Criatividade e o bebê de 10 meses

Muitas mudanças ocorreram nesse décimo mês de vida do meu bebê. Ele desenvolveu ainda mais a fala, sua postura e capacidade de se deslocar melhoraram visivelmente, mas já escrevi sobre tudo isso nos últimos meses. No entanto, teve um detalhe que me marcou e ainda não tratei aqui. Foi algo bem sutil, mas que merece comentários. Meu bebê está cada dia mais criativo.

A criatividade é algo intrínseco ao ser humano, provavelmente uma das maiores responsáveis pelo sucesso global da nossa espécie. Somos extremamente maleáveis aos desafios que o ambiente impõe a nós. Isso não é exclusividade humana, muitos animais se ajustam para solucionar problemas dos ambientes que habitam. Alguns exemplos são impressionantes, ultimamente meus favoritos vêm dos corvos, capazes de usar ferramentas tão imaginativas quanto sinais de trânsito e automóveis para quebrar a casca de alimentos duros demais para seus bicos. Mesmo assim a criatividade humana surpreende.

Já desde o quinto mês do meu bebê que tentamos estimular que ele engatinhe deitando-o num edredom e colocando um brinquedo pouco além do seu alcance. Completamente alheio às nossas tentativas, o bebê desenvolveu uma técnica muito mais prática para alcançar o objeto. Em vez de se esforçar em arrastar-se até o brinquedo, ele puxava o edredom até que o brinquedo chegasse às suas mãos.

Esse mês compramos um relógio cuco de brinquedo. Quando se aperta um botão no alto o cuco aparece e quando se aperta outro botão na frente do relógio, uma música toca. Meu bebê ainda não tem coordenação para apertar botões, o que reduziria muito a diversão do brinquedo não fosse sua criatividade. Logo nos primeiros dias ele descobriu que em vez de apertar o botão de cima, ele poderia puxar com o dedo a porta de onde o cuco saía. O botão da frente já foi mais desafiador, ele era pequeno demais para o bebê acertar. Sua solução foi derrubá-lo no chão de frente. Assim, sempre que o bebê apertava o relógio todo contra o chão, a música tocava. O bebê escarnece dos manuais de instrução dos brinquedos e alcança os mesmos objetivos à sua própria maneira.

Essa capacidade de relacionar causas e consequências, de interpretar fenômenos e de criar alternativas é função do nosso córtex frontal, já bem desenvolvido nos bebês. É seu uso que desenvolverá sempre mais nossa capacidade criativa. Então não cerceie a imaginação do seu bebê, não existe jeito errado de usar um brinquedo.

A fala e o bebê de nove meses

Apesar de podermos apontar o dia da primeira palavra, o início da fala ocorre dispersamente durante todo o primeiro ano de vida. Foto: mundodastribos.com

Primeiramente quero deixar claro que um bebê de nove meses dificilmente falará de verdade. Eles balbuciam, gritam, gemem, reclamam, choram. Mas falar mesmo não falam. Há quem diga que falam sim, nós é que não entendemos. No momento considerarei “falar” como a produção de sons compreensíveis por um ouvinte minimamente dentro do padrão de regras de um idioma. Portanto, bebês de nove meses provavelmente não falam ainda. O que discutirei nesse post é o desenvolvimento dessa fala.

Assim que inflam seu pulmão pela primeira vez, os bebês já são capazes de produzir sons. E aliás o fazem quase sempre, abrindo o primeiro de muitos berreiros logo após o parto. Eles ainda levarão alguns meses para perceber a própria capacidade de emitir sons. Com meu bebê aconteceu aos três meses, quando ele gritava e se assustava com o grito que ele próprio havia dado. Também é cedo, por volta dos cinco meses, que eles começarão e imitar sons que escutam. As primeiras sílabas pronunciadas são, frequentemente, o “agu”, mas com o tempo esses sons se diversificarão e passarão a compor narrativas compriiiiiidas que seu bebê fará a qualquer momento. O início da fala parece um momento difícil de apontar exatamente, disperso por todos os primeiros meses da vida. Mas então por que falar disso justo no nono mês?

De acordo com uma série de estudos feitos por Patricia Kuhn, é aos nove meses que os balbucios de um bebê começam a representar uma língua. Esta pesquisadora apresentou balbucios de bebês de diferentes nacionalidades a adultos daquelas nacionalidades. Mesmo não falando uma língua específica, foi aos nove meses que os ouvintes descobriam em que idioma o bebê estava sendo criado com maior frequência. Ou seja, bebês brasileiros a partir dos nove meses balbuciam em português.

Também é nessa idade que os bebês desenvolvem maior sensibilidade aos fonemas e inflexões mais comuns de sua própria língua. Ele aprende quais os sons mais comuns e se torna mais atento a eles. Isso potencializa seu aprendizado, mas apenas da língua materna.

Para os pais ansiosos, sugiro primeiro o post anterior, no qual discuto como cada bebê tem seu ritmo e seu jeito de fazer as coisas. Apesar disso, tem um exercício que parece fazer muito bem para bebês aprendendo a falar: ler livros ilustrados. Se você está com pressa de ter um pequeno tagarela pode investir um tempo todos os dias lendo para ele. Última dica, outras pesquisas indicam que infantilizar nossas vozes ao falar com bebês é excelente para o aprendizado deles até que eles comecem a falar, mas depois disso, quanto mais normalmente falarmos, mais rápido a criança aprenderá a falar corretamente.

 

ResearchBlogging.org

Kuhl, P. (2004). Early language acquisition: cracking the speech code Nature Reviews Neuroscience, 5 (11), 831-843 DOI: 10.1038/nrn1533
Jusczyk, P., & Luce, P. (1994). Infants′ Sensitivity to Phonotactic Patterns in the Native Language Journal of Memory and Language, 33 (5), 630-645 DOI: 10.1006/jmla.1994.1030
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Ficar de pé, expectativas e o bebê de oito meses

Vou começar o post desse mês recordando que cada bebê é único, portanto as coisas não acontecem sempre na mesma idade ou ordem e o excesso de ansiedade dos pais pode até inibir o comportamento do filho. Com meu bebê isso aconteceu com relação ao engatinhar. Eu tinha lido que por volta dos seis meses os bebês começavam a engatinhar e ficava observado meu bebê ainda meio imóvel cheio de esperanças. Ele até esperneava bastante, mas não saía do lugar. Com um tempo notei que ele se erguia nos bracinhos, empurrava o chão para trás e se deixava cair alguns centímetros mais adiante se arrastando de barriga mais ou menos como um leão marinho no cio. Esse modo bizarro de se locomover era até eficiente para o bebê, que perseguia agilmente nosso gato, mas em nada lembrava a propaganda da Johnson & Johnson que eu esperava.

Perseguir o gato, ir atrás de um carrinho, rolar uma bola. Tudo isso meu bebê fazia com desenvoltura, embora sem estética nenhuma, se arrastando de barriga. Não importava que eu o colocasse na posição (que eu julgava) correta de engatinhar, movesse suas perninhas e bracinhos da forma esperada e até demonstrasse como engatinhar provocando gargalhadas na minha esposa e até no pequeno. O que eu não percebia era que meu bebê havia aprendido algo muito importante, ele tinha alcançado um novo patamar de independência aprendendo a se deslocar por aí, muito embora eu não achasse que seu jeito de fazê-lo estava certo.

Acho que minha maior preocupação era com o restante do desenvolvimento dele. Ora, sem engatinhar, como e que ele iria aprender a ficar de pé e depois a andar? Pois aos oito meses veio a minha resposta. Independente de seu jeito diferente de se deslocar, meu bebê aprendeu a erguer seu próprio peso nos braços e a empurrar o chão com as pernas, meio que escalando móveis, até colocar-se de pé. Ficar de pé apoiando-se na mobília possibilitou ao meu filho ver o mundo de uma nova perspectiva, sua sede de exploração parece insaciável. Não existe uma forma apenas, ou uma forma correta, de um bebê se deslocar. O que meu bebê precisava era de liberdade para descobrir seu jeito de fazer as coisas. E de menos cobranças do pai.

O crescimento e o bebê de seis meses

Não sei se é porque fiquei muitos dias longe do meu bebê no sexto mês de vida dele, mas é espantoso ver como eles crescem depressa. Existem os chamados estirões na adolescência nos quais a pessoa cresce mais centímetros absolutos por unidade de tempo, mas em proporção ao tamanho total do corpo é nesse período que mais crescemos. Esse crescimento se deve a mudanças importantes no esqueleto do bebê.

Muita cartilagem torna os bebês mais flexíveis.

Muita cartilagem torna os bebês mais flexíveis.

São os ossos longos os principais responsáveis pelo crescimento do bebê. O esqueleto do feto é formado principalmente por cartilagens. A diferença desse tecido para o osso propriamente dito é que ele é bem menos mineralizado, a matriz que circunda as células na cartilagem é formada por fibras de colágeno, e não por carbonato de cálcio. Por isso o esqueleto do bebê é tão mais flexível que o de um adulto, a ponto dele poder colocar o pezinho na boca facilmente.

É na passagem de cartilagem para osso que ocorre o crescimento dos ossos longos. Primeiro vasos sanguíneos começarão a depositar cálcio no meio do osso longo, formando tecido ósseo em substituição à cartilagem. À medida que o centro do osso se torna tecido ósseo, as extremidades cartilaginosas se alongam. Com o passar do tempo dois pontos novos de formação de tecido ósseo surgem em cada extremidade do osso. O crescimento termina quando o tecido ósseo no centro do osso longo se encontra com aquele formado em cada extremidade, fazendo desaparecer o espaço cartilaginoso que existia antes, a chamada sínfise.

O crescimento dos ossos longos ocorre do centro para as pontas. Fonte: naturalheightgrowth.com

O crescimento do bebê é motivo de preocupação para muitos pais. Ele é um bom indicador da qualidade alimentar do bebê, mas é importante ter calma na análise da curva de crescimento, aquela que o pediatra vai marcando mês a mês. Os pais tendem a ver a linha média de crescimento como uma meta para o bebê. Ora, uma média significa matematicamente um ponto no qual metade da população localiza-se acima e metade abaixo, pelo menos considerando-se uma distribuição normal de dados. Estar abaixo da média é esperado para metade dos bebês. Outro problema é que alguns pediatras usam curvas de crescimento importadas. Não faz sentido esperarmos que no meio da zona tropical nossos bebês respondam a uma curva de crescimento escandinava. A pessoa mais indicada para dizer se o crescimento do seu bebê está ou não normal (e o que fazer a respeito) é o pediatra. Recentemente um extenso estudo propôs uma curva de crescimento universal. Fico um pouco desconfiado dessas generalizações, mas o volume de dados é assombroso, então aponta uma perspectiva confiável.

Outra transformação interessante que ocorre no esqueleto do bebê durante o crescimento é a mudança no número de ossos. No esqueleto axial (crânio e coluna) ocorre a fusão de ossos como os do crânio e do sacro, na bacia. Já no esqueleto dos membros surgem novos ossos no pulso e tornozelo. Ao todo o esqueleto do bebê passa de 270 ossos para 206 até por volta dos dois anos.

Nem sempre o crescimento nesses primeiros meses interferirá na estatura final da pessoa. Não deixe de acompanhar o desenvolvimento do seu bebê, mas evite ficar paranoico com ele. A amamentação proverá o bebê do cálcio tão importante para seu crescimento.

Dentes e o bebê de 5 meses

Nossos dentes contam uma história interessante sobre a evolução humana, e isso fica muito evidente na dentição dos bebês. O próprio fato de termos uma mandíbula com dentes recobertos de um esmalte, o tecido mais mineralizado e duro do nosso corpo, demonstra que compartilhamos uma característica com todos os outros vertebrados mandibulados, incluindo os tubarões, peixes ósseos, anfíbios, répteis, aves e os outros mamíferos.

Entre os vertebrados mandibulados, somos característicos por termos dentes diferentes de acordo com a parte da mandíbula na qual eles crescem. Também é peculiaridade dos mamíferos que os dentinhos que nascem nos bebês de cerca de cinco meses duram uma parte da vida e depois são trocados por dentes definitivos.

De fato, a dentição dos mamíferos é muito diferente da dos demais vertebrados e existe grande variação interna ao grupo. Dentes adaptados a uma dieta onívora, com a presença de incisivos, caninos, pré-molares e molares largos e com cúspides baixas, são típicos de primatas. Os 32 dentes que carregamos na boca são semelhantes aos 32 apresentados por chimpanzés.

Em nossa história mais recente nossos dentes encolheram, especialmente os caninos. As causas disso ainda são discutidas, mas dentes menores podem decorrer de uma mudança da dieta para itens mais moles ou da introdução do fogo e do cozimento de alimentos.

Os dentes que começam a nascer por volta do quinto mês de vida do bebê são marcas indeléveis de seu passado evolutivo e suas relações de parentesco com tantos outros animais.

Coordenação motora e o bebê de 4 meses

No quarto mês de vida de um bebê talvez o mais surpreendente seja o ganho de coordenação que ele obtém. Rapidamente o bebê aprende a segurar objetos e trazê-lo até a boca, rolar para ficar de bruços e manter uma postura mais rígida do corpo. É fato que ainda falta precisão aos movimentos, mas isto se desenvolverá rapidamente com a prática.

O cerebelo é o principal responsável pela coordenação motora e manutenção da postura do bebê.

O principal órgão relacionado à coordenação é o cerebelo, é nele que ocorrerá o grande ganho de desempenho neste mês. Na verdade o cerebelo sofre um estirão de desenvolvimento antes do 2º ano de idade. Tudo o que se aprende a fazer se chama memória procedural e é o tipo de memória mais estável que temos. Os resultados deste estirão e deste aprendizado duradouro são perceptíveis no comportamento do bebê.

O córtex somatosensorial é responsável por receber informações do corpo, como por exemplo em que postura estamos.

Outro ingrediente desta habilidade motora mais aprimorada é a propriocepção, um dos nossos sentidos menos explorados. Sem tirar os olhos da tela enquanto lê este post, diga em que posição estão seus braços, mãos, pernas e pés. A propriocepção é esta habilidade de reconhecer sua postura sem precisar olhar. São pequenos sensores de pressão posicionados nos principais músculos e articulações do corpo que informam sobre o ângulo formado entre dois ossos ou o grau de contração de um músculo esquelético, ou seja, em que posição você está. Interpretar estes sinais é uma habilidade que o cérebro ganha com o tempo, em especial nessa fase precoce da infância.

Mesmo os movimentos mais estabanados de um bebê são parte de um treino para ganhar a precisão que um adulto demonstra. Estes mesmos movimentos aparentemente grosseiros são o resultado de um surpreendente desenvolvimento neuronal e muscular por dentro do bebê. Em breve eles darão lugar aos engatinhar, andar, empilhar bloquinhos, dançar, jogar bola e, um dia, dirigir um automóvel ou digitar num teclado coisas sobre o desenvolvimento dos bebês. Mas por enquanto tudo isso está no futuro.

Teoria da mente e o bebê de 3 meses

Acredito que a diferença do cérebro humano para outros animais esteja mais em aspectos quantitativos que qualitativos. Não é que tem coisas que só nós consigamos fazer, é só que algumas coisas nosso cérebro faz melhor. Uma das mais incríveis capacidades desse nosso órgão é conseguir se colocar no lugar dos outros, o que os especialistas chamam de teoria da mente.

Muito cedo aprendemos a captar nos outros seu estado de espírito interno e modificar nosso comportamento em função disso, às vezes até sentindo o mesmo que um semelhante. Essa é uma característica muito importante para nossa organização social, grupos que compartilham um sentimento são muito mais unidos, como qualquer líder sabe.

O desenvolvimento dessa habilidade começa com a simples imitação de expressões faciais. Nosso rosto é um cartaz indicando nossas emoções, funciona como um portal para nossos sentimentos. É claro que elas podem ser fingidas e há quem diga que não é a emoção que gera nossas expressões, mas o contrário. Mesmo assim sabemos que as expressões faciais não só são universais na nossa espécie e até alguns primatas aparentados, mas tem um forte componente instintivo de forma que mesmo bebês cegos logo começam a sorrir quando estão felizes e fazer biquinho quando estão chateados.

Por volta dos três meses os bebês começam a imitar as expressões de quem os cerca, construindo vínculos muito fortes com quem cuidar deles. Isso é especialmente útil para a sobrevivência do bebê, que pela empatia será mais cuidado e protegido, mas é também a base de toda nossa socialidade. Um vídeo mostrando algo parecido viralizou recentemente. Nele um bebê escuta a mãe cantar uma música triste e logo começa a chorar.

Outra habilidade determinante para o desenvolvimento da teoria da mente em humanos ocorre com o desenvolvimento por volta dos três meses da capacidade do foco de atenção. O bebê passa a direcionar todos os seus sentidos para um mesmo foco. Em ambos os casos falo em “por volta dos três meses” porque essa é a tendência central. Alguns bebês podem começar ainda mais cedo, outros demorar um pouco mais, sem fugir da normalidade. Ficar atento a estes sinais, no entanto, pode ajudar no diagnóstico de alguns problemas, como o espectro autista.

Como eu mencionei no início desse post, só diferimos de outros animais pela qualidade de nossa capacidade de projetar sentimentos. Mesmo assim, observar bebês captando as emoções de quem os cerca demonstra uma habilidade prodigiosa de nossos cérebros. Falando nisso, você assistiu o vídeo do bebê escutando a música? Reparou que quando ele faz cara de choro tendemos a fazer a mesma expressão facial? Mostre o vídeo para alguém e observe acontecer.

A evolução da fofura e o bebê de 2 meses

Da primeira vez que minha esposa deixou nosso bebê para eu cuidar enquanto ela colocou meu macacãozinho preferido nele. Como ficar indiferente àquela coisinha fofa quando ele precisou de mim?

Como resistir? A fofura do bebê pode ser produto da evolução para despertar nosso instinto de proteção e cuidado. (Imagem: bebeequilibrado.com)

A mesma estratégia que minha esposa fez vem sendo repetida pela seleção natural há muitas gerações. Provavelmente toda a aparência de um bebezinho é produto de um longo processo de seleção. Ao que tudo indica, olhos grandes, bochechas redondas, uma cabeçona com boca e nariz pequenos têm um efeito cativante sobre todo ser humano, aumentando a chance de que os donos dessas características sejam protegidos e cuidados.

Em comportamento animal, sempre que um sinal é aproveitado para uma nova finalidade na comunicação, chamamos isso de exploração sensorial. Um exemplo seriam os lebistes. Parece que as fêmeas desse peixe adoram frutinhos alaranjados porque eles possuem um nutriente essencial para elas. Casualmente, alguns machos desenvolveram manchas laranja na cauda e se tornaram os queridinhos das meninas. É provavelmente isso que ocorre com bebês.

Para confirmar basta olhar os bonzinhos e os malvados numa animação do tipo Pokemon. Em geral vilões têm espinhos, olhos pequenos e uma boca com dentes grandes. Os mocinhos, por outro lado, tendem a lembrar a forma de um bebê, sendo roliços e de olhos grandes.

Qual dos personagens acima você diria que é o mocinho e qual é o vilão? Formas arredondadas com cabeça e olhos grandes são naturalmente cativantes. (Imagem: pokemon.com)

Qual dos personagens acima você diria que é o mocinho e qual é o vilão? Formas arredondadas com cabeça e olhos grandes são naturalmente cativantes. (Imagem: pokemon.com)

E como teria evoluído esse padrão? Imaginemos que, por algum motivo essas formas já apelassem a alguns adultos, que houvesse um gene para o gosto pela fofura. Quando seus bebês nasceram eles herdaram essa preferência. Dentre esses bebês, alguns eram mais rechonchudos e tinham olhos maiores, outros não. Imaginemos que exista um gene da fofura também. Os donos das características mais cativantes foram mais bem cuidados e tiveram maiores chances de sobreviver à infância. Por isso eles produziriam filhos igualmente ou mais fofos, mas também teriam maior propensão a cuidar desses bebês. Melhor cuidada, essa segunda geração, ainda mais fofa que a anterior, cresceria mais saudável, melhor cuidada, até chegar a sua vez de ter filhos. Os bebês da terceira geração poderiam nascer até mais fofos que seus pais, que teriam uma grande propensão a proteger esses bebês. E assim por diante.

Perceberam como forma-se uma espiral de evolução explosiva a partir do momento em que esses genes passarem a viajar juntos nos corpos dos bebês? O bebê com genes para ser fofo também carrega os genes para cuidar de seres fofos, potencializando a seleção da fofura ao extremo que temos atualmente. Os evolucionistas, com suas teorias, chamam isso de seleção “runaway”. Pessoalmente, prefiro chamar de cute-cute.

Visão, audição e o bebê de um mês

O mundo sensorial que cerca o bebê muda radicalmente do primeiro mês em diante. Ele, que nasceu altamente dependente do tato e do olfato, vai passar por um grande desenvolvimento da visão e da audição nesse período. Estes dois são os sentidos mais importantes para todo grande primata diurno, daí a importância das mudanças que ocorrem no 2º mês de vida.

A audição dos bebês já nasce bem desenvolvida, mas está praticamente igual à do adulto a partir da 6ª semana de vida. É nesse período que o bebê realiza sua primeira audiometria, ou teste da orelhinha. O pediatra ou fonoaudiologista irá checar se as diferentes frequências de som já são percebidas pelo ouvido, mesmo em volume baixo. Isso é um indicador da atividade da cóclea; sons mais agudos ativam as células sensoriais que ficam na entrada da cóclea; sons mais graves ativam as células sensoriais do fundo desse órgão.

O som atinge o pavilhão (1) e é direcionado ao tímpano (2), nos ossículos do ouvido médio sofre amplificação até chegar à cóclea (3). As células sensoriais no início da cóclea são sensiveis a sons agudos, as do final aos sons graves. Essa informação é levada ao cérebro pelo nervo auditivo (4) (Imagem: Schweiz)

Já a visão ainda tem um longo caminho a percorrer e só estará semelhante à visão de um adulto por volta do 8º mês. Mesmo assim, os progressos do 2º mês de vida são marcantes. Enquanto no primeiro mês o bebê tinha dificuldade em coordenar a movimentação dos dois olhos simultaneamente, o que frequentemente o deixava com um olhar vesgo, agora a coordenação é maior e ele passa a seguir objetos com o olhar. Paralelamente, o campo de foco começa a ultrapassar os 20 cm iniciais, permitindo que o bebê comece a enxergar objetos mais distantes. Isto se deve ao amadurecimento dos músculos oculares, tanto os que movimentam o globo como um todo quanto o que traciona o cristalino.

Anatomia de um olho infantil. (Imagem: oculos.blog.br)

Outra mudança é o amadurecimento da retina. A vitamina A, que era até proibida em produtos estéticos para a gestante, agora pode ser receitada pelo pediatra ao bebê. Essa vitamina irá permear os bastonetes da retina na forma de retinol e melhorar a visão com pouca luz, entre outras funções da vitamina A na pele e mucosas. A percepção de cores primárias pelo bebê irá melhorar, o que pode ser notado pelo crescente interesse pelo móbile, por exemplo, devido a essas mudanças biológicas.

 

Instinto, aprendizado e o recém nascido

Uma das primeiras coisas que todo pai nota em seu bebê é a capacidade de agarrar. Todo bebê segura firmemente com as mãos qualquer coisa que seja posicionada na palma de sua mão. Este comportamento já está presente na hora do parto, mesmo em prematuros, e se mantém até o segundo mês. É um excelente candidato àquele comportamento instintivo, sem nenhum componente aprendido. Só que não.

O reflexo de agarrar emociona os pais pela interação e tem bases evolutivas fundamentais

O reflexo de agarrar emociona os pais pela interação e tem bases evolutivas fundamentais

Os etólogos clássicos descreviam dois comportamentos extremamente simples: o padrão fixo de ação e os atos reflexos. O padrão fixo de ação é a resposta a um determinado fator ambiental conhecido como estímulo-sinal que, depois de desencadeado, não depende mais do ambiente. Ou seja, ao perceber o estímulo-sinal o animal, qualquer que fosse, dispararia o comportamento e seria incapaz de modulá-lo e de interrompê-lo, independente do que ocorresse ao redor. Padrões fixos de ação eram entendidos como comportamentos altamente estereotipados e invariáveis entre indivíduos. Parece combinar com o comportamento de agarrar.

Nos anos 50 a etologia passou por uma mudança de paradigma que propunha que nenhum comportamento é totalmente instintivo nem totalmente aprendido. Na verdade essa distinção é totalmente impossível. Então o que poderia não ser instintivo em se agarrar?

Agarrar-se é um comportamento adaptativo para os bebês de tempos passados, quando não havia carrinhos dobráveis, bebês-conforto ou moisés. Ser levado com a mãe dependia do filhote se agarrar aos pelos dela. Pelos estes que nem mais existem. Como o comportamento de agarrar não causava nenhum prejuízo, a seleção natural não se deu ao trabalho de extirpá-lo do repertório dos nossos bebês. Ele permanece lá como um dente do siso ou um apêndice.

Mesmo assim, o agarrar-se passa por aprendizado. Nos primeiros dias após o parto ele é forte, mas desajeitado, à maneira de alguém puxando outro pelos cabelos. Com o passar das semanas torna-se mais coordenado, com os dedos e o polegar formando um cilindro e tendo maior firmeza, à maneira como seguramos uma lata. A força preênsil vai reduzindo com a aproximação do terceiro mês de vida até que o reflexo desaparece.

O mesmo pode ser dito do reflexo de sucção. É certo que os recém nascidos já têm o costume de sugar o que se lhes ponha na boca. No entanto, qualquer pessoa que já acompanhou uma mãe sabe da dificuldade do aprendizado da chamada pega. O recém nascido frequentemente não sabe ao certo como abocanhar o seio da mãe, surgindo dificuldade em alimentar-se e dor à mãe. É só a prática e a capacidade de aprendizado dos nossos bebês que permite o aumento na eficiência da mamada.

Nem instinto, nem aprendizado. Todo comportamento é uma mescla desses dois componentes indissossiáveis. A grande riqueza do comportamento animal reside na certeza dos comportamentos adaptativos, mas também na flexibilidade que eles mesmos têm para responder rapidamente ao ambiente.