Os Epiciclos Ptolemaicos de Homer Simpson

Uma noite de observação do céu estrelado basta para perceber que tudo está em movimento. O vídeo acima em time-lapse registra o céu em movimento (clique para mais), oferecendo a noção muito clara de uma abóbada celeste girando ao nosso redor. Além de vídeos em lapso de tempo, uma fotografia em longa exposição também ilustra o círculo celeste.

StarRotation

Mas nem todos corpos brilhando no céu acompanham o giro da abóbada celeste. Há um pequeno número de objetos que teima em vagar pelo céu de forma diferente. Chamados de vagantes, ou planetai em grego, são o que conhecemos como planetas. Planetas que, pasmem, podem até reverter seu movimento no céu! Confira abaixo uma animação de Marte em movimento retrógrado.

Apparent_retrograde_motion_of_Mars_in_2003

Se a perfeição do círculo poderia descrever o movimento da abóbada celeste, como encarar estes corpos subversivos, ou melhor, retrógrados? Era algo um tanto inconveniente para a concepção Aristotélica do Universo. Mas nem tudo estava perdido. Os antigos perceberam que apesar de diferente, mesmo o movimento dos planetas era regular e obedecia a ciclos. E através da matemática conseguiram desenvolver um sistema astronômico que podia explicar e mesmo prever o movimento dos planetas com razoável precisão… preservando a perfeição do movimento circular mesmo para os planetas!

Era o sistema Ptolemaico, formalizado há dois mil anos por Ptolomeu no Almagesto, e o truque foi considerar círculos dentro de círculos, ou epiciclos. A animação abaixo ilustra como um corpo girando em um círculo menor em torno de um círculo maior poderia explicar mesmo o movimento retrógrado visto da Terra:

epicycmov

O sistema Ptolemaico foi utilizado por mais de mil anos para entender o céu, e conta-se* que à medida que as observações da órbita dos planetas se tornavam mais precisas, se tornava necessário adicionar epiciclos para acomodar as diferenças entre o sistema e a observação, ao ponto em que para cada planeta, seriam necessários até 60 epiciclos para descrever seu movimento!

Mesmo quando Copérnico lançou o primeiro golpe contra o sistema Ptolemaico, tirando a Terra do centro do Universo e colocando em seu lugar o Sol, ele também se valeu de epiciclos. A Terra giraria em círculos ao redor de círculos ao redor do Sol. É interessante notar que foi mais fácil demover a Terra do centro da criação do que abolir a idéia de círculos. E aqui está todo o motivo do post: Homer Simpson. O truque dos epiciclos usado pelos antigos realmente pode explicar a órbita dos planetas, mesmo hoje, com qualquer precisão desejada, porque adicionando epiciclos à vontade, pode-se descrever qualquer tipo de órbita. Incluindo a órbita de Homer Simpson:

É algo incrível, quase hipnotizante, completamente produzido por círculos, que são capazes de codificar qualquer desenho regular, bastando adicionar mais e mais epiciclos.

“Adicionar epiciclos” se tornou uma expressão associada a complicar uma teoria, acrescentando detalhes aqui e acolá a cada nova descoberta para preservar a idéia pré-concebida – hipóteses ad hoc. A órbita de Homer Simpson demonstra como o sistema Ptolemaico poderia ser “salvo” ainda que Marte desenhasse um personagem de desenho animado pelo Universo; e o que pode explicar tudo, não difere muito daquilo que não explica realmente nada.

Foi apenas Kepler, com base nos dados mais precisos de Brahe, que finalmente abandonou os círculos perfeitos e descobriu a órbita elíptica dos planetas, algo que Newton finalmente demonstraria com base matemática através do Cálculo, das leis do movimento e a tal da gravitação universal. Os planetas não giram em círculos ao redor de círculos ao redor de círculos, ad infinitum, e sim em elipses governadas por equações simples e universais iguais às que fazem uma maçã cair.

Ou não tão simples, uma vez que se considere a Teoria da Relatividade, e ao final, algo que sequer desenvolvemos a contento: a gravidade quântica. Não é tanto coincidência que em busca do refinamento máximo a estas idéias esteja a teoria de supercordas, criticada por alguns como “adicionando epiciclos” em sua formulação cada vez mais complexa envolvendo múltiplas e múltiplas dimensões.

Será que algum dia riremos de supercordas desenhando Homer Simpsons?

– – –

* Há controvérsias sobre a superioridade do sistema de Copérnico sobre o de Ptolomeu, incluindo sobre o número de epiciclos propostos. Curiosamente há defensores do sistema Ptolemaico ainda hoje.

Mais:

Discussão - 5 comentários

  1. Patola disse:

    Fantástico.
    Quando é que sai seu livro, Mori? Seria um ótimo presente para amigos desacostumados com o espírito crítico e leis que governam a realidade.

  2. Kentaro Mori disse:

    Sempre, obrigado pelo apoio, Patola! Algo nessa linha pode se concretizar em breve!

  3. Igor Santos disse:

    É ilusão minha ou o centro da imagem (time lapse) parece se mover mais rápido que as bordas?
    E eu não engulo essa de poder descrever qualquer tipo de órbita. Falta um dedo na mão esquerda.

  4. Maria Alves disse:

    Na antiguidade os nomes planetas estavam ligados aos nomes de Deuses, porém acredito fosse mais por superstições do que por conhecimento. Hoje as pessoas acreditam nesse tipo ligação, portanto não existe uma crença que defina essa comparação.

  5. Carla Martinelli disse:

    Os nomes dos Deuses eram dados aos dias da semana devido a importância que os dias tinham na vida dos indivíduos.

Deixe um comentário para Patola Cancelar resposta

Seu e-mail não será divulgado. (*) Campos obrigatórios.

Sobre ScienceBlogs Brasil | Anuncie com ScienceBlogs Brasil | Política de Privacidade | Termos e Condições | Contato


ScienceBlogs por Seed Media Group. Group. ©2006-2011 Seed Media Group LLC. Todos direitos garantidos.


Páginas da Seed Media Group Seed Media Group | ScienceBlogs | SEEDMAGAZINE.COM