A rainha paranóica
Naquela manhã no consultório psicanalítico.
A doutora saiu de sua sala ao ouvir os tambores e trombetas e chegou bem a tempo de ver a comitiva real saudando a entrada da rainha enquanto sua secretária, ainda na primeira semana no cargo, se encostava contra a parede oposta assustada.
– Vossa Majestade, que honra recebê-la mais uma vez! Vamos entrando, por favor. – E a analista escoltava a rainha para dentro do consultório.
A rainha havia mudado bastante desde que a doutora a vira pela última vez. E não era apenas a substituição da aparência jovial esbelta e pequena por um traseiro enorme que a rainha agora arrastava atrás de si como um produto das gerações seguidas de filhos que produzia. Antes ela emanava o viço de ter acabado de tornar-se rainha e o frescor que sua única oportunidade de acasalar na vida a tinha concedido. Nesta manhã a rainha parecia exausta e desconfiada.
– O que vossa majestade me conta? – Interrogou-a a terapeuta na penumbra.
– Doutora, nunca imaginei que ser rainha fosse tão duro. Desde que eu era apenas uma larvinha protegida dentro da célula de cria onde cresci eu sonhava em ser uma rainha. E agora que este sonho se realizou sinto falta das coisas boas da vida. – A abelhinha estava deitada no divã, mas percebia-se que seu corpo estava teso.
– É verdade, o poder cobra seu preço. Mas diga-me, o que a perturba?
– Olha, passo o dia todo perambulando pela colméia, eliminando feromônios para inibir as insurgentes e botando incontáveis ovos. O tempo todo minhas operárias se queixam da carga de trabalho e exigem mais ovos, principalmente querem irmãs. Sempre irmãs! Às vezes me pergunto quem é mesmo que manda naquela colméia.
– Trivers também se perguntou isso e as notícias não são as melhores. – Respondeu a psicóloga.
– Todos me perseguem! – Queixou-se a suprema sem escutar o comentário.
– Não é verdade. – Disse a analista.
– Ninguém acredita em mim – Retrucou a rainha.
– Eu acredito, majestade.
– A doutora diz isso só para me agradar.
– Eu não estou aqui para te agradar!
– Por que não? – Perguntou a rainha com olhar tristonho e as asinhas baixas.
Esse círculo branco em cima da rainha não é a coroa
Fonte: D. A. Alves
A abelha agora olhava ao redor, tensa. E continuou: – Na verdade, acho que minhas súditas, hemolinfa da minha hemolinfa, estão se rebelando contra mim. – Por fim revelou a monarca em um sussurro e engolindo em seco.
– Mas isto é muito grave! – Exclamou a terapeuta. – O que a levou a concluir isso?
A rainha fez sinal para que a doutora se aproximasse e olhou para a porta antes de prosseguir com a voz cada vez mais baixa. – Doutora, tem aparecido uns machinhos meio esquisitos das células de cria. Tenho certeza que aqueles não são filhos meus. E, se não são filhos meus, isso só pode ser sinal de um golpe de estado. Bem que a plebe me ameaçou. Se meu reinado não lhes satisfizesse então elas se reproduziriam.
– E você tem certeza de que estes machos são filhos de suas súditas revoltosas? Acho que deveria se preocupar menos, tenho certeza de que são descendentes da antiga rainha? – A voz da analista vindo daquele canto escuro e invisível atrás do divã não deixava a rainha nem um pouco à vontade.
– Você acha que poderiam ser netos da falecida? – A abelha eriçou as anteninhas pensando consigo mesma. – Isso explicaria por que eles nem se parecem comigo, explicaria a presença daquelas operárias tão velhas e ranzinzas e explicaria a devoção de minhas operárias ao cuidado com a minha prole. Talvez então não seja pura falsidade da minha corte. Talvez não estejam querendo me depor ou, pior, arrancar-me a cabeça. – Os ocelos da rainha recomeçavam a ganhar brilho e um esboço de sorriso surgia em seus palpos labiais.
– E não se esqueça que estas operárias remanecentes nem são aparentadas suas, elas não teriam nada a perder em deixar seus filhos aos cuidados das operárias que deveriam se ocupar da sua prole. – Lembrou a psicóloga.
– Estou tão aliviada. Nem dormia mais direito com medo de tornar-me uma Maria Antonieta de seis pernas, ficando com as cerdas brancas da noite para o dia antes da execução. Doutora, te devo a estabilidade política de meu reino. – Bradou a monarca.
– Nosso tempo se esgotou, majestade. Posso esperá-la na próxima semana?
Ao abrir da porta a comitiva real imediatamente se curvou em reverência. A rainha caminhou para fora do consultório parecendo muito mais leve. – Pode apostar, doutora. Até logo.
Alves DA, Imperatriz-Fonseca VL, Francoy TM, Santos-Filho PS, Nogueira-Neto P, Billen J, & Wenseleers T (2009). The queen is dead–long live the workers: intraspecific parasitism by workers in the stingless bee Melipona scutellaris. Molecular ecology, 18 (19), 4102-11 PMID: 19744267