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Chi vó, non pó

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42.

A lesma do mar masoquista

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Naquela manhã, no consultório psicanalítico…

Siphopteron. Linda, mas com um gosto sexual duvidoso. Fonte: seaslugforum.net

A doutora ouvia a narrativa da paciente chegando ao fim com um nó na garganta e uma secreção ácida no estômago. Mesmo depois de tantos anos no consultório, algumas histórias ainda a horrorizavam. A paciente, uma lesma do mar branca, vermelha e amarela de menos de meio centímetro, chegou contando sobre seu relacionamento atual, um caso clássico de sadomasoquismo.

– Em resumo é isso, doutora. Para mim uma boa sessão de sexo nunca termina sem um bocado de hemolinfa derramada e objetos afiados introduzidos no meu corpo.

A psicanalista, que havia anos seguia uma linha pouco ortodoxa entre Lorenz e Lacan, disfarçou o melhor que pôde seu mal-estar e comentou: – Mas se isso proporciona prazer a você e seu parceiro, que mal há?

-Você pergunta que mal tem? Olhe para mim, doutora. Sou uma lesma do mar bem sucedida, tinha um emprego legal e um papel de liderança lá no recife de coral. Mas agora tenho uma cicatriz do estilete peniano do meu parceiro na testa. Que vida social e profissional me cabe com marcas inequívocas como essa? Saio na rua e todo mundo já sabe como anda minha vida sexual! – Acontece que os nudibrânquios têm um pênis enorme e nele existe um tipo de estaca que o macho finca na fêmea. Uma coisa assombrosa, seja pelo tamanho do membro, seja pela aparente violência do ato, que deixava a fêmea toda marcada. – Você só diz isso porque está aí nessa poltrona quase de costas para mim e, nessa escuridão, nem consegue me ver direito.

-Olha, Dona Siphopteron, você precisa decidir qual o seu desejo. O sexo como você pratica deixa marcas que complicarão outras partes da sua vida. Não tem um lugar mais discreto para você pedir ao seu parceiro para te dar estocadas?

A lesma balançava a cabeça abanando os tentáculos cefálicos negativamente. – Ele só quer saber de me penetrar na testa, assim fico marcada!

– E ele injeta alguma coisa em você nessas penetrações?

-Injeta sim. Por que? Isto quer dizer alguma coisa?

-Bom, uma forma de encarar o fetiche de vocês, uma bem lacaniana, diria que houve uma ruptura entre o significado e o significante. Inconscientemente você deseja deixar esse papel de liderança e sucesso, mas recalcou esse desejo e o sublimou de outra forma, tornando-se sexualmente submissa. – Informou a psicanalista colocando a perna dos óculos de armação larga entre os lábios a título de ponto final.

-De jeito nenhum! Nunca me canso dessa vida agitada, das minhas responsabilidades. Eu adoro ser assim. É só que também gosto de sexo desse jeito e ninguém tem nada com isso. – Protestou a Sra. Siphonopteron com o manto arrepiado.

-Exatamente por te deixar tão exasperada eu diria para você pensar no que eu disse até nossa próxima sessão. Essa rejeição imediata do que eu disse me remete à negação, o que indica que pode ter um fundo de verdade. – A psicóloga encerrou a sessão fechando seu bloquinho de anotações e espetando na espiral a caneta elegante.

A cliente parecia resignada enquanto se arrastava até a porta de saída. Quase virando no corredor deu um giro sobre o pé e perguntou à analista. – Você disse que uma forma de encarar meu fetiche era a lacaniana. Qual seria a outra?

-Olha, são só especulações. Injetando líquido da próstata na testa, tão perto dos seus nervos, as secreções do seu parceiro podem estar afetando seu sistema nervoso e mudando seu comportamento. Talvez isto te deixe cada vez mais submissa e disposta ao masoquismo. Mas isto é um palpite. Até semana que vem.

Voltando da porta, a doutora reparou que sua secretária nem tinha escutado as conversa com a paciente porque não desgrudara os olhos do livro que tinha nas mãos. Algo parecia errado com a capa, onde se lia “365 receitas para o dia-a-dia”. Abaixo dessa capa, frouxamente encaixada ao miolo, dava para ver claramente a capa cinza de “Cinquenta tons mais escuros”. A terapeuta reparou os dedos da secretária se crisparem segurando firme o livro ao perceber que estava sendo observada.

-Cuidado com os recalques, minha filha. Assuma seus desejos porque as consequências podem ser piores. – Comentou a doutora retornando a sua sala.
Rolanda Lange, Johanna Werminghausen and Nils Anthes (2013). Cephalo-traumatic secretion transfer in a hermaphrodite sea slug Proceedings of the Royal Society B DOI: 10.1098/rspb.2013.2424

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Aruba sob risco de empalidecer

Alguns anos atrás estive em Aruba para mergulhar. Foi um dos pontos de mergulho mais ricos que já visitei, então saber que os recifes de lá estão entrando esse ano na zona de branqueamento me deixou chateado. Recifes de coral são ecossistemas apenas comparáveis em termos de diversidade a grandes florestas tropicais. A complexidade desses habitats, cheios de reentrâncias e com ampla diversidade de características físicas, permite a existência de toda uma gama de seres vivos. Além disso, os recifes são formações biológicas muito antigas e gigantescas. Países inteiros no Pacífico Sul se situam sobre ilhas recifais.

Colônia de corais parcialmente branqueada. Fonte: University of Queensland

O fenômeno do branqueamento tem afetado muito os recifes de coral. Muitos corais têm uma simbiose com dinoflagelados fotossintetizantes, as zooxantelas. Os corais oferecem ao dinoflagelado um abrigo e condições ambientais adequadas, em troca recebem parte da energia produzida pela fotossíntese que esses unicelulares clorofilados realizam. Essa convivência, no entanto, pode ficar complicada. Se o processo de fotossíntese for acelerado, os níveis de oxigênio produzido pelas zooxantelas podem se tornar prejudiciais ao coral. Isso porque o oxigênio tem alto potencial oxidativo e começará a destruir o maquinário celular do coral. Antes que isso aconteça o coral expulsa as zooxantelas de casa, empalidecendo por consequência de tornar visível seu esqueleto calcário.

A fotossíntese, aliás, também está relacionada a esse esqueleto calcário. Os corais formam seu esqueleto capturando íons de cálcio e carbonatos dissolvidos na água do mar. Eles também usam aí o oxigênio produzido na fotossíntese e o gás carbônico produzido nesse processo é aproveitado pela zooxantela na fotossíntese, que ocorre de forma mais eficiente quando a zooxantela recebe luz nos comprimentos de onda de 410 a 430 nm e 642 a 662 nm devido aos tipos de clorofila presentes.

Recife em Aruba, menos cores no futuro próximo. Fonte: charterfleet.com

Mas o que pode acelerar a fotossíntese das zooxantelas? A temperatura é um fator chave. Com o aumento da temperatura da água do mar causado pelo aquecimento global, o branqueamento tem se tornado mais e mais comum. As próprias mudanças na temperatura do mar vêm mudando os padrões das correntes marítimas, atingindo agora o sul do Caribe com águas mais quentes e levando ao branqueamento em locais como Aruba. Se o branqueamento durar apenas algumas semanas ou poucos meses, as zooxantelas podem ser reincorporadas e a vida segue no recife de coral, apenas com um retardamento na deposição dos esqueletos calcários dos corais. Se o período for mais prolongado, no entanto, a colônia inteira poderá morrer, levando consigo todos os outros seres vivos que dependem dos corais, e até as economias baseadas em turismo recifal.