Pedalternorotandomovens Centroculatus Articulosus

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“O Pedalternorotandomovens Centroculatus Articulosus foi criado (generatiospontanea!) a partir da insatisfação com o fato de que na natureza não há criaturas em forma de roda capazes de se mover rolando. A criatura mostrada aqui, conhecida popularmente como ‘Enrolado’ [Wentelteefje] é uma tentativa de preencher esta necessidade profundamente sentida. Suas características biológicas são incertas: seria um mamífero, um réptil ou um inseto? Ele tem um corpo alongado consistindo de placas articuladas com chifres e três pares de pernas, que terminam em pés similares aos pés humanos. No meio da cabeça arredondada e gorda, que tem um bico bem curvado, há dois olhos protuberantes, fixos em hastes e estendendo-se de cada lado da cabeça. Quando está desenrolada, a criatura é capaz de se mover em qualquer substrato vagarosa e cuidadosamente, usando suas seis pernas (se necessário, ela pode subir e descer escadas, penetrar mata densa ou escalar rochas). No entanto, assim que precisa viajar qualquer distância em um caminho relativamente livre, ela empurra sua cabeça para baixo, enrola-se tão rápido quanto um raio, embalando-se com seus pés, se estes ainda estiverem tocando o chão. Quando está enrolada ela tem a aparência de um disco, no qual o pivô central é formado pelos olhos nas hastes. Ao impulsionar-se sucessivamente com cada um de seus três pares de pernas, a criatura pode atingir uma alta velocidade. Enquanto rola, ela pode retrair suas pernas o quanto desejar (por exemplo, ao descer uma ladeira) e assim rolar livremente. Quando necessário, é capaz de voltar à posição para andar de duas formas: seja abruptamente ao estender seu corpo de forma repentina, mas então ela acaba com as pernas para o ar, ou gradualmente ao reduzir sua velocidade (usando suas pernas como freio) e lentamente se desenrolando de volta enquanto para”.

De M.C. Escher, litografia de novembro de 1951

Mal sabia Escher que a natureza já havia criado seu Pedalternorotandomovens Centroculatus Articulosus. Sem “generatiospontanea”, como fruto da sempre surpreendente evolução. E várias vezes. Read on para descobrir como a natureza inventou a roda.

Tatus-bola e outras armaduras

Calma, este artigo não é tão insosso para apresentar tatus-bola (Armadillidium) como grandes maravilhas da natureza. Por mais que o sejam. Eles são capazes de se transformar em esferas quase perfeitas que podem rolar por aí, é bem verdade, e quase todos já devem ter brincado com eles. Também há o próprio Tatu, ou o Porco-espinho, e muitos outros animais incluindo o Pangolim, todos capazes de se enrolar em espécie de bolas para proteger-se. Para proteger-se.

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[ Não é o Firefox, é o
Pangolim ] 

E é aqui que está o detalhe que faz a genialidade de Escher, que devia conhecer tatus. Sua criatura imaginária se transforma em uma roda para se mover, não apenas para proteção, cobrindo assim grandes distâncias a alta velocidade. O formato discóide é adotado porque é de fato uma roda, auxiliando no deslocamento com pouca fricção sobre superfícies planas. Como bônus, as criaturas de Escher também usam suas pernas ou corpo para conseguir impulso e continuar rolando. Você conhece algum animal assim?

Escher não conhecia, tanto que achou necessário inventar um. A natureza chegou na sua frente, embora a ciência só tenha registrado tais criaturas anos depois de Escher imaginá-las.

Carparachne aureoflava

Aranhas no deserto da Namíbia (Carparachne aureoflava) não têm uma vida fácil. Elas não produzem teias, e sua defesa consiste em se enterrar a quase meio metro de profundidade. Para uma aranha de apenas 2 centímetros, é um enorme trabalho. Se sua vida é difícil, sua morte pode ser terrível, porque marimbondos predadores também são exímios cavadores de areia e podem chegar até elas com um objetivo tenebroso: paralisar o aracnídeo e injetar ovos em seu interior. A aranha, ainda viva mas paralisada, é então enterrada pelo marimbondo para servir de alimento à cria.

Para escapar deste fim terrível, a aranha tem mais um mecanismo de defesa. Se tiver construído sua fortaleza subterrânea no alto de uma duna, quando se vê vulnerável a aranha simplesmente se transforma em uma roda com suas pernas e sai rolando ladeira abaixo, muito mais rápido do que jamais seria capaz de correr de maneira convencional. Roda até 20 vezes por segundo, alcançando uma velocidade de 1 m/s. Para uma aranha de 2 centímetros, é uma velocidade formidável.

E é a concretização de um animal capaz de se mover cuidadosamente com suas pernas ou, quando necessário, transformar-se em uma roda e rolar, para viajar a grande distância em pouco tempo. Bem como Escher havia imaginado. Você confere outro vídeo muito bom, em inglês mas com imagens claras, em “Buggin’ with Ruud: Golden Wheel Spider“.

Incrivelmente, contudo, há uma criatura real que é quase exatamente como Escher imaginou.

Nannosquilla decemspinosa

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O comportamento deste pequeno crustáceo marinho, Nannosquilla decemspinosa, foi descrito inicialmente em 1979 por Roy Caldwell. É uma criatura tão pequena e tão franzina que é incapaz de andar em terra firme, o que é um problema quando o oceano a lança nas praias. Problema resolvido com algo da genialidade de Escher, mas desenvolvido através da evolução natural. Como se vê no diagrama acima, o crustáceo é capaz de enrolar-se em si mesmo, e ao fazê-lo repetidamente – em até 40 movimentos rápidos -, dando “saltos mortais” (porque, note bem, ele está girando de costas), efetivamente funciona como uma roda auto-propelida.

Ao final, a N. decemspinosa de apenas 25 mm consegue se mover até 2 metros em terra firme, chegando a 72 saltos por minuto. Estima-se que no processo, ela funciona como uma roda verdadeira 40% do tempo, o restante consistindo nos passos tomados para impulsionar a rolagem.

Lástima das lástimas, não encontrei nenhum vídeo da criatura rolando. Mas, do exoesqueleto ao comportamento, é a criatura de Escher vivendo há milhões de anos, comprovando na natureza algo que a genialidade do holandês criou em imaginação. Escher daria um bom relojoeiro, ainda que a natureza já conte com seus relojoeiros cegos muito competentes.

Mais rodas na natureza

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Impressionado? Ou não? Gostaria de ver uma roda como a de um carro, com eixo livre? Embora não haja (ou pelo menos, não se conheçam) grandes organismos com tais tipos de rodas, em nível microscópico você as encontrará aos montes, pois bactérias possuem flagelos que giram para impulsionar o organismo. E giram presos a uma espécie de “roda” em escala molecular. Em torno de metade de todas as bactérias conhecidas têm pelo menos um flagellum, e como Andrew Goldsworthy nota, “longe da natureza não ter inventado a roda, dado o grande número de bactérias em existência, há provavelmente mais rodas no mundo do que qualquer outra forma de locomoção”.

Por que a roda não é comum em grandes animais? A resposta simples é que a roda simplesmente não é tão útil quanto parece sem uma outra grande invenção: a estrada. Na maior parte dos terrenos, pernas como as que os animais desenvolveram são muito mais eficientes, e isso levou ao abandono da roda mesmo em sociedades humanas – com o colapso do Império Romano e a decadência de sua rede de estradas, carroças logo deram lugar a camelos, enquanto alguns povos pré-colombianos conheciam a roda, mas apenas como brinquedos, preferindo lhamas para o transporte de carga entre as montanhas.

Por que então animais não inventaram a roda e a construção e manutenção de estradas? Leia mais em um ensaio de Richard Dawkins: E então, por que animais não têm rodas?

Bônus

O escaravelho, ou bosteiro, é famoso por não só se alimentar de fezes, como por rolar esferas de fezes. É, de certa forma, uma roda, com menor fricão, permitindo que role grandes volumes e pesos com menor esforço. Ele foi a inspiração para o jogo japonês psicodélico e sem sentido, Katamari Damacy (que não envolve fezes):

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Há muitos exemplos na ficção de criaturas capazes de rolar, um dos mais recentes são os Destroyer Droids (Droidekas) de Star Wars.

Vale notar também que há vários outros animais reais capazes de se transformar em discos ou esferas que não mencionamos aqui. Também há relatos recentes de que o Pangolim, além de usar sua carapaça quase esférica para proteção, também teria sido visto se esticando pouco a pouco, impulsionando a si mesmo e rolando para fugir do perigo. Não é apenas sua semelhança com o Firefox que o faz interessante.

– – –

Confira mais nos links:

Scarab beetles at the interface of wheel invention in nature and culture?

Real Wheel Animal – Part One

Real Wheel Animals – Part Two

Rotation in living systems

The Stomatopod and the Wheel

[Este post foi inspirado pelo Hotta, que indicou o vídeo da aranha na Namíbia]

Discussão - 2 comentários

  1. "marimbondos predadores também são exímios cavadores de areia e podem chegar até elas com um objetivo tenebroso: paralisar o aracnídeo e injetar ovos em seu interior. A aranha, ainda viva mas paralisada, é então enterrada pelo marimbondo para servir de alimento à cria"
    O programa infantil Cocoricó tem um vídeo chamado "Mistério na Teia" em que contam essa história:
    http://muriloq.com/blog/2008/09/misterio-na-teia-cocorico/

  2. raph disse:

    Parabéns, já leio seus sites a tempos sem perceber que se tratavam todos da mesma pessoa: o Ceticismo Aberto eu já tenho link direto no meu blog, mas as vezes tb lia o Dúvida Razoável e agora descobri esse que tb é excelente.
    Esse post em específico é muito bom, ceticismo e deslumbramento com a natureza na medida certa.
    Vale lembrar que sou espiritualista, e tb amigo do Del Debbio :p
    Abs
    raph

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