O Corpo como Máquina

Ou mais do que uma única máquina: o corpo humano como uma indústria, completa com inúmeros sistemas de controle, produção e… operários! Você com certeza já deve ter visto alguma ilustração gráfica utilizando a metáfora de máquinas e linhas de produção para explicar como nosso corpo funciona, e a animação acima, obra do artista alemão Henning Lederer deve ser a primeira versão animada em detalhes, com um toque especial.

No “entrelaçamento entre ciência, cultura, arte e tecnologia”, Lederer rendeu uma homenagem animando o pôster original de Fritz Kahn, “O Homem como um Palácio Industrial”, criado em 1927. Há quase um século, Kahn é a inspiração, senão a fonte direta, para todos os gráficos de homens gigantes com maquinário industrial que conhecemos. Você pode ver a ilustração original clicando na imagem abaixo.

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Kahn, médico berlinense, foi o escritor e ilustrador que popularizou ciência e em particular, descobertas das ciências médicas e biológicas através de livros maravilhosamente ilustrados, indo muito além de simplesmente reduzir a complexidade de sistemas biológicos ao que hoje podem parecer antiquados mecanismos. O caminho inverso também se aplicava, em uma época de extrema confiança no progresso tecnológico Kahn mostrava como diversas estruturas orgânicas incorporavam soluções de engenharia das mais sofisticadas.

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Ao que ainda veja este tipo de ilustração como “reducionista” ou “cartesiana”, deve ser curioso notar que esta arte tenha sido produzida na Alemanha no período entre-guerras. Ainda mais que Fritz Kahn fosse judeu. Seus livros foram banidos e queimados, e o médico, autor e artista fugiu até se abrigar nos EUA, com ajuda de Albert Einstein, em 1941. Inevitável que se associe a visão do corpo humano como máquina aos terrores da máquina genocida do nazismo.

Ao que relembro que Kahn era judeu. E médico. A metáfora do corpo humano como indústria não deve ser banida como um terror nazista. É valiosa justamente por seu entendimento simplificado e intuitivo, e os trabalhos originais de Kahn são de uma beleza incrível. Podem ser adoravelmente antiquados, com rádios-galena e linhas de produção que hoje mesmo poucas indústrias ainda possuem, mas não é que com um pouco de animação por computador até o original de 1927 não se torna divertido e novo para as crianças de hoje?

Descartar os trabalhos de Kahn, isso sim é obra de Hitler. [via Nerdcore]

O Segredo de Gregor Samsa

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Quer algo pior do que uma barata gigante? É você tornar-se uma barata gigante. É uma das obras mais famosas de Franz Kafka, A Metamorfose, onde o autor, digno de um Processo, em verdade nunca diz exatamente no que o protagonista, Gregor Samsa, se transformou. Todos presumimos – ou nos é ensinado! – que Samsa transformou-se em uma barata, mas o termo original em alemão, Ungeziefer, não é nem mesmo rigorosamente traduzível como “inseto”!

Tudo isso já tornaria a apreciação dos muitos significados de “A Metamorfose” mais saborosa – Samsa, além de todos seus problemas é injuriado como uma barata – mas Aberron de Fogonazos há alguns dias blogou sobre algo ainda mais curioso, e que efetua o nexo entre a literatura e a entomologia.

Resulta que ninguém menos que o autor russo Vladimir Nabokov, mais conhecido por escrever sobre outros temas, também era um entomologista! E um estudioso de insetos particularmente dedicado, capaz de, orgulhoso, distinguir espécies através da comparação sob microscópio da genitália dos bichos. O Museu de História Natural de Harvard ainda possui o “gabinete de genitália” de Nabokov. Estendendo-se por fim sobre o russo, o paleontólogo Stephen Jay Gould analisou a relação entre a literatura e a entomologia de Nabokov.

Retornando a Kafka a ao nexo, finalmente: Nabokov lecionou sobre A Metamorfose de Kafka, e não apenas como autor, mas também como entomologista, tentou definir em que tipo de inseto Gregor Samsa se transformou depois de seu “sono agitado”. Da transcrição de sua palestra:

“Muitos falam em barata, o que claro não faz sentido. Uma barata é um inseto achatado com grandes pernas, e Gregor não é nada achatado: é convexo em ambos os lados, barriga e costas, e suas pernas são pequenas. Ele se parece com uma barata em apenas um aspecto: sua cor é marrom. Só isso”.

O que Samsa seria então?

Ele é apenas um grande besouro. (Devo adicionar que nem Gregor nem Kafka viram esse besouro muito claramente)”.

Uma barata, por sua repulsividade, talvez ainda soe mais impactante e absurda no contexto da Metamorfose, mas considere melhor o besouro:

“[Samsa] tem uma enorme barriga convexa dividida em segmentos e costas duras e redondas sugerindo um abrigo para asas. Em besouros esses abrigos escondem pequenas e frágeis asas que podem ser expandidas e então podem levá-lo por quilômetros e quilômetros em um vôo errático. Curiosamente, Gregor o besouro nunca descobriu que possuía asas sob a carapaça dura de suas costas”.

Nabokov completa:

“Esta é uma observação muito boa de minha parte para ser apreciada por todas suas vidas. Alguns Gregors, alguns Joãos e Marias não sabem que possuem asas”.

E é assim que, certa manhã, ao despertar de um sonho inquieto Gregor Samsa havia se transformado em uma criatura capaz de voar, sem no entanto nunca tê-lo percebido. A beleza e o significado disto, intencional ou não, só poderia vir de um entomologista. [via Fogonazos]

Sexo Selvagem com Animal em Extinção

Dificilmente poderia imaginar que algum dia publicaria uma nota intitulada “sexo selvagem com animal em extinção”. O título pode sugerir uma espécie das mais doentias de perversão, mas o que é ainda mais inesperado é que o título descreva acuradamente uma cena de verdadeiro amor e respeito aos animais. Como? Basta assistir ao trecho acima do programa da BBC, “Last Chance to See”.

Na série de documentários britânica, o humorista Stephen Fry e o zoologista Mark Carradine viajam pelos confins do planeta em busca de animais no limiar da extinção – daí o nome da série, grosso modo “Última Chance de Ver”. Foi na Nova Zelândia que se encontraram com o peculiar Kakapo, que significa papagaio noturno em Maori, ou como Douglas Adams o descreveu, “o maior, mais gordo e menos capaz de voar papagaio do mundo”. É realmente muito gordo, pesando até três quilogramas, e suas asas realmente não servem para o vôo. É também uma espécie em risco crítico de extinção: há hoje pouco mais de 100 Kakapos vivos, há vinte anos a população chegou a menos da metade disto. Em todo o planeta.

O Kakapo em especial com que se encontraram era macho, e como Fry brinca, só pensa assim em uma coisa. Ele rapidamente tenta acasalar com o zoologista Mark Carradine. “É a coisa mais engraçada que já vi na vida… você está sendo currado por um papagaio raríssimo”, ri o tempo todo Fry durante a técnica peculiar de cópula do pássaro. Alusões a Monty Python e papagaios mortos, sendo esta a BBC, ainda ficam implícitas.

Ao final vemos como Carradine se machucou um tanto com a brincadeira iniciada espontaneamente pelo raríssimo bicho, mas a primeira coisa que pergunta quando tiram o papagaio de seu pescoço é se ele está bem. Por certo, Carradine pode ter alguns arranhões no pescoço e um pouco menos de dignidade, mas os arranhões saram e a dignidade, brincadeiras à parte, só é maior pelo respeito ao valor de um dos pouco mais de 100 representantes da espécie. Por mais gorda e incapaz de voar que seja, é uma espécie única, e este indivíduo em particular forneceu alguns dos momentos mais divertidos em documentários sobre a natureza em um bom tempo.

A “perversão” do Kakapo é engraçada, mas a GrrlScientist nota que o comportamento não é incomum em pássaros criados em cativeiro, e especialmente entre papagaios. Há assim um lado triste aqui. “Depois de assistir ao vídeo, me pergunto de quantos filhotes este indivíduo já foi pai, porque ele pode nem mesmo ver outros pássaros como parceiros”, pondera a ornitologista. Isto é, como foi provavelmente criado em cativeiro, o estranho amor que expressou por humanos pode ser uma indicação de sua incapacidade de perpetuar a espécie. Um tanto agridoce. [via 3QD]

Greatest Hits: Mitosis y Meiosis

“Vídeos didáticos para ensino e aprendizagem de biologia mediante tecnologias de informação”, oferecidos pelo professor Tomas Perez da Venezuela.

Não esqueça também da meiose!

“Ai, ai, aaaaai, la mitosis…!”

Curso “O que é a Vida?” de Marcelo Gleiser

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“Em dois encontros especiais, o físico Marcelo Gleiser conduzirá um percurso de investigação e reflexão sobre um tema fundamental: a vida. No primeiro encontro, analisará o que é a vida sob o ponto de vista da Biologia moderna – e como é difícil defini-la. Explicará ainda o que sabemos e o que não sabemos da história da vida na Terra, desde as suas origens até a incrível diversidade de hoje. No segundo encontro, o destino é o espaço, quando se discutirá a possibilidade de vida extraterrestre e a diferenciação de vida não inteligente e inteligente. Em seguida, ganham lugar as reflexões sobre as implicações filosóficas da possibilidade de vida extraterrestre e como a sua descoberta mudaria profundamente a História da humanidade.
Início: 03 AGO
Duração: 2 encontros
Dias/horários: Segundas-Feiras, Quartas-Feiras, às 20h (03/08, 05/08)
Valor: R$ 90,00 na inscrição + 1 parcela de R$ 100,00”

Os encontros acontecem na Casa do Saber na Lagoa, RJ. Mais informações no website.

Design Inteligente… Malevolamente Inteligente

DrEvil

“Quando Criacionistas falam de Deus criando toda espécie individual como um ato separado, sempre usam como exemplo beija-flores, ou orquídeas, girassóis e coisas lindas. Eu tendo a pensar ao invés no verme parasita cavando seu caminho através do olho de um garoto sentado no leito de um rio na África Ocidental, [um verme] que cegará a criança. E [eu lhes pergunto], ‘Você está me dizendo que o Deus em que você acredita, que você também diz ser um Deus todo misericordioso, que preza por cada um de nós individualmente, você está dizendo que este Deus criou este verme que não pode viver de qualquer outra forma além do globo ocular de uma criança inocente? Porque isso não me parece coincidir com um Deus cheio de misericórdia”.

É o comentário de Sir David Attenborough quando é frequentemente questionado se seu trabalho e fascinação com as maravilhas naturais o fazem contemplar um criador. Há, no entanto, uma resposta muito simples aos argumentos agnósticos de Attenborough. São as idéias defendidas pelo Dr. Ralph D. Winter, que faleceu recentemente e para quem todas as formas violentas de vida são obra de uma “força maligna inteligente” que busca destruir a criação divina.

“Nossa literatura teológica corrente, até onde sei, não considera seriamente patógenos de doença de um ponto de vista teológico – isto é, são obra de Deus ou de Satã?”, pergunta Winter. “Tenho uma forte suspeita que esses defeitos [falhas genéticas] são comumente na verdade distorções malignas de Satã e não apenas coisas que deram errado acidentalmente. Por quê? Porque, simplesmente, algumas delas são tão engenhosamente destrutivas. Representam, penso eu, o envolvimento de inteligência. Não são apenas evolução cega, ou muito menos, erros na criação”.

Tais idéias podem soar cômicas, mas possuem uma honestidade intelectual, ou pelo menos, uma honestidade, gritante. Principalmente quando descobrimos que Winter desenvolveu tais idéias enquanto estava ao lado de sua esposa, vítima de câncer, no último mês de sua vida. “[Há] uma tradição teológica que não compreende as forças demoníacas que têm a capacidade de distorcer o DNA”. O próprio Winter também faleceu após lutar contra o câncer.

Se as idéias do design malevolamente inteligente pareceram curiosas, vale lembrar que também há a proposta do design estúpido. [via 忘却からの帰還]

O pássaro Moonwalker

Na florestas da América Central, este pássaro da família de dançarinos (sim, Pipridae é toda uma família da dançarinos!) faz o Moonwalk como parte de sua corte. É um macho de cabeça-encarnada (Pipra mentalis) tentando impressionar as fêmeas. Nite Owl tinha bons motivos para apreciar a ornitologia.

Mais algumas surpresas ornitológicas na continuação.

Theo Jansen em sua casa

As esculturas cinéticas do holandês Theo Jansen, as “Strandbeest” ou “bestas da praia”, são sua tentativa de criar uma “nova natureza”. Com ciência! Movidas apenas pelo vento, longe de apenas rolar, elas transformam a força motriz em uma série de movimentos complexos, através de uma miríade de juntas e mecanismos. As “bestas” mais recentes de Jansen incluem mesmo sistemas pneumáticos, por onde as criaturas artificiais podem acumular um tanto de energia do vento como ar comprimido dentro de garrafas de limonada.

Se seu movimento parecer perturbadoramente biológico, talvez seja porque as bestas da praia evoluíram como vida artificial. Combinando arte e ciência, o artista se vale de algoritmos genéticos, deixando que as criaturas evoluam em um ambiente virtual em seu computador. Os projetos mais promissores de seu mundo virtual ganham “vida” real com tubos de conduite na praia. “It’s almost alive!”.

O projeto hipnotizante das criaturas de Jansen pode parecer complexo a princípio, mas uma olhada cuidadosa mostra que dificilmente poderiam ser mais simples para a tarefa que se propõem – ele diz ter “reinventado a roda”. Tanto que reproduções em menor escala dos mecanismos podem ser feitos como um robô mais tradicional, movido por um motor (clique para o projeto):

O mais fabuloso no entanto foi encontrar este projeto feito de papel:

E uma animação do mecanismo:

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Jansen sonha criar uma série de criaturas, cada vez mais eficientes em se locomover com o vento, e um dia soltá-las todas livremente na praia. Elas “viveriam” sozinhas, movimentando-se como gigantes mecânicos com o vento, armazenando energia quando necessário, evitando ficarem presas na água ou em bancos de areia. Talvez leve mais alguns milhões de anos, mas se for no tempo virtual de seu computador, isso pode equivaler a apenas mais alguns anos.

Dinossauros tinham gosto de… frango?

Qual seria o gosto da carne de uma iguana? Pomba? Ou um… Tiranossauro? Pois em “Tastes Like Chicken” (PDF em inglês), ou “Tem gosto de frango“, Joe Staton do Museu de Zoologia Comparada de Universidade de Harvard aborda a questão. Com ciência! E oferece este diagrama:

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Como Staton informa, os organismos com caixas antes das legendas foram usados como “fontes de dados no modelo”, leia-se, ele mesmo experimentou a carne onde possível ou confiou no relato de pessoas que o fizeram. Isso inclui humanos, que teriam gosto de porco. Aqueles sem caixas, como o rato, a salamandra gigante ou o Tiranossauro tiveram seu gosto inferido baseado em ancestrais comuns.

Pois este artigo publicado nos Annals of Improbable Research, publicação da organização mais conhecida por conceder o prêmio IgNobel, faz rir e então pensar. De todas as formas de verificar e aplicar conhecimentos de biologia e zoologia, incluindo a teoria da evolução, o gosto da carne de animais tetrápodos – com quatro patas – parece razoavelmente compatível com o esperado. Animais com ancestralidade comum geralmente têm gosto parecido.

É esta segurança que leva Staton a sugerir que dinossauros, ancestrais da própria galinha, tinham gosto de galinha. Ou vice-versa. Ou melhor, como ele conclui,

“Como resultado deste estudo, devo concluir que o sabor de uma carne depende mais de herança comum … Muitos animais têm gosto parecido porque evoluíram de um ancestral comum que tinha tal gosto. O cerne de nosso argumento é que o sabor “como de frango” é ancestral (isto é, plesiomórfico) para pássaros e muitos outros vertebrados. De fato, a ênfase em galinhas na declaração ‘tem gosto de galinha’ é imprecisa. O ancestral comum da maiorr parte dos tetrápodos teria um gosto similar, se ele apenas estivesse por aí para ser cozinhado e comido. Eu assim proponho que o uso da expressão ‘tem gosto de frango’ seja banida do uso comum, substituída por ‘tem gosto de tetrápodo‘”.

[via RicBit]

– – –

ATUALIZAÇÃO

O trabalho de Staton é original de 1998, e busca tanto fazer rir como pensar, em linha com o IgNobel. Ainda assim é interessante indicar esta notícia, escrita pelo SciBling Reinaldo José Lopes e indicada pelo Roberto Takata na ciencialist, de que:

Dino tinha gosto de frango, diz estudo
Americanos conseguiram extrair colágeno de tiranossauro com 65 milhões de anos.
Proteína se parece com equivalente de galinha, reforçando ligação de dinos com aves.

A ligação entre dinossauros e aves é proposta há mais de um século, desde não muito tempo depois que a própria teoria da evolução foi formulada, em verdade. Assim não é uma surpresa tão grande, e Staton não merece o Nobel por seu trabalho gastronômico.

Não deixa de ser curioso notar ainda assim como diferentes evidências e linhas de raciocínio apóiam a biologia moderna. Um tour gastronômico de carnes exóticas é plenamente compatível com a mais avançada paleobiologia molecular.

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