A ciência descobre seus limites

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A mais fabulosa descoberta feita pelos cientistas é a própria ciência. A descoberta deve ser comparada em importância à invenção da pintura nas cavernas e da escrita. Como estas criações humanas anteriores, a ciência é uma tentativa de controlar nosso ambiente entrando nele e entendendo-o a partir de dentro. E, como elas, a ciência com certeza representou um passo crítico no desenvolvimento humano que não pode ser revertido. Não podemos conceber uma sociedade futura sem ciência” – Jacob Bronowski

Pois se a mais fabulosa descoberta científica é a própria ciência, de forma auto-referente, este post atrasado para o Carnaval Científico é sobre como a ciência encontrou os limites de seus limites.

Não que antigamente a ciência não tivesse limites, claro. Quase todas as maiores descobertas científicas podem ser interpretadas como a história do encontro de limitações. Nossos ancestrais olhavam para o céu e imaginavam que os astros podiam se mover em qualquer direção aleatória, por exemplo. Mesmo o Sol, que até instintos animais presumem possuir uma enorme regularidade, já foi considerado por muitas culturas como dotado de caprichos arbitrários em seu movimento. E algumas dessas culturas não são nem tão antigas ou alienígenas. Para elas, tudo é possível a seu deus.

Pois bem, uma protociência surgiu há milhares de anos para registrar as limitações do movimento dos astros. Não, os astros não se movimentam aleatoriamente, e sim obedecem a uma regularidade impressionante. Uma regularidade, uma limitação na arbitrariedade de seu movimento tão incrível que era imensurável até há muito pouco tempo. Essa limitação “perfeita” contraditoriamente remeteu alguns outros humanos a associá-la também a um ou mais deuses, mas essa é outra história.

O ponto aqui é concluir o exemplo notando que quando nossa habilidade de registro dos movimentos celestes permitiu descobrir limites suficientemente pequenos, um astrólogo de posse dos dados logo descobriu que a órbita dos planetas não era circular e sim elíptica e também umas tais leis para seu movimento – leia-se limitações. Mas isso não era tudo.

Não muito depois um inglês descobriu que as leis do astrólogo podiam ser derivadas de leis mais gerais do movimento que, veja só, associavam essas limitações precisas no movimento celeste com os fenômenos próximos da superfície de nosso planeta. As limitações rigorosas dos astros se aplicavam a nós, e de fato, a todo o Universo.

Os limites de Newton, contudo, foram muito bem-vindos. Eram leis que impunham ordem no mundo. Foi a mais brilhante de uma série de todo tipo de leis naturais, que ordenaram e ampliaram nosso domínio e conhecimento da natureza, iluminando com certezas o que antes era incerto e ambígüo.

O poder e precisão científicos aumentaram até o ponto em que se descobriram os átomos e suas propriedades, e foram nelas que a ciência descobriu para seu desagrado o terrível princípio da indeterminação. Há um limite para o conhecimento das limitações de como as coisas devem se comportar. A arbitrariedade, o “tudo é possível”, retornava. Ainda que não tão arbitrário – a mecânica quântica não é a mágica mística que permite tudo, e sim a ciência precisa que dita mais limitações, de uma natureza diferente.

É curioso como a física quântica nasceu com a radiação de corpo escuro e formulações matemáticas que levavam a contradições – pela física clássica, um corpo emitiria radiação com energia infinita. Ao solucionar esse problema, abrem-se ao mesmo tempo as portas de um mundo indeterminado além de um certo… limite.

Escrevi que é curioso porque embora ainda hoje ainda se cogite que este limite à limitação da física quântica seja algum mau-entendido – apesar de experimentos sugerindo o contrárioa matemática iria expor um limite fundamental e irrefutável.

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Enquanto a física começava a se deparar com o horror da indeterminação, os matemáticos se abalaram um tanto com os transfinitos de Cantor, mas erigiam ainda assim com a pureza absoluta da lógica formal um programa determinado rumo à perfeição. Ainda, ou exatamente por ser abstrata, a matemática poderia ser o fundamento claro, último e absoluto de qualquer ciência. Encontraríamos todos os seus limites.

Não é coincidência que o triunfo de tal programa se chamasse Principia Mathematica, em referência à obra original de Newton. Leva quase 400 páginas para declarar que 1+1=2, o que dá uma idéia de seu rigor. Mas o programa motivaria um austríaco a descobrir, para sua surpresa, que o Principia não pode provar por si mesmo que é consistente. Ao lidar com si mesmo, a auto-referência pode dar margem a contradições. Ele não poderia jamais ser completo, por maior, complexo ou meticuloso que fosse.

Kurt Gödel descobriu o Teorema da Incompletude (PS), que prova de maneira lógica, formal e irrefutável que há limites para o conhecimento dos limites da mais pura das ciências.

Estamos aqui celebrando um fracasso fundamental da ciência? Pelo contrário. É um atestado poderoso de que a maior descoberta dos cientistas é a própria ciência, capaz de descobrir limites a seus limites, e com isto, o vislumbre de uma infinitude de caminhos a perseguir. Elas indicam que a ciência não só jamais terá fim em seu acúmulo de conhecimento, como os caminhos traçados para tal são… indeterminados.

E essa infinitude indeterminada surge paradoxalmente de uma história do encontro de limitações.

Discussão - 8 comentários

  1. Patola disse:

    Ai, minha cabeça!!!! 🙁

  2. Atila disse:

    clap, clap, clap, clap, clap.

  3. Kentaro, acho que vale a pena dar uma olhada nesses artigos (bastante legiveis):
    arXiv:math/0210035
    On the intelligibility of the universe and the notions of simplicity, complexity and irreducibility
    G.J. Chaitin (IBM Research)
    arXiv:math/0506552
    Epistemology as Information Theory: From Leibniz to Omega
    G. J. Chaitin (IBM Research)
    Outros aqui:
    http://arxiv.org/find/math/1/au:+Chaitin_G/0/1/0/all/0/1

  4. Carlos Hotta disse:

    Enquanto isso os biólogos muitas vezes ficam querendo observar todos os cisnes do mundo à procura de cisnes pretos...
    A propósito, saiu o resultado do sorteio do livro
    http://www.ediouro.com.br/as100maioresdescobertas/
    Veja em:
    http://lablogatorios.com.br/raiox/2008/10/18/e-os-ganhadores-dos-livros-foram/
    Valeu pela participação!

  5. Fumachi disse:

    Concluo, da mesma que concluíram algum tempo... "Então, Deus existe!"
    Para nós da ciência, que fazemos ciência conhecemos os limites; limites esses apenas espacial!
    Espacial no sentido de dimensões, estamos num emaranhado quântico de diversas dimensões e, podemos assim, conhecer uma parte do conhecimento.
    Mas garanto que a matemática e física são ciências que possuem um grande campo de atuação, até mesmo em outras dimensões!
    Pode ser que ela não seja chamada de matemática, mas terá um formalismo e lógica características...
    O mundo é feito por números e o Grande Deus é um grande matemático!
    Então nós da matematica estamos mais próximos de Deus do que outros! rsrsrs
    Apenas para descontrair
    Abraço

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