Martelando com um iPhone

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Como todo bom nerd, sempre adorei desmontar (e, às vezes, montar) coisas, ver como funcionavam. Sempre me orgulhei de ter noções básicas sobre como tudo à minha volta funcionava. Da TV com seu tubo de raios catódicos ao LCD com seu cristal líquido (duh), do aspirador de pó ao sistema mecânico de um carro. Saber como as coisas funcionam não só garante que você não seja um selvagem moderno, rodeado de tecnologias mágicas e incompreensíveis. Se você for um bom nerd, torna-se um prazer em si mesmo apertar um botão e enxergar em sua mente tudo que se desenrola a partir daí.

Para o grupo de pessoas com o conhecimento iniciático nas práticas tecnológicas – nada ocultas – há níveis de conhecimento, claro. Certamente estou em um dos mais baixos, o que deve explicar o choque que tive ao me deparar, já há uns bons anos, com um mouse ótico. Aquele, que você deve estar usando agora mesmo.

Até então era fácil descobrir como um mouse funcionava. Ele era mecânico, com aquela bolinha pesada, com os rolamentos que ficavam sujos. Havia os rituais de limpeza. Era muito simples. E havia uma beleza naquela simplicidade. Você mexe na bolinha. Você pode mexer nos rolamentos e ver o ponteiro do mouse se mexer na tela. Você pode tapar os sensores dentro do mouse e descobrir que o mouse não funciona mais. Você domina mais um encantamento tecnológico. O mouse está sob seu comando.

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Chegou então o mouse ótico. Um mistério. Desmonte um mouse ótico, e você pode se sentir como um selvagem moderno, perdido entre feitiçarias incompreendidas. Como funciona? Onde estão os rolamentos? Bem, ainda há os botões, são os mesmos. Podem ser compreendidos. Ainda há os fios e tudo mais. Mas onde estão os sensores? Desmonte e não encontrará nada compreensível. Como o mouse detecta o movimento? Claro, não era magia, era tecnologia. Mas uma imperscrutável para um simples desmontador de coisas.

Foi só pesquisando na Internet, o oráculo moderno, ainda a 56Kbps, que descobri como o mouse ótico funcionava. Para que serve aquela luz intensa, aquela bolinha que agora é uma pequena lente transparente. E, aqui está o choque. Um novo nível de magias tecnológicas. O mouse ótico não possui nenhum elemento mecânico para detectar o movimento. Desmontar coisas para ver como funcionam só adianta se as coisas forem mecânicas. Como o mouse ótico funciona, afinal?

O que faz o mouse ótico funcionar é um sensor ótico (duh), que grosso modo fotografa a superfície – daí a necessidade de luz própria – a todo o momento, e compara cada imagem capturada com a seguinte para inferir o movimento. O sensor “vê" um buraco em uma imagem, vê então o mesmo buraco mais para baixo na imagem seguinte e infere assim que o mouse se moveu. Para cima.

Isso era possível antes, e poderia ser entendido mesmo por um novo selvagem como eu. Em verdade mesmo o mouse mecânico que eu conhecia incorporava sensores óticos, que eram os que detectavam o movimento dos rolamentos. Não era algo movido a vapor, totalmente mecânico. Mas eram sensores primitivos, compreensíveis, tangíveis.

Já uma “visão artificial” capaz de processar imagens para detectar movimento em tempo real seria algo com certeza caríssimo, extremamente complexo. Algo a muitos anos de distância. Mesmo hoje não é algo trivial. Todavia, como que uma tecnologia extraterrestre, fora de lugar, lá estava em um mouse a preço acessível, em minhas mãos, em um tamanho minúsculo, um “sensor ótico” que funcionava. Um mouse ótico. Como o que deve estar em sua mão agora.

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Como seu mouse ótico vê o mundo

Há toda uma história sobre como o mouse ótico que conhecemos chegou às nossas mãos, e não envolveu discos voadores. Aqui fica apenas em um parágrafo: derivado de tecnologia militar, sua aplicação para consumo doméstico só chegou em 1999, e talvez muitos não saibam que ainda hoje praticamente todos os mouses óticos do mundo têm seu coração (ou cérebro) produzido por uma mesma empresa, a Agilent, que foi onde Gary Gordon desenvolveu o chip original. Ele não possui a inteligência de um HAL, e sua visão é extremamente limitada, lidando com alguns pixels apenas. Mas funciona. Você pode até – com alguns fios a mais no chip – usar seu mouse como um scanner. A Lei de Moore ultrapassou um limiar e subitamente tornou um sofisticado sistema de "visão artificial", todo embutido em um pequeno chip, uma realidade a preço acessível.

O mouse ótico não só funciona como, todos sabemos, funciona muito melhor que um mouse mecânico. Se não bastasse, é hoje mais barato que um sistema mecânico, em tese mais simples. Um nível completamente novo de magia tecnológica: tão sofisticado e complexo que é mais barato. Abençoados sejam os semicondutores e a economia de escala.

O que leva, finalmente ao iPhone. Este objeto de fetiche tecnológico, assim como o Wii e mesmo o Segway, incorpora esse nível mais avançado das artes tecnológicas, que pode aparentar ser mesmo mágico. Gire o enigmático telefone celular para um lado, e a tela responde automaticamente. Movimente o bloco branco do jeito certo, e o personagem do jogo reproduz seus gestos. Strike. Fique de pé sobre duas rodas, e as rodas se equilibrarão sozinhas. Incline-se para a frente, e ao invés de cair, irá para a frente. Não é magia, é tecnologia.

Todos esses incorporam, como o sensor ótico de um mouse, avançados sensores em estado sólido, embutidos em minúsculos e imperscrutáveis chips. Não há pesos pendurados dentro do iPhone balançado para lá e para cá para detectar movimento. Não existem elementais da natureza equilibrando seu Segway. Como exatamente acelerômetros digitais funcionam é algo que você não descobrirá desmontando-os. É preciso consultar o oráculo.

Pois bem, tudo isto, todo este post, para um segundo marco histórico. Uma inútil aplicação para o iPhone: o A-Level. Um nivelador eletrônico. Veja se aquela mesa está mesmo "reta", se aquele quadro não está torto, usando um nivelador virtual completo com a bolinha de ar.

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Um iPhone ainda é muito mais caro que um nivelador, OK. E o A-Level não funciona muito bem — o sensor eletrônico apresenta erros de alguns graus. Ainda não é muito prático usar o objeto de culto para montar aquela prateleira na parede.

Mas não se assuste se, daqui a alguns anos, for mais barato e preciso usar um nivelador eletrônico de um celular, videogame, ou o que for. Produtos que provavelmente já terão incorporados sensores de grande precisão. E como os sensores já estarão lá, as funcionalidades também podem estar acessíveis, bastando um programa para acessá-los.

Neste mundo não tão distante, um nivelador mais preciso do que qualquer um que você compraria hoje pode custar nada. Zero. Novas feitiçarias de um poder muito maior.

Só não poderão ser desmontadas.

Discussão - 3 comentários

  1. Patola disse:

    Tendo sido desenvolvedor profissional de software, devo dizer que muitas vezes eu fui pelo caminho inverso... hahaha... Fazia o software que - por exemplo - reconheceria o caminho através das imagens das irregularidades dada pelo sensor ótico e não sacava nada da parte física ou mecânica...
    Nunca cheguei a programar algo para mouses ópticos, mas fiz algo que era de certo modo parecido com um dispositivo embutido com GPS que era usado em trens, anos atrás. Só depois que eu fiz aprender alguns poucos detalhes de como era a construção física do bicho.

  2. Nilson Rodrigues disse:

    Muito bom texto.

  3. Atsu disse:

    Se achou o mouse otico incrivel, imagina o mouse laser, ele so tem o buraquinho com a lente mas nao emite nenhuma luz visivel 😛 ou o botao direito do mighty mouse da dapple! que nao ta la, mas da pra clicar.

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