Off-topic: Escol@ Virtual
Post bem curtinho só para divulgar uma iniciativa da Fundação Bradesco. A Escol@ virtual é um portal de cursos à distância ou semi-presenciais, muitos deles gratúitos. É só se inscrever, ver as aulas em apresentações de slide, responder os testes e imprimir o seu certificado. Os temas vão desde MS Office 2007 e programação em java até Dinâmicas e entrevistas de contratação profissional, entre muitos outros. Aproveitei para me atualizar quanto à ortografia revisada pelo acordo dos países lusófonos e trocar o microorganismo pelo micro-organismo, as idéias pelas ideias o seqüenciamento por sequenciamento e os pêlos por pelos nos posts daqui para frente.

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O corolário da dúvida eterna, carta aberta à Dayane
Dayane querida,
Se esse professor aqui puder te deixar um único ensinamento, esqueça que as vértebras caudais das aves se fundem gerando o pigóstilo, esqueça que o cálcio secretado pelo retículo sarcoplasmático é fundamental para a conexão entre actina e miosina, mas nunca se esqueça do seguinte: Duvide sempre. Duvide do que está no livro, duvide do que seus colegas disserem, duvide de um e-mail que recebeu, de um artigo de revista científica. Duvide principalmente daquilo que seu professor disser! Duvidando você irá raciocinar por conta própria, e é isso que fará a diferença.
Fiquei feliz em receber o seu e-mail com o texto encaminhado sobre evidências acerca da homeopatia ainda mais depois da nossa conversa na aula de fisiologia. A ideia toda é muito interessante, examinei-a detalhadamente abaixo.
Primeiramente eu fui até o artigo original da New Scientist mencionado no texto, tive alguma dificuldade porque o texto se refere à edição de 17/1/2011 deste periódico, mas essa edição não existe. Deve ter sido só um engano, porque achei o artigo na revista de 15/1. Aproveitei para conferir o artigo científico que embasou o de divulgação que você me passou (L. Montagnier, J. Aissa, E. Del Giudice, C. Lavallee, A. Tedeschi, G. Vitiello. DNA waves and water. Nature 23 Dec 2010 Vol.: 333, 816 – 818. DOI: 10.1038/333816a0). Um dos artigos refere-se à página 816 a 818 da edição de 23/12/2010, volume 333. Acontece que essa edição não tem página 816, não tem artigo nenhum do Luc Montagnier e é o volume 468, não o 333. Esta só será encontrada em 1988, ali sim há um artigo na página 816 mas que nada tem a ver com Montagnier. O DOI apresentado na referência também leva ao artigo de 1988. Deve ter sido outro engano, mas o fato é que o artigo base do texto não existe, ele não foi publicado nem avaliado por outros cientistas.
Edição de 23/12/2010 da Nature, o artigo mencionado não consta.
O texto que você enviou começa apresentando as credenciais do autor do estudo de teletransporte de DNA. O cara é prêmio Nobel em medicina! Muito impressionante. Luc Montagnier, descobriu que o HIV causa AIDS. Mas lembra do ensinamento? Vamos esquecer quem fez o experimento, finge que foi o seu colega Ashbel. A coisa muda de figura? Não deveria, no meu corolário da dúvida eterna você deve desconfiar igualmente de conclusões apresentadas pelo Nobel de medicina e pelo Ashbel. A isso nós damos o nome de falácia do argumento de autoridade. O Linus Pauling (Nobel de química em 1954 e da paz em 1962) jurava que vitamina C blindava o corpo contra câncer, doença que matou sua esposa e a ele próprio depois de anos de sobredosagem desta vitamina (mas veja que ele já tinha passado dos 90, dica da Ana Claudia). O próprio Pauling dizia que o progresso da humanidade depende dos jovens duvidarem dos mais velhos.
Linus Pauling, caso exemplar da maldição da medalha dourada
Fonte: nobelprize.org
Dando uma navegada por aí você vai ver que o Montagnier gosta de uma controvérsia, ele propôs curar autismo com antibióticos, escreveu um artigo sobre como diagnosticar AIDS usando a impressão que o HIV deixa nas moléculas de água e o publicou em sua própria revista 3 dias depois de submetê-lo (provavelmente sem análise por pares) e ainda patenteou o método. Bom, mas cabe a nós duvidar disso também, senão caímos na falácia do argumento ad hominem, atacamos o Montagnier no lugar das ideias dele.
O e-mail traz a afirmação de um químico australiano de que “se os resultados estiverem corretos, esta será uma das maiores revoluções científicas dos últimos 90 anos”. O fato é que, para uma ideia ser sustentada, é essencial que ela seja replicável. Se o DNA se teletransporta por eletromagnetismo, ele o deverá fazer no laboratório do Luc Montagnier, no CPEDA, na Tailândia e em Marte. Se só funcionar quando aquele pesquisador fizer… hum, não sei não, hein. Acontece que os resultados não se repetiram desde janeiro, coisa que já poderia ter sido feita.
Um motivo para a gente questionar os resultados do Luc Montagnier é a contaminação. Imagina a dificuldade para se retirar completamente todo vestígio de DNA de um tubo de ensaio. Contaminações já arrasaram algumas das “mais incríveis descobertas científicas dos últimos tempos”, como seres vivos que usam arsênico no lugar de ATP, bactérias alienígenas e DNA de dinossauro perfeitamente conservado. A coisa fica ainda mais complicada porque o método usado para identificar se o DNA passou de um tubo ao outro foi o da PCR. Esse método irá, na verdade, dizer se havia no 2º tubo algum DNA. Ele não diz se o DNA do 2º tubo é igual ao do 1º. Para isso seria mais interessante sequenciar os fragmentos. O 2º tubo estar contaminado com exatamente o mesmo fragmento de DNA do 1º tubo seria coincidência demais. Mais simples ainda seria fazer o PCR de um tubo sem ter passado pelo teletransporte quântico. Aquilo que chamamos de controle, lembra? Se em um dos controles aparecesse DNA poderíamos dizer que houve contaminação. Bom, sempre existe a possibilidade do pesquisador afirmar que o DNA se teletransportou para o controle também.
Luc Montagnier, teletransporte quântico do DNA. Será?
Fonte: nobelprize.org
Lá pelas tantas o texto no seu e-mail diz que “é difícil imaginar que a equipe de um pesquisador agraciado com o Prêmio Nobel seja ingênua a ponto de divulgar uma pesquisa tão controversa sem tomar todos os cuidados metodológicos necessários”. Bom, pode ser difícil, mas vamos usar o benefício da dúvida. Não seria de se imaginar que um Nobel cometeria erros metodológicos. Mas o que você diria de um cientista que, por ter seu projeto com financiamento federal negado por problemas éticos, só conseguiu realizá-lo cobrando das próprias cobaias pelo experimento? O que você diria se um cientista quisesse publicar um artigo supostamente revolucionário sem fazer um grupo controle. O que você diria de um experimento com 12 réplicas (Quantas repetições tem a sua monografia?). O que você diria de um cientista que, se fez o controle de seu experimento, não o explicou na metodologia? O que você diria se esse cientista fosse o Luc Montagnier, Nobel de medicina em 2008?
O
s patos são as teorias e hipóteses, cada tiro é um experimento
Fonte: game-artist.net
Para concluir, Dayane, eu reforço. Desconfie de tudo, inclusive desse post cheio de informações. Os dados do texto que você me mandou podem sim se tornar uma reviravolta da ciência, mas para isso os resultados terão que se sustentar aos testes e serem replicados. Minha imagem mental preferida de uma teoria científica robusta é a de um estande de tiro aos patos num parque de diversões. A teoria mais robusta é a que mais tempo fica de pé enquanto os cientistas tentam atacá-la, derrubá-la. O que não vale é sair divulgando seus resultados antes mesmo dele ter sido posto à prova no estande de tiro (antes de ter sido avaliado por pares e publicado).
Bessa

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Pensamento de Segunda
Muitas das nossas assim chamadas “falhas” são na verdade pessoas que não enxergaram quão perto de ter êxito estavam no momento que desistiram.
Thomas Edison
Pensamento de Segunda
Não sei o que o mundo pensa de mim, mas eu mesmo me vejo como um garotinho brincando na praia, e me divertindo cada vez que encontrava um seixo arredondado ou uma concha bonita, enquanto o grande oceano da verdade jazia desconhecido diante de mim.
Isaac Newton
Pensamento de Segunda
Quando alguém mais velho for falar, ouça-o com atenção, mas não acredite nele por isso, por mais que possua cabelos brancos ou um prêmio Nobel. O progresso da humanidade depende de pessoas mais novas descobrirem o que há de errado com as ideias de pessoas mais velhas.
Linus Pauling
Pensamento de Segunda
Eu prefiro a crítica mais afiada de um único homem à aprovação impensada das massas.
Johannes Kepler
Pensamento de Segunda
Pesquisa científica é algo que se aprende majoritariamente com um mentor. Apenas em associação estreita é possível aprender como ele raciocina, opera e planeja de forma a atingir e manter a posição de liderança. Um aluno com talento apenas moderado pode ser potencializado de forma a atingir resultados importantes ao associar-se com o orientador certo.
J. E. Oliver
Pensamento de Segunda
Nos afogamos em informação ao mesmo tempo que morremos de sede de sabedoria. O mundo, daqui em diante, será dirigido por sintetizadores, pessoas capazes de reunir as informações certas na hora certa, pensá-la criticamente e tomar decisões importantes com inteligência.
Edward Wilson