Uma criança morta é uma tragédia. Cem mil, é estatística


Se eu olho para uma massa [de pessoas], nunca tomarei uma atitude. Se olhar para apenas uma, sim“. A frase de Teresa de Calcutá é citada pelo psicólogo Paul Slovic em seu paper “If I Look at the Mass I Will Never Act” (PDF) sobre o paradoxo da compaixão humana:

“A maior parte das pessoas se importa e fará grandes esforços para salvar vítimas individuais cujo apelo lhe alcance. As mesmas boas pessoas contudo não raro se tornam indiferentes ao apelo de indivíduos que são ‘um entre muitos’ de um problema muito maior. Por que isto ocorre? A resposta a esta questão nos ajudará a responder a questão relacionado que é o tópico deste paper: Por que, ao longo do último século, boas pessoas repetidamente ignoraram assassinatos em massa e genocídios? (…) Isso requer explicações que podem refletir uma deficiência fundamental em nossa humanidade — uma deficiência que, uma vez identificada, talvez possa ser superada”.

Slovic cita estudos psicológicos e de percepção e traça um paralelo interessante. Nossa percepção do mundo através dos sentidos tem uma sensibilidade que pode ser traçada em uma lei de potência. Variações pequenas em estímulos pequenos são muito melhor percebidas que as mesmas variações em estímulos maiores. A maior parte dos controles de volume têm assim uma escala logarítmica, assim você pode achar que o volume dobrou, mas o som em verdade pode estar dezenas de vezes mais intenso. Não se sabe por que nosso sentidos funcionam assim (embora os brasileiros OSame Kinouchi e Mauro Copelli tenham sugerido uma explicação), mas Kahneman e Tversky sugeriram em 1979 que a mesma dessensibilização a estímulos de grande intensidade também poderia ocorrer na formação de decisões. Slovic et al realizaram um estudo em 1997 que documentou a dessensibilização progressiva ao valor da vida humana.

Acima, do paper de Slovic, o gráfico à esquerda traça um modelo do valor que poderia ser dado com relação ao número de vidas em risco salvas se cada vida tivesse o mesmo valor. Já o gráfico do meio assume que quanto maior o número de vidas em risco salvas, maior o valor de cada vida salva porque grandes perdas simultâneas poderiam afetar grandemente a sociedade. Mas a realidade parece ser melhor descrita pelo gráfico à direita. Quanto maior o número de vidas em risco, menor a sensibilização provocada, menor o valor atribuído a cada vida. Diversos estudos citados por Slovic indicam que as pessoas darão mais valor em ajudar um número pequeno de pessoas em meio a uma população pequena do que a um número muito maior de pessoas em uma população maior ainda. Como ele nota, embora possamos ficar comovidos com o sofrimento de uma pessoa, não nos importaremos muito se o número de pessoas salvas em um acidente é de 87 ou 88.
Slovic propõe que esta “deficiência fundamental em nossa humanidade” deve ser superada confiando não apenas em nossas emoções e sentimentos, mas em respostas políticas e institucionais baseadas em análise e argumentos racionais.

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