atmosfera, levando à extinção muitas outras espécies de bactérias anaeróbicas, mas permitiu a proliferação de outros organismos fotossintetizantes e o surgimento da respiração celular. Quem conseguiu resistir ao potencial oxidativo do oxigênio passou a imperar sobre a Terra. Isto ocorreu, no nosso ano cósmico, no dia 23 de outubro, 2,4 bilhões de anos atrás.

Arte e Ciência II – Big-Big-Bang-Boom

Confesso que iniciei essa série ansioso pelo dia de falar sobre o Núcleo Arte e Ciência no Palco. Pois bem, o dia chegou! O núcleo estreou no dia 16 de Outubro a comédia infantil Big-big-bang-boom, sobre perguntas nunca feitas e a ordem no universo. Provavelmente um bom começo para educar cientificamente suas crianças e, por que não, dar boas risadas. A paulicéia poderá conferir a peça no teatro da Memória, Rua Álvaro Carvalho, 97, próximo ao metrô Anhangabaú aos sábados e domingos, 16h. Os ingressos saem por até R$ 20,00.

peça

O mesmo grupo tem em seu repertório peças como After Darwin, Oxigênio, o premiado monólogo Einstein, a adaptação musical A dança do Universo e E agora, Sr. Feynman? Vale a pena ficar de olho na agenda do grupo para assistir estas todas, entre outras. Mesmo sem formação científica os atores dão voz e personalidade muito convincente a figuras como Lavoisier, Richard Owen, Emma Darwin, Albert Einstein, Niels Bohr e Galileu. É uma excelente forma de relembrar por que nos apaixonamos pela ciência.

Pensamento de Segunda

“Nunca no mundo uma bala matou uma idéia. Para a treva só há um remédio, a luz.”

Ciência à Bessa na Semana Nacional de Ciência e Tecnologia

snct

Do dia 18 ao dia 22 de Outubro estarei no Centro de Eventos Pantanal, em Cuiabá para a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia. Cuidarei de um stand das Ciências Biológicas da UNEMAT contendo uma coleção de experimentos sobre fisiologia dos sentidos. Também estarão presentes outras atrações como um planetário, os experimentos da SECITEC, o grupo Ciência em Show e uma exposição de ciências da Unicamp. O objetivo deste evento é popularizar o conhecimento científico e mostrar como a ciência pode ser divertida. Aguardo vocês lá.

Blog Action Day: As águas de Nobres

à Lala, por tudo o que me ensinou sobre ecologia de riachos tropicais.

 

Como habitualmente desfilo de roupa de neoprene, snorkel e máscara segurando na mão minha câmera sub e uma prancheta e lápis sob o olhar curioso dos turistas. É mais um dia de trabalho no meu escritório favorito, os rios de Nobres em Mato Grosso. Coloco os pés na água e sinto-a gelada entrando nas botas de neoprene, presas na prancheta estão planilhas à prova de água para anotação do comportamento dos peixes em uma estância turística de rios com águas cristalinas a aflorar do meio das rochas calcárias. Este é meu doutorado.

azul

Nascente do rio Salobras, meu Éden pessoal

No Rio Salobras os proprietários das atrações turísticas, Toninho e Kleber, foram atenciosos com a preservação do local como sempre são comigo, há guias para acompanhar os turistas e evitar maiores danos ambientais e a mata ciliar está completamente íntegra. Termino de entrar no rio e flutuo por alguns instantes enquanto a atividade dos peixes retoma seu ritmo natural. Ao molhar os ouvidos um silêncio tranquilo me invade, posso mesmo divisar o ruido rascante de um curimba abocanhando bocados de areia. A água é de um azul indescritível e trasparente como se não estivesse ali. Uma profusão de pequenas jóias me cerca. Sei que a maioria delas passa despercebida pelos visitantes, mais interessados nas grandes piraputangas e dourados, mas cardumes de lambaris, mato-grossos, moenkhausias e piabas rodeiam meu corpo. Afundo pela primeira vez em busca de casais de carás e joaninhas (o peixe, não o besouro), mas em seu lugar encontro cascudos e uma traira muito bem camuflada.

dossel

Cámbia. Todo cámbia.

Ao retornar para a superfície me detenho e tento uma fotografia de uma piraputanga vista do fundo. Lá em cima estão as copas das árvores de onde boa parte da energia deste ecossistema vem. Ao colocar o snorkel para fora e retomar o fôlego, acompanho um grupo de piaus e piraputangas descerem o rio e me recordo ter escutado um bando de macacos prego forrageando antes de entrar na água. Estes peixes aguardam que os primatas bagunceiros derrubem parte de seu alimento no rio para então comê-lo.

A água, os peixes, a mata, o rio, os macacos, as rochas. Subitamente sinto-me pequeno, mas ainda assim uma peça no mais intrincado quebra-cabeças existente. O quebra-cabeças das interações ecológicas.

Pensamento de Segunda

“Sempre que uma teoria te parecer a única resposta possível, considere isto um sinal de que você nem entendeu a teoria nem o problema que ela pretende resolver.”
Karl Popper

Pensamento de Segunda

“O que você fez pela ciência hoje? Pare de fazer coisas por Deus, ele se intitula todo-poderoso, não precisa de você. Faça algo pela ciência, pelo amor de Deus!
Mehmet Ildan

Tudo em um ano 8 – Estromatólitos

Tive um professor na USP muito encantador, destas pessoas que falam de seus trabalhos com uma faísca nos olhos e seduzem pela palavra. Se chama Thomas Fairchild e seu principal foco de interesse são os estromatólitos.

Os estromatólitos do Thomas eram torres de minerais há muito eternizadas no registro fóssil. Eles são, provavelmente, o mais antigo registro inequívoco de um ser vivo sobre a Terra. Pequenas bactérias ou microalgas capturavam (e ainda capturam, em locais como o litoral australiano e as Bahamas há estromatólitos modernos) minerais em suspensão nas águas do mar e os depositavam em camadas ao longo dos séculos. O que se vê nos fósseis são apenas as camadas de mineral, mas sabe-se que elas são fruto de atividade biológica.

Estes fósseis datam de 3,4 bilhões de anos, sendo a data mais precisa para se apontar a existência certa de seres vivos.

A acará abandonada

ResearchBlogging.org

Naquela manhã no consultório psicanalítico…

 

A Dra. acabava de retornar de férias antecipadamente. Ela havia decidido viajar depois que mais uma de suas recepcionistas pediu as contas, mas interrompeu sua folga a pedido de uma peixinha de quem gostava muito. Não é costume entre os analistas conhecer de tão perto seus clientes, mas a doutora era próxima da família antes de atender a Sra. Amphilophus, por isso conhecia bem todos os personagens. A peixinha era casada com um marido dedicado e tinha uma linda ninhada de alevinos, eles moravam em uma casa linda e ampla. Em suma: uma família perfeita.

– O que houve, minha querida amiga? – Perguntou a analista com a testa franzida de tensão ao ver a peixinha com os olhos mareados e fazendo biquinho de quem ia chorar.

– Dra. que tristeza vê-la nesse dia. Minha família tão linda está desmoronando. Meu marido me deixou. Que tragédia! – E a acará pôs-se a soluçar.

A psicanalista precisou esperar um pouco até que a cliente se recompusesse. – É ruim, não? Quer me falar um pouco sobre como está se sentindo?

– Um caco, doutora, não sou a sombra do ciclídio que um dia fui! Passo a maior parte do dia arrasada, me escondendo pelos cantos para chorar sem meus filhotes verem. Tenho também rompantes de ira contra o desgraçado. O pior é que não posso me deixar abater, se eu sucumbo ao sofrimento deixo de dar a assistência que meus bebês precisam. Eles são os únicos que continuam me amando e precisam tanto de mim, Dra. Ah se soubessem como são importantes na minha vida neste momento tão difícil!

– E a Sra. tem notícias do dito cujo? – Interrogou a terapeuta.

– Não sei de nada. Fico esperando que ele retorne o tempo todo, mas o tempo vai passando e eu vou ficando mais e mais desconfiada de que minha espera é vã. – Disse a acará com os olhos fundos e os opérculos caídos.

– Minha amiga, não quero entristecê-la ainda mais, mas acho que você merece a verdade, mesmo que ela doa. Seu marido não volta mais. Ele sabe que seu pico de fertilidade já passou, sabe que os filhos de vocês já estão crescidos. Neste momento seu marido deve estar com um novo território se exibindo para mocinhas solteiras e cheias de hormônios com as quais ele irá constituir uma nova família. – Esclareceu a psicanalista com muito tato, mas sem rodeios.

Agora a acará chorava convulsivamente exaurindo o estoque de lencinhos que a Dra. deixava ao lado do divã. – O que será de mim agora, minha amiga? – Perguntou a cliente.

– Agora? Agora a senhora irá enxugar estas lágrimas, voltar para sua casa e cuidar com todo o amor daqueles pequeninos que precisam muito ainda de você. Você sabe como o mundo é perigoso para alevinos. E já que o pai não irá mais ajudá-la mesmo, melhor você se virar. – Aconselhou a analista de sua poltrona.

– Sim, são tantas ameaças, me desgasto tanto defendendo aquela casa de invasores e cuidando dos meninos depois que ele me deixou. Mas tenho uma dívida com meus pequenos, preciso segurar as pontas e voltar para eles. Eu só queria saber por que isso foi acontecer justo agora e justo comigo.

– Minha amiga, razões não vão mudar os fatos. E não se julgue a única, só eu sei como aparecem casos como o seu por este divã. Volte para casa e vá cuidar de quem ama você. – Encerrou a psicóloga.

A doutora acompanhou sua amiga com os olhos vermelhos de tanto chorar até a porta. Em seguida sentou-se em sua mesa, abriu seu caderno de anotações e escreveu: “Sra. A., o marido a deixou ao final do período fértil para aumentar suas chances de deixar descendentes com outra parceira. Tudo só ocorreu depois que seus descendentes já estavam maiores, podendo depender apenas do cuidado da mãe.” Deu um suspiro, fechou o caderno, e jogou-se de costas na cadeira.

 

Lehtonen, T., Wong, B., Svensson, P., & Meyer, A. (2010). Adjustment of brood care behaviour in the absence of a mate in two species of Nicaraguan crater lake cichlids Behavioral Ecology and Sociobiology DOI: 10.1007/s00265-010-1062-5

E

 

Lehtonen, T., Wo
ng, B., Lindström, K., & Meyer, A. (2010). Species divergence and seasonal succession in rates of mate desertion in closely related Neotropical cichlid fishes Behavioral Ecology and Sociobiology DOI: 10.1007/s00265-010-1061-6