Pensamento de Segunda

“A ciência é tudo aquilo que conseguimos explicar a um computador. Todo o resto é arte.”
Donald Knuth

O opilião aproveitador

ResearchBlogging.org

Naquela manhã no consultório psicanalítico

 

– Ah, que horror! – A doutora, preocupada, correu para a antessala ao ouvir o grito de sua nova secretária. Desde que sua última pedira demissão, apavorada com um tubarão martelo enorme que estava deprimido pelo fim da simbiose de limpeza com uma peixinha recifal, ela decidiu contratar uma estudante de veterinária para o cargo. Pelo menos veterinários seriam mais acostumados à fauna que comparecia ao consultório. Na recepção sua secretária estava de pé sobre a cadeira, com um tamanco na mão pronta para atirá-lo. No outro canto do cômodo uma criatura cheia de longas pernas se encolhia contra a parede com os omatídeos arregalados.

pseudopucrolia

O Sr. Pseudopucrólia sobre o divã da doutora.

Foto de Glauco Machado

 

A terapeuta se colocou entre a secretária e o aracnídeo. – Calma, abaixe o tamanco. Ele é um cliente e é inofensivo. Não é uma aranha, mas um opilião. – Depois voltou-se para o bichinho sorrindo e convidou-o a entrar no consultório. Ela não imaginou que uma veterinária não teria familiaridade com animais menores.

Agora o opilião, um macho cheio de espinhos e bolotas nas pernas posteriores estava seguramente deitado no divã – O que tem a me contar, Sr. Pseudopucrolia? – Perguntou a dra.

– É a danada da culpa, doutora. Não sei mais o que fazer com ela.

– E o que te causa tanta culpa? – A doutora estava com um vestido até os joelhos e os cabelos, meio revoltos, soltos por cima dos ombros. Não havia um cliente que não a achasse linda.

– Doutora, sou um pai dedicado, protejo dos predadores meus futuros filhotes em seus ovos, mas no fundo sei que só estou me aproveitando disso. – O opilião respondeu fazendo um muxoxo de tristeza com as pedipalpos.

– E como é que você se aproveita dos seus filhotes? – A analista perguntou enquanto cruzava as pernas e reclinava o corpo para ouvi-lo melhor.

– Cuido bem dos meus ovinhos, mas é tudo uma desculpa para seduzir as mulheres. Tem um monte de fêmeas que ficam caidinhas por um bom pai e eu me aproveito disso. Desde que consegui minha primeira leva de ovos desta estação reprodutiva já acasalei com outras cinco! – Disse o aracnídeo, gabando-se.

– Entendi. É comum que as fêmeas gostem de rapazes que saibam cuidar bem dos seus filhotes, protegê-los e ajudá-los a sobreviver. Não há do que se envergonhar por ser um bom pai, você não está obrigando elas a nada.  Pode ter certeza de que, enquanto você cuida dos seus ovinhos, elas estão por aí, se alimentando, tem até muitos outros ovos mais para deixar com outros machos, se assim preferirem.

– Exatamente, doutora. Às vezes até invejo os machos sem cria, que passam o dia vadiando, sem ninguém a se preocupar além de si mesmos. Mas tenho certeza que na hora do amor é o meu ninho que estará cheio e eles estarão tristes e solitários. Sabe que tem uns caras que, tamanho o desespero, chegam a roubar os ovos de outros pais para fingir que são seus? Um verdadeiro horror! – Confidenciou o cliente.

– Pois acredito em você. Aliás, isso é mais comum do que o senhor pensa aqui no consultório. – Disse a analista.

– A senhora quer ver uma foto dos meus filhos? Olha que lindos. – O Sr. Pseudopucrolia sacou de um bolso da carteira a foto abaixo. Nada muito visualmente atraente.

 

pseudopucrolia ovos

O bom pai e seus filhinhos

Foto de Glauco Machado

 

-Hum, que gracinha. – Disse a terapeuta sem conseguir disfarçar muito bem o desinteresse.

-Você achou? Quem sabe não gostaria de passar lá em casa um dia desses para conhecê-los melhor? – O opilião estampou um sorriso sedutor nas quelíceras encarando a doutora.

A terapeuta lançou-lhe um olhar de repreensão encaminhando-se à porta. – Estamos conversados por hoje, senhor Pseudopucrolia. Passar bem!

O opilião saiu visivelmente envergonhado do consultório enquanto a doutora dava um profundo suspiro ao notar a escrivaninha da secretária vazia exceto por um bilhete onda a palavra DEMISSÃO podia ser lida à distância.

 

Nazareth, T., & Machado, G. (2010). Mating system and exclusive postzygotic paternal care in a Neotropical harvestman (Arachnida: Opiliones) Animal Behaviour, 79 (3), 547-554 DOI: 10.1016/j.anbehav.2009.11.026

Dispersei

Já está no ar a nova edição do Dispersando, esta especial sobre o incêndio no Butantan. Você que já conhece os textos deste autor pode agora conhecer sua voz! Acesse http://scienceblogs.com.br/dispersando/2010/05/dispersando_especial_-_butanta.php.

Pensamento de segunda

Especial Genoma Artificial!
“É uma grande descoberta científica. Agora temos de entender como ela será implementada no futuro”
Monsenhor Rino Fischella, Academia Pontifícia para a Vida do Vaticano.
“o projeto abre o caminho para a produção de organismos novos”
Craig Venter, um dos autores
“Fingir ser Deus e macaquear seu poder de criação é um risco enorme, que pode levar o homem à barbárie”
Domenico Mogavero, Conferência dos bispos da Itália
Tudo retirado do caderno de Ciência da Folha

Resultado do concurso fotográfico – O Homem e as águas

Algumas semanas atrás eu lancei um concurso fotográfico com o tema “O Homem e as Águas” para premiar com uma cópia do livro Com Quantas Memórias se faz uma Canoa, da Márcia Denadai e colaboradores, oferecido a mim pelo Instituto Costa Brasilis. Abaixo seguem as fotografias recebidas e seus respectivos autores. No final a foto vencedora. Obrigado a todos os participantes e parabéns pelas belas fotos. Em breve mais sorteios, continuem participando.

 

 

Ana Carolina Mascarenhaz

Ana Carolina Mascarenhaz

 

Andre Cury

André Cury

 

Andre Cury2

André Cury

 

Augusto Motta2

Augusto Motta

 

Cecilia Nabuco

Cecília Nabuco

 

Cecilia Nabuco2

Cecília Nabuco

 

Cecilia Nabuco 3

Cecília Nabuco

 

Cristina Brasao

Cristina Brasão

 

Gustavo Mendes

Gustavo Mendes

 

Isis Diniz

Isis Diniz

 

Isis Diniz 2

Isis Diniz

 

Isis Diniz 3

Isis Diniz

 

João Carlos Nunes

João Carlos Nunes

 

João Carlos Nunes 2

João Carlos Nunes

 

José Renato

José Renato Leite

 

Mario Roberto Silva

Mário Roberto Silva

 

Mario Roberto Silva 2

Mário Roberto Silva

 

Luciano

 

Otávio Lacerda

Otávio Laccheti

 

Vania Wernz

Vânia Wernz

 

E a grande campeã

Augusto Motta 1

Augusto Motta

 

Augusto, entro em contato contigo por e-mail para pegar o endereço para te enviar o livro. Parabéns!

A escolha de tornar-se biólogo VI

A escolha de tornar-se biólogo V

Pensamento de Segunda

“Negar tudo e acreditar em tudo são duas verdades igualmente convenientes, te liberam de ter que pensar a respeito.”
Henri Poincaré

Manchetes comentadas 25 – Incendio no Butantan destroi importante coleção zoológica

Aos colegas Kiko Franco, Antônio Brescovit, Otávio Marques e Giusepe Puorto, entre tantos outros

Todos perdemos, mas só vocês têm a exata medida

 

incendio butantan

O que sobrou de uma das salas

Fonte: folha.com.br

 

Ontem no final da manhã estava trabalhando e escutando ao longe o som de uma TV ligada, ruido de fundo, nada que eu estivesse tomando consciência, quando escutei a notícia do incêndio no Instituto Butantan, em São Paulo. A energia no prédio das coleções do Butantan foi desligada para reparos elétricos, na manhã seguinte quando foi religada um incêndio começou e destruiu completamente a coleção que contava com mais de 80 mil serpentes e 500 mil artrópodes. Ainda não é claro se a causa do incêndio foi de fato o reparo elétrico, mas isto não importa muito, apontar culpados não irá resolver o problema. Não consigo imaginar a sensação daqueles cujas vidas dependem da coleção, mas as imagens dos rostos conhecidos na matéria que a TV veiculou é completamente eloquente para mim.

Imagine todos os esforços de uma vida inteira, todo o seu trabalho destruído pelas chamas. Imagine o registro histórico do progresso da zoologia brasileira perdidos para sempre. Imagine o volume de informações depositado numa coleção como esta que em três horas virou fumaça. Imagine um prédio repleto de frascos contendo litros e mais litros de álcool e uma fagulha.

Coleções zoológicas não são o mais compreendido dos ofícios de um biólogo. Eu mesmo me lembro de ficar estarrecido ao acompanhar em campo uma pesquisadora das que perdeu muitos exemplares neste incêndio. A impressão que eu tinha era que ela possuia tantos braços quanto as aranhas que capturava e colocava em frascos de álcool freneticamente. Coleções zoológicas são “conjuntos ordenados de espécimes mortos ou partes corporais destes espécimes, devidamente preservados para estudo” (Segundo o capítulo do Bira, do MZUSP no livro de Taxonomia Zoológica publicado pelo Papavero). Assim, os taxonomistas, estes cientistas que estudam a diversidade da vida, saem a campo coletando animais e os matando para que sua compreensão e descoberta sirvam para salvar a vida de tantos outros da mesma espécie que permanecem na natureza. Um leigo não compreende muito bem isto de matar alguns para preservar os outros, mas é por isso que deixamos aos especialistas cumprirem este papel.

Os animais depositados em uma coleção trazem informações sobre a distribuição das espécies, sua evolução e relação de parentesco, variações entre populações, diversidade faunística de determinadas áreas, habitat, características morfológicas e às vezes até comportamentais. Elas servem de referência a outras coleções e trabalham em uma rede mundial de museus e coleções para permitir o progresso da zoologia. As coleções dependem de um cuidado tremendo com a precisão na coleta de dados e na preservação dos espécimes cujas vidas foram tiradas para servir à ciência e à conservação. Por isso a formação de pessoal para a realização deste trabalho vem sendo incentivada pelo CNPq desde a década de 1970 e ainda há tanto a progredir neste nosso país megadiverso. O maior responsável por estas coleções é o curador, ele é um tipo que lembra a bibliotecária, ciumentíssimo de seu acervo, bravo para fazer cumprir as regras da coleção e muito metódico para manter a ordem naquilo tudo. Por isto ele acaba sendo injustamente criticado: pelo cuidado e carinho que tem por coleções tão ricas em informações como a que se perdeu neste fim de semana. Reside aí o tamanho do buraco que estas três horas de fogo em uma manhã de sábado deixou na ciência brasileira. O volume de informações perdidas nunca mais será retomado, mas fica aqui o apoio deste zoólogo.

A escolha de tornar-se biólogo IV