Os babuínos entediados

Naquela manhã no consultório psicanalítico

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A Doutora recebeu o aviso afobado de sua secretária e foi à porta. Na sala de espera havia cerca de 30 babuínos chacma espalhados nos bancos, sentados sobre o cesto de revistas e na mesa de centro. Ao ouvir o estalo da porta todos se voltaram para ela ao mesmo tempo. A secretária era nova em sua função, o que a espantara tanto em geral era parte da rotina da psicóloga.

– Quem é o primeiro? – Ela perguntou com tranquilidade. Uma mão se ergueu e quase instantaneamente todas as outras levantaram-se também.

– Você, entre. – Disse a Dra. apontando para um macho grande com os pelos de trás da cabeça mais arrepiados e o focinho mais longo que os demais.

O babuíno a seguiu consultório adentro e em um instante estava acocorado sobre o espaldar do divã.

– Doutora, estou incomodado. Todos da nossa tropa fazem sempre as mesmas coisas, caímos em uma rotina monótona. – Disse o bicho coçando com o indicador o umbigo.

– Ué, e porque você não procura sair dessa rotina? Vá fazer coisas diferentes.

– Impossível, Dra.! Temos que viver em grupo para conseguirmos alimento mais eficientemente e nos protegermos de predadores. Se decido me catar quando todos estão indo beber água, ora, então isto não é bem vida em grupo, não é mesmo? – Disse o macacão.

– Bom, há riscos que se tem de correr para mudar. Poderia vez por outra, quando estivesse sem nenhum predador espreitando, fazer algo diferente. – Sugeriu a analista.

– A Sra. não entende. Se decido fazer algo diferente logo todos estão fazendo igual a mim. E então deixa de ser diferente, volto à rotina. – A psicóloga parecia intrigada, mas compreendia o que estava acontecendo.

– Essa imitação não costuma ser assim o tempo inteiro. Ela deve ser pior antes de vocês começarem a comer, em vegetações mais fechadas e em grupos mais próximos. – Afirmou a analista.

babuinos

All together now!

Fonte: www.gemata.com

 

– Puxa, doutora, é isso mesmo. Como a senhora sabe? – Agora era o macaco que estava intrigado.

– Minha profissão exige estes conhecimentos. Mas então, sabendo disso, por que você não aproveita momentos em que a tropa esteja saciada, em vegetação aberta e mais afastados entre si para cuidar de seus próprios interesses? – Sugeriu a terapeuta.

– É, deve funcionar. Mas essas ocasiões são tão raras. – Lamentava-se o babuíno quando a doutora respondeu.

– E olhe, pare de falar mal da rotina. Pare com essa sina anunciada de que tudo vai mal só porque se repete. Pensando firme, nunca ouvi ninguém falar mal de determinadas rotinas: dia azul, lua cheia, primavera, barulho do mar.

– É, você tem razão, é essa rotina que garante nossa sobrevivência. – Finalizou o babuíno. – Até a próxima, doutora.

A terapeuta acompanhou o grande macaco até a porta. Ao ouvir o clique da maçaneta todos se voltaram para a analista ao mesmo tempo.

– Quem vem agora? – Ela perguntou outra vez. Todas as mãos se levantaram novamente.

A psicóloga escolheu uma das muitas fêmeas ali presentes que a acompanhou ao consultório e sentou-se no alto do espaldar do divã.

– Doutora, estou incomodada. Todos da nossa tropa fazem sempre as mesmas coisas, caímos em uma tediosa rotina, a senhora pode me ajudar? – A analista deu um suspiro longo como seria aquele dia.

 

King, A., & Cowlishaw, G. (2009). All together now: behavioural synchrony in baboons Animal Behaviour, 78 (6), 1381-1387 DOI: 10.1016/j.anbehav.2009.09.009

O percevejo inseguro

 

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Naquela manhã, no consultório psicanalítico.

 

– Sr. Zeus, já te expliquei que não atendo casais – Dizia a terapeuta.

– Dra. mas sou só eu que vou me consultar. Ela só precisa entrar comigo. – A Dra. sabia que era verdade, ainda que contrariada deixou-os entrar.

– Bom dia, como vão vocês hoje? – O casal de percevejos se sentou no divã, Sr. Zeus grudado à namorada.

– Estamos ótimos, não é mesmo meu bem? – A percevejinha apenas concordava com a cabeça, mas seus olhos compostos estavam fundos e ela estava magra, com um ar exausto.

– Sr. Zeus, sua namorada não é um muito jovem para o senhor? Que idade ela tem? Me parece ainda uma ninfeta de quinto ínstar! – A analista havia deixado de lado sua poltrona e ocupava uma cadeira de frente ao casal sentado no divã.

O Sr. Zeus pareceu intrigado com a pergunta. Olhou para a fêmea a seu lado como se a visse pela primeira vez.

– Claro que não! Essa daqui já está para se tornar uma mulher feita, estava na hora de arrumar um namorado e ela tem sorte de ter um homem como eu grudado ao seu pronoto. Jamais faria nada para prejudicá-la – O Sr. Zeus era todo sorriso enquanto retirava alguma secreção das costas da namorada e a levava à boca com ansiedade.

A dra. não respondeu. Limitou-se a olhar fundo dentro dos olhos do Sr. Zeus. Aquela profunda encarada parecia não acabar mais. O sorriso do percevejo foi se esvaindo, murchando, até virar uma careta e ele prosseguiu.

– Mas Dra. Isto é o melhor que podemos fazer. Todos os rapazes têm suas namoradas, não é fácil conseguir uma parceira interessante disponível. Se eu a deixo logo virá outro tomar o meu lugar, então é melhor grudar logo cedo. Além do que, somos tão apaixonados. Essa mulher me ama, não é, bem? – O aceno de cabeça da fêmea esquálida mal era perceptível.

– O senhor não vê  que está prejudicando a pobrezinha? Não larga das costas dela, fica se alimentando das secreções dela. Ela nem mocinha é ainda! – Enquanto a Dra. falava o percevejinho ia abaixando a cabeça, agora sua arrogância diminuíra proporcionalmente ao seu tamanho.

– Dra. sei que prejudico meu benzinho, mas não posso fazer nada. Há tantos machos e tão poucas fêmeas. Eles são mais fortes do que eu, ainda corro o risco de ficar sem meu bem mesmo grudando nela desse jeito. Não é minha intenção prejudicá-la. Mas tem homens muito piores do que eu, tomam a comida que suas namoradas capturam, já ouvi falar até em canibalizar as pobrezinhas! – Agora a máscara de arrogância do percevejo, que não atingia nem 70% do tamanho da parceira juvenil, havia caído e ele era só insegurança.

– E a maldade dos outros te dá o direito de ser mau também? As costas dela estão cobertas de cicatrizes e tem uma marca onde o senhor fica agarrado à coitada da moça! – A perceveja, com um sorriso nos lábios, olhava de esgueira para o namorado.

– Não, mas… Olha tenho certeza de que não a prejudico tanto quanto a Dra. está falando. Você precisava ver o estrago que meus colegas que namoram ninfas de quarto ínstar causam, essas marcas não são nada! – O percevejinho respondia, mas àquela altura desejava ter um élitro completo para se esconder atrás.

– Sr. Zeus. Já que o senhor continua negando terminamos por hoje. Tenham um bom dia e eu te vejo na próxima semana. APENAS o senhor, compreendeu? – A analista já havia aberto a porta e acompanhava o casal empurrando ligeiramente as costas do percevejo relutante.

– Mas… doutora! – Ele tentou protestar, mas a porta já estava fechada. Zeus ia embora cabisbaixo, ainda comendo da secreção da namorada.

 

Jones, T., Elgar, M., & Arnqvist, G. (2010). Extreme cost of male riding behaviour for juvenile females of the Zeus bug Animal Behaviour, 79 (1), 11-16 DOI: 10.1016/j.anbehav.2009.10.016