O Fiasco da Inteligência

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rb2_large_gray1 Em um futuro distante, a humanidade finalmente descobre sinais de uma civilização alienígena no planeta “Quinta” próximo de Beta Harpiae, e uma ambiciosa missão é enviada para estabelecer contato. Mas este é um romance de Stanislaw Lem, “Fiasco” (1987), e a história é muito diferente dos lugares comuns da ficção científica.

Depois de vencer as enormes distâncias, a missão se depara com um pequeno problema: os alienígenas não estão minimamente interessados em estabelecer contato. Descobre-se que, de certa forma, pior do que encontrar uma civilização alienígena hostil é encontrar uma civilização alienígena completamente indiferente à existência da humanidade. O oposto do amor não é o ódio, é a indiferença.

Com o orgulho mais do que ferido, os humanos da missão não se contentarão até cumprir o objetivo tão simples de estabelecer “contato”. Tomarão medidas cada vez mais drásticas para chamar a atenção dos Quintanos, completamente alheios ao fato de que os Quintanos, como alienígenas, simplesmente pensam de forma alienígena.

O final do romance é o fiasco do título, enquanto o protagonista finalmente descobre por que os ETs não receberam os humanos de braços abertos, no tão almejado e presumivelmente simples “contato”.

Provocador como possa ser, e leitura mais do que recomendada, não é preciso viajar até Beta Harpiae para encontrar inteligências diferentes da nossa.

 

Cérebros de Passarinho

Incrivelmente, uma destas inteligências superiores é a dos pombos. Em um trabalho publicado recentemente, Walter Hebranson e Julia Schroder demonstraram como pombas comuns (Columba livia) podem aprender a melhor tática para o problema de Monty Hall muito mais rapidamente que os tais orgulhosos seres humanos, que de fato podem jamais adotar a melhor estratégia.

Isso ocorre porque o problema de Monty Hall é literalmente uma “pegadinha” com um resultado contra-intuitivo. Já escrevi sobre o tema em um texto anterior, mas basicamente envolve três portas, uma das quais tem um prêmio. Você escolhe uma porta, e então uma das outras duas portas, que não contém o prêmio, é aberta. Finalmente vem a pergunta que testará se sua inteligência é superior à de um pombo: é vantajoso trocar a porta que você escolheu inicialmente pela porta que restou?

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A maioria das pessoas utilizará parte de seus 100 bilhões de neurônios e concluirá que, restando duas portas, apenas uma das quais tem o prêmio, as chances de que qualquer uma delas seja a premiada é de 50%. Não faria diferença trocar ou não de porta.

E é aqui que pombos, com seus cérebros menores que uma noz, o humilharão. Treinados no experimento de Hebranson e Schroder, onde o prêmio era algo tão simples como alpiste, eles ajustaram sua estratégia para a melhor resposta, que é… trocar. Porque no problema de Monty Hall, ao trocar você terá o dobro de chances de levar o prêmio. Se permanecer com a escolha inicial, terá apenas 1/3 de chances de ganhar. Se isto lhe parece absurdo, confira o texto, ou experimente simular o problema milhares de vezes aqui, aqui ou aqui, porque este é um resultado tão matematicamente certo quanto 1+1=2.

Pombos não são, claro, realmente mais inteligentes que eu ou você, esta foi apenas uma provocação. Porém neste caso específico, apesar ou exatamente por causa de sua inteligência limitada, foram capazes de perceber após muitas e muitas tentativas que trocar é a melhor estratégia. Um ser humano é capaz de dar uma resposta – errada – antes mesmo de qualquer tentativa, simplesmente porque é capaz de modelar o problema mentalmente e aplicar raciocínios lógicos. Ainda que incorretos.

A lição fabulosa está neste trecho do sumário do trabalho:

“A replicação do procedimento com participantes humanos mostrou que os humanos falharam em adotar estratégia ótimas, mesmo com extenso treinamento”.

Isto é, presos à modelagem mental de que somos capazes com nosso fabuloso cérebro mesmo antes de uma única tentativa, podemos deixar de perceber que ela está incorreta mesmo após inúmeras tentativas reais que deveriam deixar isto claro. A pesquisa ainda indicou algo fascinante: “participantes humanos” mais jovens se saíram melhor que os mais velhos, talvez mais propensos a observar os resultados do experimento do que confiar em seu julgamento prévio.

Alguns poderiam dizer que jovens têm um cérebro mais parecido com o de um “passarinho”, ao que um jovem poderia responder que na mesma medida em que um “passarinho” pode ser mais inteligente que um ser humano.

Antes de louvar as pombas, ou mesmo esta abordagem simplista centrada unicamente na observação de resultados, contudo, vale lembrar que pombas também podem desenvolver comportamentos “supersticiosos”, sem ao que sabemos jamais refletir sobre o que estão realmente fazendo. O equilíbrio da dedução, observação e indução em busca dos melhores resultados pode ser visto justamente como o objetivo do método científico aplicado.

 

O Dilema dos Camundongos

Em outro trabalho recente atingindo diretamente nosso orgulho humano, pesquisadores portugueses demonstraram que ratos de laboratório também conseguem “resolver” o famoso dilema do prisioneiro, adotando estratégias ótimas de acordo com a estratégia de seus pares. A descrição clássica do dilema:

“Dois suspeitos, A e B, são presos pela polícia. A polícia não tem provas suficientes para condená-los, mas, mantendo os prisioneiros separados, oferece a ambos o mesmo acordo: se um dos prisioneiros, confessando, testemunhar contra o outro e esse outro permanecer em silêncio, o que delatou sai livre enquanto o cúmplice silencioso cumpre 10 anos de sentença. Se ambos ficarem em silêncio, a polícia só pode condená-los a 6 meses de cadeia cada um. Se ambos traírem o comparsa, cada um passará 5 anos na cadeia. Cada prisioneiro faz a sua decisão sem saber que decisão o outro vai tomar, e nenhum tem certeza da decisão do outro”.

A solução ao dilema simples não é muito “bonita”: trair é a resposta, porque na melhor das hipóteses se sai livre, na pior cumprem-se cinco anos. Silencie e na melhor das hipóteses cumprem-se seis meses, e na pior, dez anos. Trair é a resposta.

Se isto não parece “bonito”, isto curiosamente pode se dever ao fato de que o dilema do prisioneiro, como apresentado acima, raramente ocorre dessa forma. Ou melhor, dilemas muito similares podem sim se apresentar, com a pequena diferença de que se podem se apresentar diversas vezes, de forma imprevisível. Seria o dilema do prisioneiro iterado, e nele, a melhor estratégia… é a “bonita” cooperação.

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E foi isto que os ratos de laboratório no experimento português aprenderam. O estudo demonstra que “os ratos possuem as capacidades cognitivas necessárias para a cooperação baseada em reciprocidade emergir no contexto do dilema do prisioneiro”.

Uma demonstração de implicações fantásticas. Um detalhe, no entanto, me pareceu outra lição fabulosa, que também pinçamos do sumário:

“Mostramos que o comportamento dos ratos é dependente de seu estado motivacional (faminto versus saciado)”.

Isto é, os pesquisadores notaram que em experimentos anteriores ratos haviam falhado em desenvolver estratégias mais sofisticadas, incluindo a cooperação, e sugerem que isso pode ter se devido ao fato de que em tais estudos os ratos estavam famintos. Em seus testes, os ratos portugueses estavam devidamente saciados e puderam assim se dar ao luxo de experimentar e desenvolver diferentes estratégias.

O detalhe de desenvolver o experimento levando em conta a saciedade dos ratinhos é genial, óbvio em retrospecto, e lembra um discurso de Richard Feynman sobre o esmero necessário no desenvolvimento da ciência.

 

Obrigado pelos Peixes

Depois de ciência fascinante, do tipo que parece se relacionar diretamente com questões das mais relevantes a nós, não poderia deixar de retornar à ficção científica da melhor qualidade e lembrar de Douglas Adams e como em seu fabuloso Universo <SPOILER!>ratos de laboratório são as protrusões físicas em nossa dimensão de uma raça de seres pandimensionais hiper-inteligentes que construíram a Terra, sendo assim os seres mais inteligentes no planeta. Pensamos que os usamos como cobaias em experimentos, mas em verdade são eles que nos usam em seu grande experimento para a Questão da Vida, o Universo e Tudo Mais.</SPOILER!>

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Comédia, evidente, mas que ratos sejam capazes de desenvolver estratégias de cooperação até então vistas em orgulhosos seres humanos deve provocar questionamentos sobre se o que consideramos “bonito”, a cooperação, é algo que advém de uma moral contida em um manuscrito religioso de quase dois mil anos, ou se pode ser melhor explicada por processos evolutivos muito mais antigos. Processo que nossos parentes camundongos, não tão distantes de nós, também partilham e podem exibir, mesmo sem ter contato com qualquer Messias roedor.

Podem ser, como os pombos, tão ou até mais “inteligentes” que nós, embora de formas diferentes. Ao menos quando não estão famintos. [via Not Exactly Rocket Science e The Scientist, imagem do Jumping Brain de Emilio Garcia]

– – –

  • Herbranson, W., & Schroeder, J. (2010). Are birds smarter than mathematicians? Pigeons (Columba livia) perform optimally on a version of the Monty Hall Dilemma. Journal of Comparative Psychology, 124 (1), 1-13 DOI: 10.1037/a0017703
  • Viana DS, Gordo I, Sucena E, & Moita MA (2010). Cognitive and motivational requirements for the emergence of cooperation in a rat social game. PloS one, 5 (1) PMID: 20084113

Discussão - 7 comentários

  1. Maximus Gambiarra disse:

    Mori e seus textos excelentes...

  2. Doge disse:

    Excelente como sempre !!

  3. Kentaro Mori disse:

    Obrigado! Sempre enorme motivação ler comentários assim!

  4. Glauciliano disse:

    São os preceitos culturais que conspurcam nosso raciocínio lógico e nos impedem de tomar decisões progressistas.

  5. Como se dariam Beethoven, Picasso e Shakespeare nesse teste?

  6. Custei a entender o problema. Na primeira escolha, há uma chance em três (1/3 = 33%) de ganhar o prêmio e duas chances em três (2/3 = 66%) em perdê-lo.
    Quando a pessoa muda de lugar, está trocando a probabilidade de 1/3 para 1/2, isto é, de 33% para 50% de ganhar o prêmio, pois a nova decisão é feita apenas com duas portas.
    A resposta ao problema não é tão óbvia, mexe com o senso comum. Além disso há aspectos psicológicos em jogo como superstições, firmeza de opinão, etc.
    Evocando Darwin, o homem foi um pouco além dos pombos na escala evolutiva...

  7. O seu problema foi publicado no site Fórum de Física do IFUFF.
    Vale à pena visitá-lo.
    enlace:
    http://forum.if.uff.br/viewtopic.php?p=6647#6647

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