A Humanidade não merece ir à Lua (V)

Como negar a beleza das explosões que podem ser vistas acima? É impossível. São fabulosos fogos de artifício. E o são em escala – e potência – nunca vistas, porque são alguns dos poucos testes nucleares realizados no espaço. Mais detalhes da breve história das “bombas do arco-íris” podem ser conferidos no excelente documentário “Nukes in Space”, do premiado cineasta Peter Kuran.

O preço que pagamos por esta pirotecnia nuclear no espaço são seus produtos radioativos dispersados pela atmosfera: alguns átomos liberados nestas explosões bem podem fazer parte de seu corpo neste exato momento. Como você pode imaginar, não são muito saudáveis.

Beleza e terror. Nós ainda estamos falando da conquista espacial.

Eu gostaria de escrever aqui que a visão grandiosa de Wernher von Braun para o futuro da humanidade no espaço era não apenas mais ambiciosa e confiante que a de Kennedy, como também antecipava e reforçava sua mensagem conciliadora. Que mesmo antes de se virem pressionados pelo Sputnik e por Gagarin, os americanos se lançariam na conquista espacial pelas “novas esperanças de conhecimento e paz” que residem no céu infinito. Infelizmente, não foi o que ocorreu.

“Nos próximos dez ou 15 anos, a Terra terá um novo acompanhante nos céus, um satélite artificial que pode ser tanto a maior força pela paz já construída, ou uma das mais terríveis armas de guerra – dependendo de quem o construir e controlar”.

Era assim que começava a série de artigos de von Braun na Collier’s. Na gênese da visão inspiradora que nos prometeu o Universo em 1952, já estava lá o ultimato de que a conquista espacial deveria ser levada à frente pelo medo, sob o espectro da aniquilação nuclear.

Quando lembramos que a Guerra Fria foi o maior dilema do prisioneiro e como a própria conquista da Lua envolvia de início planos de plataformas para destruir a Terra, estávamos nos referindo a planos promovidos entre outros pelo mesmo von Braun. Afinal, era o antigo cientista de Adolf Hitler que mirava as estrelas, mas como o humorista Mort Sahl brincou, às vezes acertava Londres.

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Wernher von Braun e sua visão na Collier’s talvez representem perfeitamente a história da conquista espacial no século 20, em todas suas contradições, em tudo aquilo que pode haver de melhor e pior em nossa natureza. Somos tanto inspirados pela esperança quanto motivados pelo medo, e quanto maiores os desafios, maiores as esperanças, maiores os medos.

Neste paradoxo aparente, é contudo muito mais comum que finalmente nos comprometamos com ação em projetos onerosos quando nos vemos forçados pelo medo. Ou pelo menos, a história da conquista, da própria corrida espacial é uma longa história de dilemas do prisioneiro. O paradoxo se desfaz quando notamos que é este medo que nos levou a investir na esperança de grandes conquistas.

Porque, como vimos, economicamente algo como o Concorde, e muito menos a conquista da Lua, não fazem sentido. Era preciso algo mais para que nos dedicássemos a eles. E em nossa natureza humana, de macacos dotados de ciência e tecnologia, a esperança por si só não é, ou não foi suficiente para levar à frente tais sonhos. Ao final, foi o medo que motivou a esperança.

“Lá onde cresce o perigo, cresce também o que salva”, menciona o filósofo francês Edgar Morin como um princípio de esperança. “De um modo trágico, quanto mais nos aproximarmos do perigo, mais teremos chances de sair dele, mas aumentarão também mais os riscos de nele mergulhar”.

Nossa breve estada em nosso satélite natural foi um dos sobressaltos mais fantásticos produzidos por uma das eras em que mais nos aproximamos de mergulhar no terror do apocalipse nuclear. Foi tanto a antecipação de um empreendimento que talvez só se torne economicamente viável neste século – ou no próximo – e que determinará a continuidade de nossa civilização a longo prazo, quanto um dos encontros mais próximos com o simples fim de tudo.

Esta é a história a lembrar a partir da pegada de Neil Armstrong. E com uma história assim, a humanidade não merece ir à Lua. Ciência e tecnologia nos oferecem o Universo infinito, mas como macacos nos preocupa muito mais o que outros macacos andam fazendo. Acabamos todos prisioneiros do poço gravitacional terrestre.

Com uma história assim, a humanidade não merece ir à Lua.

Conseguiremos nos livrar de todos estes dilemas? Depois de toda uma série de textos pretendendo mostrar por que não merecemos ir à Lua, não poderíamos parar aqui em tom fúnebre. Ou talvez pelo tom apocalíptico, nos sejam despertados os sonhos, afinal, este que escreve aqui é também um macaco.

Encerraremos esta série a seguir com as esperanças de que mereçamos voltar à Lua, e consigamos alcançar as estrelas – sem precisar encarar o abismo.

Discussão - 3 comentários

  1. Luís Brudna disse:

    Falta um ´menu´ de navegação entre os textos.

  2. Dônovan disse:

    Muito bom... texto muito bem embasado e escrito. A escolha dos vídeos foi ótimo, principalmente o ultimo com nosso amigo macaco...
    Realmente... vc se superou KM.

  3. André disse:

    Não creio que você fique ofendido, talvez encabulado. Mas preciso dizer, não vejo uma diferença tão grande entre os teus textos e os do DelDebbio. Ambos mostram o que a humanidade deveria ser, e como ela está. Abraço.

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